O ano de 2014 caminha para ser mais um ano recorde de emissão de “sukuk”, instrumentos financeiros que são emitidos obedecendo aos preceitos da lei islâmica. Por essa razão, vão ao encontro de um vasto e abastado conjunto de investidores. Os sukuk são a base do sistema de financiamento numa sociedade que rejeita o conceito de juro pelo juro e que é muito seletiva no que toca aos fins para que o financiamento é utilizado. Podem ser uma alternativa para o financiamento das empresas portuguesas e dos Estados europeus.

A consultora Ernst & Young (EY) acredita que a procura global por “sukuk” vai triplicar até 2017. Haverá mercado, acredita a consultora, para o equivalente a 900 mil milhões de dólares em títulos financeiros islâmicos. Com as taxas de juro em mínimos históricos na Europa e nas outras regiões onde a crise financeira levou a políticas monetárias marcadas por estímulos agressivos por parte dos bancos centrais, os investidores internacionais – não apenas os ligados ao mundo islâmico – estão a encontrar nestes títulos financeiros uma boa alternativa para colocar parte dos seus recursos.

Este é um tema em discussão esta segunda-feira (1 de dezembro) num encontro promovido pelo Conselho da Diáspora Portuguesa, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

A lei islâmica proíbe a cobrança de juros como compensação pelo empréstimo de dinheiro, precisamente o que acontece com os títulos de dívida do mundo Ocidental. Nas obrigações, como as que os Estados e as empresas usam para se financiar, é aplicado um juro que varia conforme o capital emprestado, o tempo previsto até ao reembolso e o risco associado ao emitente. Aos olhos da lei islâmica, a “Shariah”, esta estrutura não é permitida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos “sukuk”, o investidor não recebe um juro mas, sim, uma parte dos rendimentos gerados por um determinado ativo, existente ou futuro. É por isso que, apesar de se assemelharem às obrigações ocidentais pela natureza fixa e regular do rendimento que proporcionam, é mais correto olhar para estes instrumentos como certificados.

Essa ligação sempre muito próxima ao ativo subjacente é o que caracteriza os “sukuk” e a maior diferença face aos títulos de dívida ocidentais. Ao investir em “sukuk”, o comprador do instrumento torna-se proprietário parcial do ativo ou projeto onde serão utilizados os recursos. Recebe, depois, uma taxa fixa de rendibilidade que funciona como uma renda ou, melhor, como uma partilha dos proveitos gerados pelo ativo subjacente.

Dá-se, de facto, uma transferência de uma porção da propriedade de um ativo tangível – existente ou futuro -, algo que não acontece, por exemplo, quando uma empresa de energia eólica obtém financiamento através de obrigações (na tradição Ocidental) para construir um novo parque eólico. Nesse caso, o investidor não é mais do que um credor da empresa que receberá a remuneração (juro) acordada no momento da emissão da dívida.

No financiamento islâmico, o investidor torna-se um dos “donos” do projeto. Mas não é um acionista, já que – e este é outro aspeto dos “sukuk” que o aproxima das obrigações – os certificados islâmicos têm uma cláusula de recompra do ativo numa data posterior e acordada entre as partes. Ou seja, não se tratando de dívida, há um momento em que a aplicação financeira atinge a maturidade, ou vencimento, e o investidor recebe o capital inicialmente aplicado.

Além de garantir que se trata de um contrato de partilha de proveitos e não um juro, este modelo torna também mais fácil o controlo dos fins para que o dinheiro é utilizado. Os organismos e comités que zelam pelo cumprimento da lei islâmica tem a missão de avaliar cada um destes contratos e verificar que estão em conformidade. Excluem-se, portanto, qualquer financiamento para projetos ligados a atividades proibidas como a produção de álcool, tabaco ou drogas e, por outro lado, atividades como o jogo ou a pornografia.

O mercado de “sukuk” é cada vez mais importante e apela não só aos investidores institucionais cujo mandato de gestão procura o “selo de garantia” de que os recursos serão utilizados para fins alinhados com o “Shariah” mas, também, aos investidores – não só islâmicos – que procuram uma diversificação dos ativos e encontram nestes certificados, além dessa diversificação, rendibilidades atrativas no contexto global atual.

Daí que, pela forte procura que existe por estes títulos – algo que geralmente leva a custos de financiamento vantajosos do ponto de vista de quem emite os “sukuk” – esta possa ser uma alternativa a estudar pelas empresas europeias e portuguesas. Para já, a emissão de “sukuk” continua relativamente limitada àquela região geográfica mas são cada vez mais os casos de emissões de “sukuk” por parte de Estados ou empresas do Ocidente. Dois casos: a emissão em janeiro de 200 milhões de libras em “sukuk” pelo Reino Unido – que teve procura 10 vezes superior ao montante colocado – e a emissão de “sukuk” que está a ser estudada pela mexicana Pemex.