Depois de na quarta-feira um grupo de jovens ter acusado o sem-abrigo que pediu ajuda na rede social Reddit de ser Fernando Fonseca, um homem que os burlou durante o tempo em que trabalharam na sua empresa fictícia, a internet encheu-se de publicações no Twitter e no Facebook que davam conta de outros casos de burlas e enganos. O Observador ouviu algumas das pessoas enganadas.

No sábado, o utilizador _Sem Futuro_ dirigiu-se aos restantes utilizadores pedindo-lhes resposta a três perguntas: como podia usar um computador gratuitamente para elaborar o CV em português e inglês; onde podia lavar roupa e tomar banho e onde podia comer gratuitamente.

Houve centenas de comentários de utilizadores que se disseram, de imediato, dispostos a ajudar. Alguns sugeriram-lhe que recorresse aos computadores de bibliotecas, que pedisse ajuda a instituições como a AMI, a Comunidade Vida e Paz ou a Re-Food. Um utilizador chegou a dizer-lhe que podia tentar fazer uma aula de experiência num ginásio para ter acesso aos balneários. Outros anunciaram, mesmo, na rede social que iriam fazer transferências bancárias e carregar o seu telemóvel. Um deles – Jorge Bastos – contou ao Observador que colocou o alegado sem-abrigo num quarto de um familiar. Na quarta-feira, Jorge Bastos deixou de atender o telefone e acabou por apagar a sua conta no Reddit. O Observador confirmou que Jorge Bastos e Fernando Fonseca são, na verdade, a mesma pessoa.

A identidade de “_SemFuturo_” foi revelada por um grupo de jovens enganados, em 2013, por Fernando Fonseca, quando este lhes deu trabalho na empresa SomeOps.

Quando leram que o sem-abrigo do Reddit se chamava Fernando e era um ex-consultor de comunicação, Nuno e João (nome fictício) acreditaram que “_SemFuturo_” era na verdade Fernando Fonseca, o homem que os empregou entre julho e outubro de 2013 na empresa fictícia SomeOps, que alegadamente tinha sede em Seattle, nos EUA, e um escritório em Londres. Fernando Fonseca acabou por burlar sete jovens.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Ele abriu uma agência com promessas de que era fiável. Prometeu-nos contratos durante três ou quatro meses e sempre que lhe falávamos disso dizia que estava ‘embargado’. Não pagou o último ordenado a ninguém, nem o penúltimo na totalidade”, disse ao Observador João.

A história foi confirmada pelo colega Nuno. “Em 2013, recebi um convite por parte de um amigo meu que trabalhava lá para ir para lá trabalhar. Não tinha muita experiência e fui e fiquei. Na altura, já tinha sido avisado por outras pessoas que o Fernando não era de confiança, mas eu confiei e entrei no barco. Quando lá estive, ia desconfiando dos atrasos nos pagamentos, das faltas de pagamentos…”, disse ao Observador.

Segundo Nuno, Fernando deixou de aparecer na empresa em outubro, não atendendo o telefone e não pagando os ordenados. Fernando terá informado os trabalhadores de que tinha um cancro e que iria procurar tratamento na Irlanda. “Um dia – depois de ele ter desaparecido, inventando uma doença – decidimos falar todos e percebemos que era tudo treta”, disse Nuno ao Observador.

Os jovens ficaram desempregados, sendo que três acabaram por emigrar. Nuno conseguiu emprego um ano e meio depois do caso. Mas, antes da burla na empresa fictícia SomeOps, Fernando Fonseca enganou outras pessoas.

A rede Star Tracker

Em 2007, três sócios da Jasson Associates, uma consultora de recursos humanos, criaram uma plataforma na internet que tinha como objetivo juntar portugueses “com talento” espalhados pelo mundo e chamaram-lhe Star Tracker. A entrada nessa rede acontecia por convite. Em 2008, o presidente da República, Cavaco Silva juntou-se à Star Tracker. Vasco Costa Noronha, antigo adjunto do ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, fez parte dessa rede e foi por ela que conheceu Fernando Fonseca em 2008, ignorando, no entanto, de que forma este se juntou à Star Tracker.

Na sequência de uma série de tragédias pessoais que alegadamente aconteceram na vida de Fernando Fonseca, alguns utilizadores da rede Star Tracker mobilizaram-se para o ajudar, emprestando-lhe roupas e dinheiro.

Vasco Costa Noronha lembra-se de alguns desses episódios, contados por Fernando Fonseca: “Primeiro ele fez uma viagem à Antártida, onde houve uma morte”, disse o antigo adjunto do Ministério das Finanças, acrescentando que Fernando contou diferentes versões sobre as circunstâncias dessa morte: “a alguns disse que tinha sido um ataque cardíaco, a outros disse que a pessoa tinha caído ao mar”, lembrou. Perto da mesma altura, Fernando Fonseca disse que a mãe tinha morrido. Depois, contou Vasco Costa Noronha, Fernando envolveu-se com “a mulher de um utilizador da rede” e “alegadamente, o marido dela terá assaltado a casa de Fernando, destruindo as suas roupas e deixando ameaças escritas na parede”. Nesse momento, Vasco Costa Noronha deixou Fernando Fonseca ficar em sua casa, havendo outros amigos que lhe emprestaram roupa e dinheiro.

Segundo Vasco Costa Noronha, Fernando terá convencido a mulher em causa a ser fiadora de um apartamento que este tinha em Alcântara. “Foi quando deixou de pagar o apartamento que ela se apercebeu e começou a contar-nos as várias histórias. Começámos a comparar com outros amigos nossos as diferentes histórias que ele contou ao longo do tempo e descobrimos as discrepâncias”, disse ao Observador o antigo adjunto do ministério das Finanças.

Ainda assim, Vasco Costa Noronha sublinha: “Não houve burla como no caso dos jovens. Houve uma solidariedade por histórias da vida pessoal do Fernando, mas ele acabou por devolver o dinheiro na altura”.

Quando leu sobre o pedido de ajuda feito por Fernando Fonseca no Reddit, Vasco Costa Noronha encontrou semelhanças nas histórias passadas. “Há sempre estes detalhes: uma tragédia, uma casa que não pode usar, a mãe que morreu, um cancro. O esquema é sempre o mesmo. Os alvos são sempre na área da comunicação e das redes sociais”, disse.

A festa de angariação de fundos para a Terra dos Sonhos

Através da rede Star Tracker, Fernando Fonseca conheceu Frederico Fezas Vital, diretor da organização de solidariedade Terra dos Sonhos, e propôs-lhe organizar uma festa no natal de 2009 que serviria para angariar fundos. Fernando Fonseca organizou, de facto, essa festa, – que contou com as presenças de Zé Pedro, guitarrista dos Xutos & Pontapés e Rui Pregal da Cunha, antigo vocalista dos Heróis do Mar – mas, como disse ao Observador Frederico Fezas Vital, “fugiu com o dinheiro” angariado.

Sem fazer ideia do montante angariado nessa noite, Frederico Fezas Vital não fez queixa na polícia. “Não tinha dados objetivos para fazer uma queixa. Ele nunca me prestou contas, não faço ideia da quantia [o diretor da Terra dos Sonhos estima que tenha andado entre os 2500 e os 3000 euros a avaliar pelo número de pessoas presentes]. Fiz uma denúncia nas redes sociais”, disse.

O aluguer do CoworkLisboa

Em 2011, Fernando Fonseca abordou Fernando Mendes, fundador do CoworkLisboa, um espaço de trabalho partilhado, e propôs-lhe a realização de um festival de editoras de música online. “Apoiámos o projeto e fizemos-lhe um preço para eles usarem”, disse Fernando Mendes ao Observador, explicando que Fernando Fonseca tinha consigo uma equipa de jovens responsáveis pela organização do festival.

Fernando Fonseca acabou por não pagar o aluguer do espaço, abandonando igualmente a equipa que trabalhava consigo. Fernando Mendes, apercebendo-se de que os jovens também tinham sido enganados, deixou-os continuar a trabalhar no seu espaço. Estes jovens pagaram a dívida contraída por Fernando Fonseca, explicou o diretor do CoworkLisboa ao Observador. “Fernando Fonseca não volta a entrar aqui, mas ainda comunico com esses jovens”, disse.