Pareciam ter um jogo privado, só deles, para descobrirem quem, entre os dois, conseguia fazer mais cerimónia, como quem vai jantar pela primeira vez a casa dos pais da namorada. “Vá, toma a bola. Não, passa-a tu. Nem pensar, eu insisto. Mau, fica lá tu com ela”, poderia ser a conversa, caso os pés de Maicon e Marcano tivessem boca e falassem, enquanto os dois centrais iam trocando a bola e só fazendo pontaria um ao outro, lado a lado e lá atrás. E foi disto, de muito disto, que se faz o arranque de um jogo de futebol em Setúbal, onde o visitado se fechava em copas e a visita não descortinava maneira de desembaralhar o anfitrião.

O Vitória fechou-se, muito e demasiado, e tinha os jogadores tão encostados uns aos outros que espaços era coisa que pouco havia na sua metade do campo. E ninguém vestido de azul tentava forçá-los a abri-los, muito menos os centrais que, no primeiros dez minutos, lá iam tendo o joguinho privado do tu-cá-tu-lá de passes para o lado, sem que arriscassem um que fosse para a frente. Assim a bola rodava de um lado para o outro e os setubalenses agradeciam por só terem de correr para as alas e não para trás. Até que, vá lá, o FC Porto começou a arriscar, porque ter a bola só por ter não serve para nada e quando se tem jogadores melhores que os contrários há que usá-los.

Vitória de Setúbal: Lukas Raeder; Pedro Queirós, Frederico Venâncio, François e Hélder Cabral; João Schmidt, Paulo Tavares e Dani; Advíncula, Zequinha e Suk.

FC Porto: Helton; Ricardo, Maicon, Ivan Marcano e Alex Sandro; Casemiro, Óliver Torres e Hector Herrera; Brahimi, Ricardo Quaresma e Jackson Martínez.

Por isso Brahimi deixou-se de ideias e encostou-se à esquerda, saindo do centro do relvado por onde insistia em andar ao início. Óliver começava a pedir a bola aos centrais da cerimónia e a recambiá-la para a frente. Já se via carrossel para levar a redonda de um lado para o outro, sim, mas perto da área do Vitória, onde aos 15’ se viu uma bola a ressaltar no ar e a pedir que alguém a amansasse. Jackson Martínez apressou-se a domesticá-la na relva, antes de a ensimar a passear à trela da chuteira até à direita, onde esperou pela corrida de Ricardo Pereira para lhe lançar a bola. O lateral cruza-a de primeira, o colombiano não lhe acertou e a deixou-a passar até perto do segundo poste, onde lá estava Brahimi. E o 1-0, também.

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Já se viam uns dragões com risco, a jogar rápido, a atraírem as atenções de um lado para depois, matreiros, atirarem a bola para o outro, obrigado Dani e Paulo Tavares, dois dos três médios da casa, a fazerem piscinas para acompanharem tudo isto. Eram eles que tinham de ajudar os laterais, mas chegavam muitas vezes atrasados, tanto que, logo aos 16’, Quaresma fingiu que ia cruzar, enganou Hélder Cabral, ajeitou o corpo para uma trivela e sacou um remate que Lukas Raeder desviou para canto. O senhor das triveladas, aos 31’, também faria das suas, quando inventou um slalom, correu uns 20 metros sem que alguém o parasse, passou a Alex Sandro, mas depois não acertou na bola cruzada pelo brasileiro.

A cada minuto que passava, mais o Vitória se encolhia. Suk, o sul-coreano, era uma ilha deixada à deriva lá na frente, para onde a equipa despejava a bola, sem que alguém arriscasse a perder um segundo para levantar a cabeça e, ao menos, tentar passar a bola para perto do avançado. Assim o FC Porto recuperava rápido as bolas que demorava a perder, e nunca andava longe dos 75% da companhia da bola. Óliver Torres, o pequenote espanhol com uma pantufa no pé direito, queria e conseguia ser uma escala para a bola passar em qualquer jogada da equipa.

Do Vitória, e até toda a gente ir descansar uns 15 minutos para o balneário, nada se viu no ataque além de uma bola que, aos 45’, bateu no braço de Alex Sandro, na área, vinda de um livre a 30 metros dali, batido por Paulo Tavares. Nenhum apito se ouviu para que tal desse equivalência a um penálti. A segunda parte pouca coisa nova trouxe. Os setubalenses até se atreveram a irem pressionar mais à frente os dragões que tinham a bola, mas já tinham nas pernas o peso de passarem 45 minutos a correrem atrás do carrossel de passes do FC Porto — fizeram 338.

E mesmo que Advíncula e Zequinha, os extremos, começassem a tocar mais vezes na bola, o problema era que os passes falhavam-se aos montes, porque, ao invés do que os centrais do FC Porto tinham andado a fazer no arranque do jogo, os médios do Vitória insistiam em carregar os passes de risco e pressa. Por isso falhavam muitos e só João Schmidt parecia ter calma e tino antes de decidir o que fazer à bola. O jogo ia abrandando de ritmo e nada, nada de nada se ia passando. Por muito que os de Setúbal lutassem não conseguiam melhor do que irem umas quanta vezes até à linha de fundo para tirarem cruzamentos para ninguém. E por muito que Julen Lopetegui berrasse e gesticulasse, a equipa não parava de amolecer.

Os jogadores mexiam-se apenas para receberem a bola e devolvê-la ao remetente, ou até para a guardarem e passarem para trás. Ninguém, à exceção de umas quantas corridas de Ricardo, acelerava. Toda a gente abrandava. E isto é sempre sentido por quem jogar contra os moles e os jogadores do Vitória, portanto, foram ganhando raça e vontade, embora muito pouco fizessem com isso. Com a bola a rolar nada inventaram e só quando, aos 78’, Pedro Queirós fez um daqueles lançamentos laterais longos que querem ser cruzamentos é que a cabeça de François, primeira, e a de Zequinha, depois, tocaram na bola e obrigaram Helton a esmerar-se para a impedir de entrar na baliza.

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O marasmo abundava no jogo e só quando o relógio já se esticava para lá dos 90′ é que Herrera, invadido por um rasgo de raça, roubou a bola a um contrário, tabelou-a depois com Evandro, viu Jackson Martínez sozinho à beira da área e picou a bola para a fazer chegar ao colombiano. O avançado matou-a no pé direito, ajeitou-a para o esquerdo e não tardou a rematar, em jeito, rumo ao poste que mais perto estava, enganando o guarda-redes. Era o 2-0 para dar algo de interessante à segunda parte e, já agora, à luta no topo da lista dos goleadores deste campeonato — Jackson fez o 18.º golo no campeonato e voltou a ter mais um que Jonas, do Benfica.

O avançado, e o FC Porto, continuam assim a perseguir os encarnados. Os dragões, na primeira parte, aceleraram para arranjarem maneira de desmontar um Vitória que se fechou bem fechadinho e se mentalizou que ia sofrer. Depois viu-se uma segunda parte a ritmo molengão e frouxo, o suficiente para esta vitória aparecer e obrigar o Benfica a, nas três partidas que restam por jogar na liga, vencer pelo menos duas delas.