Os indicadores económicos mostram uma recuperação lenta mas positiva: desde 2011, que o país não exportava tanto; a taxa de desemprego regista uma diminuição e aproxima-se agora dos valores registados durante o primeiro ano da legislatura de Pedro Passos Coelho; e o Produto Interno Bruto (PIB) está em crescimento, apesar de ter caído em 2013. Mas o que representa isso para os bolsos dos portugueses e para o futuro da economia do país? O tema não é consensual.
Na verdade, tanto o aumento do PIB, como o crescimento do rendimento nacional e disponível (em termos brutos) não estão a ser acompanhados pelo aumento das remunerações dos trabalhadores. Ou seja, o país gera mais riqueza mas nem por isso os trabalhadores estão a receber mais pelo seu trabalho.
O PIB português fechou o ano de 2014 a valer 173 mil milhões, um valor nominal que ainda está abaixo do registado em 2011 – 176 mil milhões, mas que reflete também os baixos níveis de inflação registados neste período. Durante o primeiro trimestre de 2014, a economia recuou 0,5%, em comparação com o trimestre anterior, e, na média anual, progrediu 0,9% no ano passado. O rendimento obtido por quem reside no país e o dinheiro que há para gastar (ou poupar) também se aproximaram no ano passado dos níveis registados em 2011 – o máximo histórico. Mas as remunerações dos trabalhadores (76 mil milhões) desceram face a 2013 e estão hoje perto dos números registados em 2005 – na altura, 75 mil milhões de euros).
E aqui as opiniões divergem. Há quem veja nesta recuperação “uma transferência do rendimento dos trabalhadores para o fator capital” e há quem prefira olhar para estes indicadores como a primeira fase de um ciclo que trará, “mais cedo do que tarde”, mais prosperidade.
Entre os primeiros está, por exemplo, Luís Aguiar-Conraria, professor de Economia da Universidade do Minho. Ao Observador, o investigador começou por defender que o “mercado está a fazer precisamente aquilo que Vítor Gaspar queria fazer de forma abrupta” em 2012, com a descida da TSU (Taxa Social Única) para as empresas a ser compensada pelo agravamento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social. Ou seja, o que este “Governo conseguiu com a flexibilização do trabalho e a facilitação dos despedimentos” e que se refletiu no aumento do PIB, foi conseguido à custa da redução dos rendimentos dos portugueses. “Isso explica o facto de, apesar de estarmos com o PIB superior ao de 2012, termo um nível de remunerações próximo ao [registado] em 2005”.
O mesmo se aplica ao equilíbrio da balança comercial do país, continua Aguiar-Conraria. Do mesmo modo que “a diminuição dos custos laborais” contribuiu para a subida dos resultados das empresas, também permitiu reforçar a competitividade do tecido empresarial português e das exportações. Por outro lado, a diminuição das importações, que em 2012 atingiram o valor mais baixo desde de 2009 – 64 mil milhões de euros -, foi “conseguida através da dura receita de austeridade aplicada por este Governo” – as pessoas tinham menos dinheiro para gastar e consumiam menos.
“O equilíbrio externo mais favorável foi conseguido, mas não de uma forma virtuosa. Esse equilíbrio existe, mas é periclitante. Foi colocado um travão há uns anos mas não houve a preocupação de corrigir os problemas estruturais da economia portuguesa”, defende.
Daniel Traça, diretor da Nova School of Business and Economics, prefere olhar para estes números por outro prisma. “Os salários do setor público e privado não têm evoluído positivamente – até têm caído – em parte motivados pelo aumento da pressão salarial e do desemprego” vividos durante a crise. Agora, o país começa a dar os primeiros passos de recuperação económica e começa a haver mais procura, o que ajuda a explicar o aumento do PIB – esta é primeira fase do próximo ciclo que se avizinha.
No entanto, continua Traça, “as empresas ainda pensam duas vezes antes de aumentarem os seus funcionários e de recrutarem novos trabalhadores”, o que ajuda a explicar o facto da rubrica das remunerações continuar a não acompanhar o crescimento das restantes. Quando o fizerem, ou seja, quando a procura for mais sólida e o volume de trabalho maior, as empresas vão ter de recrutar novos trabalhadores e ajustar os salários dos seus funcionários – essa será a segunda fase do ciclo económico.
Por fim, a diminuição do desemprego vai “aumentar a pressão laboral” e vai “dar aos trabalhadores maior poder negocial” – a terceira e última fase. Tudo somado, explica Daniel Traça, vai fazer com que as remunerações dos portugueses se ajustem de forma progressivamente ao crescimento do PIB do país.
Exportações em crescimento, balança comercial equilibrada
A aposta nas exportações era o grande trunfo de Pedro Passos Coelho para a atual legislatura. Era a única forma de equilibrar uma balança cujo pêndulo teimava em cair para o lado das importações desde 1996. Ultrapassado o défice comercial em 2013 – pela primeira vez em 19 anos – PSD/CDS podem dizer que essa foi uma aposta ganha.
E nesta rubrica as posições dos dois investigadores acabam por se aproximar, ainda que com ligeiras diferentes. Tal como Luís Aguiar-Conraria, também Daniel Traça admite que a diminuição das importações, sobretudo entre 2012 e 2013, foi conseguido, em muito, graças à diminuição do poder de investimento das empresas que por sua vez reagiram à contração do consumo.
No entanto, o diretor da Nova School of Business and Economics prefere sublinhar outro fator: durante a crise, as empresas decidiram virar-se para fora e “apostar no mercado externo” e só dessa forma conseguiram tornar a economia portuguesa mais competitiva.
Agora, “o grande desafio para as empresas que conquistaram espaço no mercado exportador” é não cederem à tentação de se “voltarem para o mercado interno”. Ou então, alerta Daniel Traça, ao invés de termos uma “economia mais competitiva e resiliente”, corremos “o risco de regressar ao anterior ciclo económico” de desequilíbrio.
Desemprego a cair e turismo com cada vez mais peso no PIB
A taxa de desemprego em 2014 fixou-se nos 13,9%, um valor próximo ao registado em 2012 (12,7%). E aqui não restam grandes dúvidas para os dois economistas ouvidos pelo Observador: estes números só podem ser encarados de forma positiva.
Ainda que ambos reconhecem que esta curva descendente possa estar a ser alimentada pelo trabalho a termo ou pelos estágios profissionais financiados pelo Estado – e, por isso, os números podem ser uma má representação da realidade laboral portuguesa -, pior seria se o desemprego estivesse a aumentar, concordam.
“Pesadas as circunstâncias, [a aposta nos estágios profissionais, por exemplo] era o caminho que o Governo tinha de seguir”, começa por dizer Luís Aguiar-Conraria. É uma forma de “não hipotecar o futuro” dos desempregados de longa média-longa duração que, ao permaneceram durante muito tempo longe do mercado de trabalho, acabam por ter “muito mais dificuldades” em encontrar emprego.
Por outro lado, com a diminuição da população ativa, também por força da emigração, é mais fácil sustentar a redução da taxa de desemprego.
Também Daniel Traça admite que este “indicador é complicado” porque não mede, por exemplo, as pessoas que simplesmente “desistiram de procurar emprego” por não acreditarem que tal seja possível. Ainda assim, o diretor da Nova School of Business and Economics encara estes números de forma “positiva” e como um “reflexo da melhoria da conjetura económica”.
Sobre crescimento do peso do turismo no PIB, que em 2014 atingiu o valor máximo de 4,1%, os dois economistas concordam que estes números devem ser encarados de forma positiva. “São números excelentes” sinónimo do “afluxo enorme de turistas às cidades portuguesas”, começa por dizer Traça. Notícias “ótimas” que representam mais “dinheiro a circular” em Portugal e “uma importante fonte de receita”, acrescenta Aguiar-Conraria.
Resta dar o próximo passo: “apostar [de forma decisiva] não só na exportação do turismo, como noutro tipo de exportações de serviço”, explica Daniel Traça, dando o exemplo dos muitos estrangeiros que já procuram Portugal para receberem, por exemplo, tratamentos de saúde.