A quinta edição do Vodafone Mexefest terminou este sábado com os sentimentos à flor da pele. Pouco importa se Patrick Watson já deu vários concertos em Portugal. Às 00h25, o Coliseu dos Recreios estava cheio para ver (ou rever) e ouvir o canadiano e a sua banda, convidados para protagonizarem o último grande momento deste festival de inverno. Missão cumprida. Ainda com a edição de 2015 na memória, a sexta edição do Mexefest já está confirmada.

Parece elementar. Este Watson canadiano conhece todos os segredos de como continuar a encantar, mesmo perante um público que provavelmente já se cruzou com ele nalguma sala de espetáculos portuguesa, ou num festival. O regresso a Portugal fez-se agora a pretexto das novas canções que nunca por cá escutámos ao vivo. Aparentemente desiludido com este mundo dominado pela tecnologia, Patrick Watson lançou em maio Love Songs for Robots e fez dele a sua aposta de sábado à noite em Lisboa, acompanhado por cinco músicos e iluminado por nove candeeiros que nos lembravam a nossa dependência da tecnologia.

Sentado ao piano, silhueta envolta em fumo, foi precisamente com a canção que dá nome ao disco que decidiu começar mais de hora e meia de concerto. O choro alto da slide guitar denunciou a chegada de “Good Morning Mr. Wolf” e o falsete que é sua imagem de marca ouviu-se em todo o seu esplendor em “Hearts”. Por falar em corações, foram vários os “I love you” gritados por vozes femininas na direção de Patrick Watson. Na resposta ele lá se ia rindo, o que aliás foi uma constante. Pode até estar desiludido com o mundo dominado pela tecnologia, mas não se notou qualquer outro sentimento que não fosse alegria em cima daquele palco, ou do balcão para onde se esgueirou em tempo recorde, e de surpresa, no primeiro encore.

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Patrick Watson. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Mas já lá vamos. Antes ainda se ouviu “Bollywood”, que, apesar do nome, começa em tom smooth e nunca sequer chega perto do imaginário bollywoodiano. A primeira vez que interromperam o ciclo de novas músicas foi com a beleza frágil de “Man Like You”. Viajamos no tempo, até Wooden Arms, de 2009, numa versão que começa a capella e à qual se foram juntando elementos, a começar pelo dedilhar da guitarra acústica. A certa altura os seis músicos estavam todos juntos em redor do microfone, quais trovadores. Assim continuaram a recordar o passado, ouvindo-se “Into Giants”, do quarto disco de originais, de 2012, aqui com direito a megafone. O passeio por Adventures in your Own Backyard continuou com a canção que deu nome ao álbum de 2012. Os seis despediram-se do palco já em 2015, depois de terem partilhado com uma audiência em êxtase “Places You Will Go” e “Turn Into The Noise”.

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Que eles iam voltar, era uma certeza. Só não regressaram ao palco: preferiram subir até ao piso dos camarotes e, de megafone na mão, Patrick Watson recuperou “Man Under The See”, de 2006, e parecia um maestro a organizar o público do Coliseu para que cantem com ele ou batam com os pés no chão. Coisa que o público fez prontamente. Depois de “Lighthouse” e “Lucious Life” ainda houve tempo para um segundo encore. No regresso, o canadiano trouxe um presente para o público, “To Build a Home”, que gravou com a Cinematic Orchestra. Se ele um dia quiser construir um lar em Portugal, a julgar pelo público do Coliseu, arriscamos dizer que será muito bem recebido pela vizinhança.

De África para o estranho mundo de Peaches e Ariel Pink

De repente, as luzes apagaram-se. Um por um, subiram ao palco João Branco Kyron, João Paulo Daniel, João Moreira, Rita Vian, Sergue e António Watts, a pequena multidão que compõe os Beautify Junkyards. Com a Igreja de S. Luís dos Franceses ainda a meio-gás, às 20h10 começaram a soar os primeiros acordes de The Beast shouted Love, o álbum de estreia, editado em maio.

Ao fim das duas primeiras músicas, João Branco Kyron escondeu-se atrás de um sintetizador e cedeu o lugar a Rita Vian. Para trás ficaram as batidas mais eletrónicas e psicadélicas, e a guitarra pôde ressoar em pleno. “Hoje acordei doente, por isso já é um alívio conseguir cantar.” E se conseguiu. Em “Pés na Areia na Terra do Sol”, a vocalista deu o melhor de si. Seguiram-se mais temas novos, como “Rainbow Garland”, “a minha favorita”. Em “Rose Hip November”, recordaram-se as primeiras incursões da banda, as influências do folk dos anos 60 e 70 a história de Vashti Bunyan, a cantora que decidiu percorrer Inglaterra com um cavalo e uma carroça.

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Beautify Junkyards. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Ainda os Beautify Junkyards estavam a tocar os últimos acordes e já os Flamingos inauguravam o palco da Garagem EPAL. Apesar da sala composta, a banda de Luís Gravito e João Sarnadas não entusiasmou, e acabou por servir apenas de pano de fundo para uma boa conversa — com muita cerveja à mistura, claro. Nem quando Gravito anunciou a subida ao palco de Rafael Silva, um “amigo de há muitos anos”, para “tocar umas mais animaditas”, o panorama mudou na sala Super Bock.

Quando entrarmos no edifício da Sociedade de Geografia de Lisboa, às 21h00, a estátua de Pedro Álvares Cabral dá-nos as boas-vindas e convida-nos a descobrir o Brasil. E nós fomos, em direção a Castello Branco. Desde que lançou o belo Serviço de 2013, álbum de estreia, o carioca já passou por Portugal (vai dar aliás mais concertos por cá em dezembro, em Vila Real e Porto). No Mexefest deveria ter-se feito acompanhar com banda, mas acabou por ter só um guitarrista. O que Castello Branco teve foi uma sala cheia à espera da sua chegada, sempre em absoluto silêncio enquanto ele, ora dedilhava calmamente a guitarra acústica, ora cantava de olhos fechados.

As únicas vezes que o público fez barulho foram para se rir das coisas que o carioca dizia. Entre o distraído e o divertido, lá ia justificando que deveria ter a seu lado dois músicos, mas um deles partiu o braço e então à última da hora não vieram (?). Também promoveu a sua página de Facebook e Instagram, já que o seu site tinha sido encerrado por uma série de confusões com o cartão de crédito do pai. E, sim, ele sabe que existe outro Castelo Branco em Portugal. E não é o escritor Camilo Castelo Branco. “Me explicaram a figura e eu até queria marcar um encontro para nos conhecermos, mas me disseram que eu não me iria dar nada bem com ele. Mas eu amo gente louca!”, disse, referindo-se a José Castelo-Branco. Não há como não ficar desarmado perante esta figura humilde e algo aluada. Foi um ótimo concerto que terá angariado novos fãs para o brasileiro.

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Castello Branco. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Neste segundo dia, não faltou música boa no Cinema São Jorge. A noite começou com os Best Youth, às 21h10, a provocarem uma verdadeira enchente na Sala Manoel de Oliveira, do São Jorge. O carisma e a forte presença em palco de Kate não deixaram ninguém indiferente. Cada música, cada salva de palmas ensurdecedora. E não faltaram ovações de pé. A fazer falta ficou apenas espaço para dançar, o que fez com que os presentes se tivessem de limitar a bater o pé.

Às 21h30, muitos começaram a abandonar a sala, provavelmente para assegurarem um lugar em Ariel Pink, um dos cabeças de cartaz deste segundo dia. O concerto de Pink, no Coliseu dos Recreios, foi uma montanha russa. Houve pop clássico, batidas de syth-pop, guitarras arranhadas, acordes pesados, berros histéricos e até o coaxar de uma rã. A maioria saiu desgostosa, sem saber como reagir à extravagância do californiano. Ainda assim, o estranho mundo de Ariel Pink conseguiu a proeza de prender grande parte do público durante mais de metade do concerto. A verdade é que, quer se goste ou não, Ariel Pink é assim mesmo – igual a si mesmo, imprevisível.

Às 22h30, com um ligeiro atraso, os barcelenses Glockenwise chegaram ao palco para inaugurar o primeiro momento rock da noite do Ateneu Comercial. E entraram logo a mostrar Heat, terceiro álbum lançado recentemente pela Lovers & Lollypops, com mais peso e robustez (só nos custa escrever “maturidade” porque quando olhámos para o rosto de Nuno Rodrigues, voz e guitarra solo do quarteto, lembrámo-nos que eles ainda são muito jovens).

O que custa também é não poder ouvir toda a riqueza instrumental das novas canções como deveríamos. No primeiro dia, durante a atuação de Demob Happy, já tinha sido notória a falta de qualidade do som na sala e desta vez foi igual. Perceber o que diz e canta Nuno Rodrigues torna-se numa tarefa hercúlea. O palco Tanque fica na parte superior do edifício, mas quem canta ali é que parece estar a fazê-lo dentro de uma piscina, submerso. Ainda assim, conseguimos entender que os quatro não podiam imaginar, há cinco anos, que iriam ter tanta gente a vê-los, banda portuguesa, num festival como o Mexefest. Na primeira fila, atentos, estavam os colegas The Sunflowers.

A piscina do Ateneu Comercial de Lisboa, que se transformou em “Tanque” por dois dias, foi um dos lugares mais concorridos da edição deste ano do Vodafone Mexefest. Os concertos começaram às 17h com Mary B, mas foi só à noite que o ambiente aqueceu verdadeiramente. Às 22h, a sala encheu-se para receber Da Chick. Com uma energia de fazer inveja, e um cocktail musical feito de funk da velha guarda, soul e disco, Da Chick deixou a sala caída a seus pés. “Opá, a sério, não tenho palavras”, disse depois de ter perdido as contas às salvas de palmas.

Já passavam dez minutos da hora e nem sinal de Peaches. O público, impaciente, começou a assobiar, mas calou-se assim que viu a sombra de Merril Nisker sobre a mesa de dj. Sem banda para a acompanhar, a canadiana foi cantora, Dj, bailarina e, acima de tudo, entertainer. Foi Peaches, o animal de palco.

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Peaches. HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Com um fato dourado, vestida para matar, Peaches mostrou de que material é feita. No palco “Tanque”, deixou uma multidão rendida com músicas como “Boys Wanna Be Her” ou a mítica “Fuck the Pain Away”. Dançou em cima da mesa de mistura, cantou enquanto fazia a espargata e trepou para cima de uma coluna ao som da explosiva “Talk To Me”. Em “Vaginoplasty”, tema do novo RUB, anunciou: “Isto é sobre a vossa grande vagina” e em “Mommy Complex” fez-se acompanhar de duas bonecas insufláveis de bigode. Uma em cada mão. Se Peaches tem 47 anos, ninguém pareceu notar.

Para “Close Up”, tema de abertura do último álbum, voltou a chamar ao palco a portuguesa Da Chick, para fazer o lugar de Kim Gordon. Depois de uma rápida troca de guarda-roupa (em palco), e de ter colocado uma vagina gigante e brilhante ao pescoço, fez a habitual caminhada sobre o público, enquanto cantava “I Feel Cream”. De pé, em cima de dezenas de mãos que a segurava, gritou “Eu adoro-vos!”, deixando-se cair sobre a multidão.

Sem tempo para descansar, seguiram-se os temas “How Do You Like My Cut”, “Dick In the Air” e um banho de champanhe. Com um copo na mão, brindou aos presentes que, durante hora e meia, não conseguiram parar de dançar. Em jeito de despedida, limpou uma toalha ao rabo e atirou-a a quem a quisesse apanhar. Pegou num troley gigante, numa garrafa e despediu-se, desaparecendo atrás do palco.

Às 23h15 no Cinema São Jorge estava Petite Noir, sul-africano nascido na Bélgica que em 2012 já fez parte do cartaz do festival, mas num palco bem mais pequeno e com muito, muito menos público. Hoje, chega-nos com um álbum lançado, La Vie Est Belle / Life Is Beautiful, mais estatuto e mais fãs, pois claro. Ao centro, vestido de negro, tinha à sua volta três músicos todos vestidos de branco, numa disposição que, tendo em conta que estávamos num cinema, fazia lembrar “A Guerra das Estrelas”, com os stormtroopers de volta do líder, Darth Vader.

Uma boa parte do São Jorge preferiu arrumar as cadeiras e ver o concerto de pé, tal era o ambiente de festa. Para Petite Noire, a vida parece realmente bela. “Libertem-se!”, pediu. Queria que todos nos levantássemos e mexêssemos o corpo ao som de ritmos difíceis de encaixar num género. O que resulta do cruzamento entre new wave dos anos 80 e afrobeat? É Petite Noire, mas é isso e muito mais, como se pôde escutar, por exemplo, em “MDR”, “Come Inside” ou “Down”, esta com as palmas do público a marcarem o compasso. A vida foi bela naquela sala.

O quinto Vodafone Mexefest terminou com mais uma edição esgotada e a prova de que a fórmula resulta muito bem na cidade, ainda que seja necessário fazer muita ginástica entre palcos. Em 2016 há mais e, de acordo com Luís Montez, responsável pela Música no Coração, que organiza o evento, o conceito poderá sofrer extensões. Estaria a referir-se à inclusão dos quiosques da Avenida da Liberdade na programação? Será que os concertos vão estender-se a mais alguma zona da cidade? Só nos resta aguardar.