Está de pé, à frente do banco de suplentes, olhos postos no relvado a ver o que a equipa faz. O que vê é um, dois, três e dezenas de passes feitos para o lado. Toma, devolve, agora para ti, depois para o outro e a música não muda. A bola só rola para a esquerda ou direita, quase nunca para a frente. É meio caminho andado para tirar o treinador do sério e dar-lhe um cabelo branco novo. A jogar assim, com tanta bola a ser passada para os lados, só falta o adversário agradecer e esboçar um sorriso — “olha, está a resultar”. Assim, quem defende está tranquilo porque, mesmo não tendo a bola, tem-na sempre à vista e à sua frente e sabe sempre onde ela anda. E por isso é que, neste cenário, Rui Vitória vai ganhando um cabelo branco na cabeça e uma certa rouquidão na voz.

O treinador não gosta do que vê. Gesticula, dispara uns gritos, pede a uns para fazerem umas coisas e a alguns para deixarem de fazer outras. Terá pedido a Jonas para sair da área, mexer-se mais, tentar o que tantas vezes lhe resulta e recuar uns metros para pedir que lhe passem a bola para o pé. Terá dito a Fejsa que não há mal em tentar arriscar um passe para a frente. E terá lembrado a Gaitán e Pizzi que de nada serve estarem abertos em cima das linhas, para esticar as atenções dos adversários, se pelo meio não há vivalma a mexer-se para aproveitar os metros que se abram entre os jogadores da outra equipa. Mas isto só entra nos ouvidos dos encarnados lá para os 25 minutos.

Antes, os estudantes têm o que pretendem. Defendem todos atrás da bola, antes da linha do meio campo, e nem quando o Benfica gasta segundos a fazer passes para o lado a Académica avança no campo. Vê-se que a prioridade é manter os médios perto de os defesas, não dar espaço na sua metade do campo e aproveitar as bolas recuperadas para por Ivanildo, na direita, a correr para a baliza. Todas as partes menos a última resultam até Jonas ser o primeiro a obedecer a Rui Vitória. Aos 24’ pira-se da área para pentear a bola e tabelar com Pizzi, para o médio entrar na área por ele e rematar e Pedro Trigueira defender. Três minutos depois, vai à linha do meio campo começar um contra-ataque com Mitroglou e acabá-lo na área, derrubado por Iago Santos.

Jonas solta-se enquanto Gaitán e Pizzi se despedem das linhas para abrirem espaço às corridas de Eliseu e André Almeida. Os estudantes ganham preocupações e Rui Vitória perde-as, porque vê a equipa a mexer-se e jogadores a aparecerem para que se arrisquem os passes para a frente. E risco foi o que Jonas desencanta do pé esquerdo, quando se afasta uns 20 metros da área, recebe a bola, baila para se livrar do adversário e rasga a defesa com um passe que pede a Gaitán para sprintar. O argentino não chega à bola, mas quando está perto aparece Pedro Trigueira a placá-lo como se o jogo fosse râguebi e o capitão encarnado estivesse prestes a marcar ensaio. É penálti, é para Jonas, é para o 1-0.

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Benfica's Brazilian forward Jonas (L) vies with Academica Coimbra's Brazilian defender Iago Santos during the Portuguese league football match SL Benfica vs Ass Academica de Coimbra at the Luz stadium in Lisbon on December 4, 2015. AFP PHOTO/ FRANCISCO LEONG / AFP / FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Foto: FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images

O Benfica não para de crescer a partir do momento em que vê Jonas a vestir a bata. A de farmacêutico, que um dia terá após retomar o curso em que esteve durante dois anos, no Brasil, antes de virar jogador da bola, aos 20. Na idade em que o avançado ainda estudava remédios e medicamentos, já Renato Sanches anda na Luz a fazer tudo o que Fejsa não faz. À primeira vez que é titular na Luz, o médio dos 18 anos mexe-se muito e arrisca nas corridas com a bola no pé. Dá boleia à bola quando não vê passes suficientes e dá ao Benfica uma locomotiva para ultrapassar adversários, pelo centro, como o clube não tinha desde Enzo Pérez. E se os encarnados aumentam o ritmo na segunda parte é muito por culpa do miúdo das tranças no cabelo.

Ele vai atrás, pede a bola, passa-a e vai buscá-la a seguir. Bate com força na bola no passe curto e no longo, dá-a tensa a quem a vai receber. Parece pesado, mas embala tão rápido quanto corre com a bola dominada no pé. Gaitán e Jonas inventam toques de calcanhar e jogadas ao primeiro toque perto da área da Académica, É nele que o Benfica segue atrelado quando os estudantes crescem, e muito, no arranque da segunda parte. Fernando Alexandre cruza a linha do meio e Leandro, o médio com mais ideias, começa a ter mais passes a passarem por si. A Académica mal remata à baliza, mas divide muito a bola o Benfica. Apertam os adversários e fazem com que Renato Sanchez queira aparecer.

E aparece muito mais a partir dos 70’, quando Gaitán cruza a bola para a área e Ofori lhe mete a mão para não a deixar chegar a Mitroglou. O penálti é de novo para Jonas, que bate a bola para o mesmo lado e receita o mesmo medicamento que Pedro Trigueira volta a não tomar. O 2-0, e o décimo golo no campeonato para o brasileiro, acalma os encarnados e, lá está, dá confiança ao miúdo. Antes e depois, Gonçalo Paciência guarda a bola e desencanta dois cruzamentos rasteiros para a área que assustam Júlio César e mostram que os estudantes arriscaram pouco e tarde demais. Porque estava a Académica a tentar reagir ao segundo remédio tirado da prateleira por Jonas e Renato Sanches a passar-lhe uma receita nova: o miúdo pediu a bola a meio da metade do campo dos de Coimbra, virou-se para a baliza e cá vai disto. Rematou a uns 30 metros e a bola passou a ser um míssil, trajetória crescente, até entrar perto do ângulo superior da baliza da Académica. Alimentar a confiança dá nisto, num golaço para não mais esquecer a estreia a titular na Luz.

Ainda sobram cinco minutos no relógio, mas o jogo acaba ali, fossem quantas fossem as fintas que Carcela-González tinha por fazer. Rui Vitória é fácil na analogia e vê no golaço do miúdo a “cereja no topo do bolo”. Percebe-se, quando de um pé direito sai um remate que se torna um íman das memórias do jogo e marca um golo espetacular o suficiente para, daqui a uns tempos, a gente se lembrar apenas da estreia de Renato Sanches na Luz — não no 3-0 com que o Benfica ganhou à Académica e ficou a três pontos do FC Porto e a cinco do Sporting. Foi esta a receita que o miúdo passou às recordações de quem viu o que ele andou a fazer.