— Bom dia! Tirem o manual e o telemóvel para fora e arrumem as mochilas no baú.

Sim, leu bem, o telemóvel. E quem está a ordená-lo é o próprio professor de físico-química, Carlos Cunha, mal os 11 alunos da turma do 8.º C da Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, entram, de rompante, pela Sala de Aula do Futuro. Eles não estranham. Nesta sala as regras são um pouco diferentes e já todos sabem disso.

— Dou-vos 10 minutos para lerem da página 95 à página 105. Depois vamos fazer um ‘kahoot‘ que vai contar para a nota. Não precisam de estar aí sentados, só precisam de estar concentrados.

Automaticamente três alunos correm do mini-anfiteatro para os puffs. O professor sai da sala por uns minutos e ficam todos de olhos postos nos livros. “Eh pá, eu sei isto tudo. Sou uma máquina!”, atira um deles de um canto da sala. E provavelmente até saberá. É a terceira vez que está a repetir o 8.º ano, viria mais tarde a revelá-lo, com alguma vergonha misturada com arrependimento.

Três ou quatro minutos mais tarde o professor está de volta. “Vá lá, mais uma voltinha nas páginas, não se esqueçam dos pormenores. Há números muito importantes”, avisa o docente, imediatamente antes de dar ordem para se sentarem todos no mesmo espaço da sala, com telemóveis ou tablets nas mãos e o log in feito.

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Começa o jogo. Perdão, o teste. Primeira pergunta: a frequência de um som é o número de vibrações por segundo. Verdadeiro ou Falso?

“Eu vi isto no Odisseia!”, exclama um dos alunos, num tom entusiasmado. “Yes! Acertei”, grita outro.

As perguntas vão-se sucedendo, uma a uma, até à 10.ª, e as respostas podem ser dadas em 20 segundos, sendo que ganha quem acertar mais respostas no menor tempo. Entre risos e brincadeiras, os 11 alunos vão respondendo e competindo para ver quem fica em primeiro lugar. “Meta mais uma [pergunta] stôr. Estou em último!”, pede um dos alunos, ao ver no quadro os pontos que já alcançou.

Esta prova sobre o som é o culminar de duas aulas, nas últimas duas semanas, com duas histórias de aprendizagem diferentes – ‘O que é o som?’ e ‘No espaço não há som’ – em que os 21 alunos desta turma, divididos em dois turnos, procuraram as respostas às perguntas que o professor lhes lançou.

Veja o que isto representa. São conhecimentos que eles aprenderam autonomamente e, neste turno, todos tiveram positiva. Isto é excelente”, reagiu o professor, perante os resultados deste turno, melhores do que os do turno anterior.

Com o “kahoot”, Carlos Cunha diz ficar com um “retrato da turma”. Normalmente utiliza-o com caráter formativo, no final de cada aula, mesmo nas aulas tradicionais de físico-química, mas desta vez decidiu que o mesmo contaria para a nota e até ao final do segundo período fará mais quatro destes testes. “Sinto que o ‘kahoot’ aumenta a atenção na aula. Eles querem ganhar”, explica.

10 fotos

E este tipo de avaliação é apenas uma das inovações desta sala de aula. Com cinco espaços de aprendizagem diferentes – investigar, desenvolver, colaborar, criar e apresentar -, delimitados por cores, a sala está repleta de tecnologias que permitem aos alunos pesquisar informação autonomamente e trabalhá-la, colaborando uns com os outros, até chegarem a uma apresentação final sobre o tema.

Os turnos são divididos em cinco grupos e na apresentação final falam cinco alunos (um de cada grupo que esteve distribuído por um espaço de aprendizagem diferente ao longo da aula e que participou em níveis diferentes do processo de aprendizagem).

Não se consegue imaginar esta turma em modelo de autocarro. Tem de se acabar com esta ideia de que nós, professores, somos bons e ensinamos sempre bem e que os alunos é que não aprendem. A metodologia tem de mudar. As aulas têm de deixar de ser expositivas”, defende o professor Carlos Cunha, que é também o coordenador desta sala.

E os alunos parecem concordar. Wilson, 17 anos, que logo no início da aula se tinha autointitulado de “máquina” por “saber tudo”, já devia estar no 11.º ano. “Não tenho grandes notas também por causa do comportamento”, admite, no final do teste, ao Observador. Mas sobre a sala do futuro só tem a dizer bem. “As aulas aqui são muito melhores, porque é mais descontraído e mais divertido. Aprendo mais porque estou mais atento. Isto é quase um jogo. Devia haver mais aulas aqui.”

Rafaela é outra das repetentes, desta que é a pior turma da escola. Com 16 anos diz-se “cansada de estar a aprender sempre a mesma matéria”. Mas nestas aulas a cena muda de figura. “Esta aula é interessante. Nas outras só ouvimos os professores e escrevemos. Aqui temos mais interação e mais motivação. Eu sinto que aprendo mais”, garante, lamentando, tal como Wilson, não haver mais vezes aulas naquela sala.

O problema é que as idas a esta sala funcionam numa lógica de voluntariado. E são poucos os professores que têm optado por dar aula neste modelo. “Isto implica sair da zona de conforto”, admitiu Carlos Cunha, logo acrescentando que a partir do próximo ano o caráter voluntário passará a obrigatório. Este ano, e sobretudo desde o início do segundo período, tem sido sobretudo esta turma a ter uma vez por semana, à sexta-feira, uma aula de 45 minutos neste espaço, por turnos.

Escola recebe distinção da Microsoft

A funcionar desde setembro de 2014, a Sala de Aula do Futuro da Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, foi a primeira a importar para Portugal um modelo de sala de aula criado em Bruxelas e tem ajudado a criar outras no país. A ideia, explica Carlos Cunha, “é dar sentido à aprendizagem e aplicar os conhecimentos” e há ainda uma preocupação muito grande com as “soft skills”, como sejam a comunicação, a investigação e a argumentação.

Para montar esta sala, a escola apenas teve de investir em pintura, chão e segurança (grades nas janelas), num total de cerca de 2.500 euros. Tudo o resto — e o resto é muito — foi conseguido com o apoio de vários parceiros. E Carlos Cunha lembra ainda que existem projetos como o EMA, da Gulbenkian, aos quais se pode concorrer para conseguir verbas para este tipo de iniciativas. As próprias autarquias, através de projetos de POPH (programa Operacional de Potencial Humano), também têm apoiado as escolas. “Só é preciso ter vontade”, afirmou o coordenador desta sala de aula.

Este projeto valeu a esta escola de Setúbal, e ao seu coordenador, uma distinção por parte da Microsoft. Carlos Cunha é um dos 57 professores portugueses, entre os 3.700 a nível mundial, que fazem parte da lista Microsoft Innovative Educator Experts. E a Escola Secundária Dom Manuel Martins é uma das duas escolas portuguesas que recebeu a distinção de “associate showcase schools”. A estas juntam-se mais sete escolas portuguesas consideradas “showcase schools”, “pela forma como introduzem as mais recentes tecnologias em contexto de sala de aula e as transformaram em espaços dinâmicos e criativos, que estimulam o envolvimento dos alunos e contribuem para o seu desempenho escolar”, escreveu, em comunicado, a Microsoft.

Yammer. A rede social que junta professores e alunos nas escolas do Freixo

O Agrupamento de Escolas do Freixo, em Ponte de Lima, foi outro dos agrupamentos de escolas públicas que mereceu a distinção da Microsoft. Desde 2012 que este agrupamento tem vindo a adotar soluções digitais e a integrar novas tecnologias quer nas aulas, quer na parte das questões administrativas.

Neste agrupamento, por exemplo, professores e alunos de algumas turmas do 5.º até ao 9.º ano comunicam através de uma rede social privada – o Yammer. Nessa plataforma, o docente pode colocar vídeos, lançar debates, desafios e responder a dúvidas, assim como colocar a correção dos testes. E os encarregados de educação podem também aceder a esta ferramenta e aproveitar para consultar o material de apoio que os professores lá colocam, que lhes permite depois ajudar os filhos nos trabalhos de casa ou a estudar.

“Isto implica dedicação dos professores e tempo. Mas aqueles que estão a utilizar o Yammer acabam por poupar tempo da aula”, garante o diretor do agrupamento, Luís Fernandes.

escola do freixo

Alunos do 3.º e do 4.º anos, durante uma atividade numa aula de programação

Além disso, os alunos do 3.º e 4.º anos têm aulas de programação, onde “percebem que a programação é uma linguagem matemática”, e os do 7.º e 8.º têm, como oferta de escola, aula de mecanismos e robótica. O agrupamento tem ainda disponíveis, para utilização por parte dos alunos que os requisitarem, perto de 100 tablets.

Em Vila Nova de Cerveira há uma “sala de aula invertida”

Também no Agrupamento de Escolas de Vila Nova de Cerveira os alunos do 1.º ciclo têm aulas de iniciação à programação, com recurso aos antigos Magalhães, e há um clube de robótica que já conquistou prémios do Ministério da Educação. Este ano, por exemplo, os alunos estão a trabalhar na criação de uma app para consultar a ementa escolar através de tablets.

Mas a inovação não se fica por aí. O agrupamento conseguiu uma parceria com a Caixa Agrícola que permitiu comprar 30 tablets, que são usados na “sala de aula invertida”, um projeto-piloto que arrancou no ano letivo 2014/2015 e que está a ser posto em prática com uma turma do 3.º ano e sobretudo na disciplina de estudo do meio. Os alunos usam o tablet para levar os trabalhos para casa, para estudar e aprender. Na aula dedicam-se à prática, fazem exercícios, aprofundam conhecimentos.

Já no ensino secundário, mais precisamente no 11.º ano, nas disciplinas de geografia e biologia/geologia, professores e alunos dão uso ao OneNote, onde os docentes criam ficheiros específicos que os alunos vão preenchendo e que depois o mesmo professor corrige. Esta mesma ferramenta é usada a nível interno e administrativo, entre professores, para partilhar documentos de trabalho, projetos, atas, entre outros.

Não podemos pensar que a escola é inovadora só por si. As práticas é que têm de ser assimiladas como inovadoras. E o objetivo é começar com pequenos passos, pequenas etapas, para chegar a um ensino inovador e responder às competências do século XXI. Mudar radicalmente não é fácil”, afirma Venceslau Teixeira, diretor do Agrupamento de Escolas de Vila Nova de Cerveira.

No colégio “O Parque” os alunos fazem entrevistas via skype logo desde a primária

Mas há quem dê passos grandes. No colégio O Parque “a tecnologia está totalmente mergulhada no currículo a partir do 1.º ano”, garante ao Observador a diretora geral Bárbara Beck. E não só os alunos têm aulas de iniciação à programação, como dão uso a aplicações e outras ferramentas tecnológicas durante as aulas.

Ainda há pouco tempo os alunos do 4.º ano “entrevistaram um astronauta da NASA para perceber como funciona o espaço”, exemplifica Bárbara Beck.

Isto só foi possível porque “os alunos d’O Parque têm a vantagem de ser bilingues” logo desde o jardim-de-infância, sublinha Bárbara Beck. E também porque todos podem ter um iPad, que os pais compram quando inscrevem as crianças neste colégio privado.

Mas a inovação não se fica por aqui. “O que nos diferencia muito é o método de ensino, com aulas não expositivas. Os alunos são levados a descobrir as respostas”, explica, dando como exemplo o estudo do corpo humano, no 3.º ano. “O professor pergunta o que sabem sobre o corpo humano e eles fazem um desenho. Depois pergunta o que eles gostavam de saber mais sobre aquilo e divide-os em áreas de interesse e de seguida eles fazem um plano de trabalho e constroem a própria sebenta para estudar para o teste”, detalha Bárbara Beck.

No final, estes alunos “apresentam o que aprenderam aos colegas e todos juntos apresentam aos pais o que aprenderam”. “Eles sabem comunicar desde o 1.º ano.”

Colégio O Parque

Órgãos feitos na impressora 3D para os projetos do corpo humano do 3.º Ano, no colégio O Parque

Já para os alunos do 5.º e do 6.º anos à sexta-feira à tarde é hora da “Big Idea”. Os professores lançam desafios e os alunos organizam-se em grupos para responder ao desafio. Têm três a quatro aulas (equivalente a três ou quatro semanas) para apresentar a conclusão em barro, cartolina ou outro material.

“A ideia é prepará-los para as competências que eles precisam de ter e os alunos sentem-se muito mais motivados”, garante Bárbara Beck.

E se neste colégio a introdução de inovação e de uma série de instrumentos que permitem modernizar o ensino é possível graças ao financiamento direto dos pais, nas escolas públicas — com orçamentos apertados — também é possível fazer diferente e inovar. Como se viu pelos exemplos acima relatados há apoios das autarquias, de fundos comunitários e até parcerias que podem ser estabelecidas com empresas tecnológicas. O essencial é haver vontade. Vontade e dedicação de professores e diretores para apostarem na mudança.

O diretor Luís Fernandes, do Agrupamento de Escolas do Freixo, não tem dúvidas que “a escola tem que estar à frente do que se passa na sociedade, tem que antecipar o futuro”. “Temos que estar muito atentos ao que se passa no mundo.”