Composure. Muito usam os ingleses esta palavra quando é hora de falar de bola. O mais fácil seria ir ao dicionário, procurar a palavra e passar os olhos no significado, mas não. Composure não é só ter calma. É um termo que quem fala inglês e vê futebol utiliza muito nas alturas em que fala sobre um avançado. Quando o vê a não stressar com uma situação que o deixa com bola nos pés e com a baliza à frente, com oportunidade para inventar um golo. Ter composure é ter algumas coisas, é ter calma, sangue frio, discernimento para saber qual a melhor decisão a tomar e a postura de quem sabe perfeitamente que a está a tomar. O problema é quando isto demora a notar-se.

E demorou uns 23 minutos. Até aí ninguém parecia ter ideia do que significava aquela palavra inglesa. Os jogadores do Belenenses, habituados desde dezembro a um treinador que lhes diz que apenas se consegue ter ordem no jogo através da bola, nunca a conseguiram ter. Eram roubados antes da linha do meio campo, erravam muitos passes, levantavam-na para o ar e fartavam-se de a atrasar para Hugo Ventura. Não tinham calma, discernimento e conforto com a bola, nem tomavam as decisões corretas. Nenhum inglês iria buscar a palavra composure para falar na forma como a equipa de Júlio Velázquéz tentava (e falhava) sair a jogar.

Não o conseguia fazer como deve ser porque o Sporting defendia como se deve defender contra equipas que querem jogar de peito feito contra os grandes. Os leões pressionaram lá em cima, foram à boleia de um Slimani a correr como um louco e empurraram William e Adrien para a frente. Os cercos aos adversários montavam-se à entrada da área e era quase sempre aí que a equipa recuperou dezenas de bolas até ao intervalo.

Só que depois faltava a tal palavra inglesa. Faltou quando Téo Gutiérrez, a dois metros da baliza, ajeitou o pé direito de uma maneira que o fez dar uma rosca à bola que Bryan Ruiz cruzou para a área. Mas quase apareceu três minutos depois, quando William tabelou com o calcanhar do argelino, fintou um defesa, deitou Ventura e não marcou numa baliza aberta porque lhe escorregou o pé de apoio quando ia a rematar. Aos 13’ e aos 16’ o Sporting falhava golos fáceis antes de Islam Slimani marcar um que até parecia difícil. Bola recuperada perto da área, passe picado de Adrien para as costas da defesa e um golo a três toques: um para matar a bola na área, outro para a travar com o pé esquerdo e fintar sem finta Gonçalo Silva, o último para rematar a bola, em jeito e rasteira, para golo. Composure, numa jogada.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Contavam-se 23 minutos e como o futebol ainda é um desporto em que ganha quem marcar mais golos, o jogo resume-se à boleia das bolas que entraram nas balizas. Foram mais seis e quatro tocaram nas redes do Belenenses, que foi provando o porquê de ter a pior defesa do campeonato. Por erros e infantilidades, como a entrada à queima e o agarrar de camisola que Tiago Almeida teve com Bryan Ruiz, na área (32’). Penálti, Slimani, 2-0 para os leões e 22.º golo do argelino, que assim ficou a oito dos 30 que leva Jonas, do Benfica. O Belenenses nem cinco segundos passava com a bola e só Carlos Martins conseguiu ter a bola perto da área leonina. Rematou-a com força e assustou Rui Patrício, aos 42’.

Sporting's Algerian forward Islam Slimani prepares to kick a penalty and score his second goal during the Portuguese league football match FC Belenenses vs Sporting CP at the Belem stadium in Lisbon on April 4, 2016. / AFP / JOSE MANUEL RIBEIRO (Photo credit should read JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images)

Foto: JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images

De resto, pouco lhe tocou, ainda menos na segunda parte, em que o 3-5-2 que Júlio Velázquez experimentou só piorou as coisas a defender. Ruben Pinto, que começara a trinco, passou a jogar tão pouco sem bola como jogara com ela e nem se notava a terceiro central. Mas notou-se que não estava à entrada da área quando Gonçalo Brandão intercetou um cruzamento para a entrada da área (54’), onde Adrien teve tempo, espaço e calma para misturar força e jeito no primeiro golaço da partida. Passaram-se quatro minutos até o capitão bater um livre para a área e dois ressaltos deixarem a bola em Téo, que estava fora-de-jogo mas não houve apito que o impedisse de marcar o quarto golo.

Depois os leões abrandaram, a linha da defesa deixou de andar tão colada aos médios e as bolas ou passes que William não roubava (foram poucos) deram espaço ao Belenenses. A equipa melhorou e antes de marcar a sério fez um golo que pareceu, mas não valeu — Ricardo Dias chocou com Rui Patrício, que largou a bola para dentro da baliza. Marjo Bakic, num livre em que Tiago Silva cruzou a bola ao primeiro poste, saltou para a desviar para a baliza. Jesus diria no final que não gostou nada deste golo e gostaria ainda menos de outro, o que o próprio Tiago Silva marcou à entrada da área. Onde não estava William porque andava a pressionar perto da outra área e deu espaço para o pequeno médio disparar a bola que Rúben Semedo cortou para os seus pés.

Antes deste golaço houve o quinto golo do Sporting, marcado por Téo Gutiérrez depois de Mané ziguezaguear por entre dois adversários à esquerda da área. A vitória por 2-5 manteve nos dois pontos a distância para o Benfica e aumenta para sete a vantagem sobre o FC Porto. Foi a segunda jornada seguida em que o colombiano bisou e a primeira vez (desde 1956) que os leões marcavam cinco golos no Estádio do Restelo. O que já aconteceu algumas vezes é a forma como o Belenenses é traído pela própria forma de jogar, porque, mesmo sendo o desporto das surpresas que cativam milhões de pessoas, o futebol ainda é um desporto em que, muitas vezes, ganha quem tem melhores jogadores. Ou quem tem mais composure.