O Governo admite que há “informação relevante” a apurar sobre portugueses contida nos Panama Papers e garante que vai “usar todos os mecanismos legais” no sentido de tributar os rendimentos dos portugueses que venham a ser apanhados na rede da investigação jornalística, anunciou esta tarde no Parlamento o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade. A ideia é ir mesmo “até às últimas consequências”. Segundo o governante, a tentativa de obtenção dessa informação será feita através da Autoridade Tributária, que, diz, tem “meios legais suficientes” para o fazer.

“Não só tentaremos obter toda a informação relevante, como serão utilizados todos os mecanismos legais no sentido de serem tributados aqueles rendimentos e aqueles patrimónios que devam imposto em Portugal e cuja ocultação agora se detete e que sejam levados as últimas consequências todas as omissões de deveres fiscais, nomeadamente deveres declarativos que sejam revelados através deste processo”, disse à margem de um debate de atualidade promovido pelo Bloco de Esquerda.

Deixando claro o “empenho do Governo” nesta matéria, Rocha Andrade afirmou que o Governo irá “utilizar todos os mecanismos legais para tributar os rendimentos e patrimónios caso se verifiquem omissões de deveres declarativos”. Isto porque, disse, pode haver “um conjunto de informações relevantes face a contribuintes portugueses nos chamados Panama Papers”. Segundo Rocha Andrade a Autoridade Tributária tem “meios legais suficientes” para agir neste sentido.

O governante falava no Parlamento à margem de um debate de atualidade sobre os Panama Papers promovido pelo Bloco de Esquerda, onde sublinhou ainda que o Governo estava em condições de dar entrada na Assembleia da República nas “próximas semanas” com propostas de lei para legislar o sistema de troca de informações entre os Estado, para ajudar à identificação dos beneficiários coletivos, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. A ideia é atacar o problema através da “cooperação internacional”.

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No entanto, o secretário de Estado relativizou o caso jornalístico. “Esta realidade não é nova, não descobrimos esta semana que há locais no mundo onde são ocultados patrimónios e rendimentos. É uma realidade que favorece a ocultação do crime económico, crime organizado, corrupção, e favorece o financiamento do terrorismo e a fuga aos impostos que obriga depois os Estados a sobrecarregarem com impostos mais elevados aqueles que não têm a possibilidade de pagar”, acrescentou ainda na sua intervenção.

Madeira, o “elefante na sala”

O debate, que abriu esta quarta-feira os trabalhos no plenário da Assembleia da República, era sobre os chamados “Panama Papers” – a investigação jornalística que divulgou a existência de bens em off-shores de 140 responsáveis políticos ou personalidades públicas, incluindo portugueses -, e vincou as diferenças entre os partidos sobre o tema. Se, por um lado, BE e PCP se mostraram totalmente contra a existência de off-shores, PS, PSD e CDS não chegaram a tanto e preferiram sublinhar a necessidade de resolver o problema através da “cooperação internacional” entre os Estados no sentido de combater a utilização que é feita dos off-shores para encobrir crimes económicos.

O debate, no entanto, acabou por se centrar nas divergências entre as bancadas sobre o off-shore da Madeira, com o CDS e o PSD a vincarem que a Madeira não deve ser posta “no mesmo saco” do que o paraíso fiscal do Panamá, por ser “um centro de negócios bem supervisionado pela OCDE, pela União Europeia e por várias instituições portuguesas”, segundo lembrou o PSD. Também o CDS, pela voz do deputado João Almeida, defendeu que o “centro de interesses da Madeira é bom para a atração de emprego e de investimento na região”, e que, “pôr a Madeira ao nível do Panamá é ignorância e um atentado ao interesse nacional”.

A questão da Madeira tinha sido levantada pela deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, que lhe tinha chamado “o elefante na sala”. “Portugal tem o seu próprio off-shore. A Madeira ficou conhecida internacionalmente como um paraíso especializado na manipulação da contabilidade de inúmeras empresas. É preciso separar de vez o que são incentivos legítimos e devidos a uma zona ultraperiférica daquilo que são instrumentos de benefício fiscal e legal absolutamente injustificados”, disse a bloquista durante a sua intervenção política, declarando que “os cidadãos da Madeira não podem ser reféns do seu off-shore”.

Em resposta às críticas das bancadas da direita, Mariana Mortágua subiu o tom para reiterar que “ninguém está a dizer que o off-shore da Madeira tem o mesmo tipo de características do Panamá”, mas “não deixa de ser um off-shore”. E avançou com um exemplo de má utilização, referindo-se a dois jogadores de futebol: “Xabi Alonso e Javier Mascherano, ambos criaram duas empresas na praça financeira da Madeira, pagaram 4% de IRC mas para isso eram obrigadas a criar um posto de trabalho – e criaram, criaram um posto a quem pagavam 70 euros por mês. Se isto é criar investimento, vou ali já volto”, disse.

O PS, no entanto, não acompanhou o registo dos parceiros da esquerda, falando mesmo em “pedidos inexequíveis”, numa referência ao pedido do BE, PCP e Verdes para acabar com o off-shore da Madeira. Perante os reptos da esquerda, o deputado socialista João Galamba não respondeu diretamente, optando antes por falar na necessidade de haver “penalização efetiva” das transferências para países não cooperantes no sentido da partilha da informação e um agravamento “na medida do possível” da taxação sobre essas transferências. “Não há maior crime contra a democracia do que a fuga aos impostos”, rematou Galamba, acrecsentando que o probelma deve ser resolvido com base na “cooperação multilateral”.