Durante dois dias, a música, as conversas, a gastronomia e várias expressões culturais, como as exposições e o cinema, têm lugar cativo no perímetro de Vila Adentro, em Faro. Para os concertos há cinco palcos — Muralhas, Sé, Museu, Castelo e Quintalão. No final de tarde desta sexta-feira, era o soundcheck dos Cais Sodré Funk Connection que animava o público, ainda que o concerto só acontecesse mais à noite. Na verdade, a música teria que esperar — antes havia outros protagonistas.

O início da noite no Festival F tinha marcado na agenda algumas tertúlias de diferentes áreas. Uma das conversas recebeu os colunistas do Observador, Rui Ramos e Paulo Ferreira, nos claustros da Sé. O tema dos populismos políticos foi esmiuçado pelos dois oradores: a identificação do fenómeno em várias partes do mundo e as razões pelas quais está em crescimento foram duas linhas que ambos procuraram refletir.

Nomes como Donald Trump e Marine Le Pen não poderiam fugir a uma simples referência, fosse ela política ou cultural – Rui Ramos considera que o candidato a presidente dos Estados Unidos da América “não é um político fácil de entender, já que recusa e condena as ideias do seu próprio partido”. Por outro lado, Paulo Ferreira procurou destacar o facto de as vagas de imigração (“facilmente usadas como arma de arremesso”) em Portugal nunca terem tido “representantes efetivos” de populismo.

De um salto da política para os livros, o trajeto levou-nos à tertúlia literária com Carlos Vaz Marques e Ricardo Araújo Pereira. Uma hora antes tinham confessado ao Observador, “não fazer ideia do que iam falar”. A professora de literatura, Ana Soares, guardava os temas, portanto não havia expectativa sobre o que iria acontecer. O que se viu rapidamente foi uma assistência cada vez maior, com boa parte das pessoas sentadas no chão para ouvir os dois oradores.

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Os aviões em direção ao aeroporto de Faro passavam, o sino da Sé tocava e Ricardo Araújo Pereira realçava “a variedade sonora do festival”. “Este é o das 20h15”, dizia. A juntar aos sons quotidianos, vinha um outro, o dos risos das dezenas de pessoas que permaneceram no Largo da Sé. “O que respondiam se uma criança de 11 anos vos perguntasse o que é a literatura?”, interrogou Ana Soares. Entre alguns soluços, piadas e pequenas paragens para pensar, uma ideia ficou: “Literatura é a possibilidade de viver muitas vidas”.

“Vamos jantar, que há muita música para ouvir”

Primeiro uma passagem pela zona de street food. Depois contavam-se os minutos para o início do concerto dos GNR no Palco Muralhas. O público não esconde as ideias: os adultos ganham sobre os mais jovens e isso nota-se, no momento em que um pai canta uma letra de cor aos ouvidos da filha adolescente. “É bonito”, haveria de dizer Rui Reininho.

No alinhamento apresentado não faltaram os clássicos como “Dunas” e “Inferno”, mas o público foi presenteado com uma surpresa. Rita Redshoes subiu ao palco e cantou com o vocalista o tema recente “Dançar Sós”. E claro, Rui Reininho – assim como em todo o concerto – não se inibiu de dar um passinho de dança, uma valsa curta, mas que mereceu palmas do espetadores.

Pouco depois era Ana Moura que ocupava o palco principal. Entrou com um vestido preto, a voz rouca sempre no ponto e pronta para mostrar que o fado não tem de ser tristonho. “Não sei se sabem, mas durante algum tempo o fado era dançado”, explicou. E assim entrou o ritmo, Ana Moura dançou e convidou a dançar. “Vá, dancem comigo”, disse.

A fadista também teve um convidado: Criolo, cantor e rapper brasileiro — que atuou mais tarde — foi chamado ao palco para cantar fado. Muitos estranharam o cantor e não o reconheceram. “Mas quem é ele?”, dizia um grupo de amigos. “Onde está a Ana?”, interrogavam-se. Já lado a lado, ambos mostraram que a cumplicidade nem sempre se descobre nas situações mais óbvias.

E se o Festival F tem a variedade da música portuguesa como destaque, fomos procurá-la. Encontrámos nova prova no Palco Quintalão, onde os Throes + The Shine se preparavam para a festa. O kuduro, o rock e a eletrónica provaram que podem ser bons amigos: a banda do Porto incendiou os ânimos com batidas, ritmos e muita dança. “Vamos fazer uma festa!”, diziam ao microfone. “Onde estão os meus guerreiros e as minhas guerreiras?”

Já no Palco Sé, muitos esperavam os Diabo na Cruz. Desde o início do concerto que todos acompanharam o vocalista, Jorge Cruz. Canções como “Mó de Cima” e “Saias” foram de todos, sem dono.

De volta ao Palco Muralhas, a Criolo e curiosamente (ou talvez não) à política. O artista que há pouco mais de uma hora experimentava cantar o fado mudava o disco para o hip hop com causas e preocupações:

A nossa juventude reúne-se e não quer mais participar em patifarias – como aquelas que acontecem de onde eu venho [Brasil]. A nossa juventude não quer aceitar o racismo, a homofobia e a xenofobia. A nossa juventude não suporta políticos corruptos”, disse.

O Festival F continua este sábado em Faro. O Observador volta a transmitir concertos em direto: a partir das 21h30 pode ver as atuações de Jimmy P, Pedro Abrunhosa e Richie Campbell. Também em direto pode assistir à tertúlia política do Observador: José Manuel Fernandes à conversa com Helena Garrido sobre o tema: “Portugal, a crise permanente”.