O efeito surpresa do anúncio pela OPEP de um corte nas quotas de produção teve curta duração. Depois de ter feito os preços do petróleo dispararem quase 6%, o alegado acordo entre os países do cartel começou a ser desmontado pelos analistas europeus, esta quinta-feira, e a tendência inverteu-se. Só no final de novembro haverá uma confirmação dos detalhes do plano — e, nestas matérias, o diabo está frequentemente nos detalhes. E vários especialistas têm dúvidas sobre se todos os membros irão cumprir. Porém, o que fica no ar é um primeiro passo no sentido da admissão, por parte da Arábia Saudita, de que a sua estratégia não deu os frutos desejados. E isso, mesmo que não faça subir os preços, ajuda a garantir que eles não caem mais.

A estratégia da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) tem passado pela imposição de limites de produção que serão excessivos para a quantidade de procura que existe no mercado. Na prática, o que tem acontecido é cada produtor a extrair petróleo sem constrangimentos. O objetivo é sacrificar a receita pela manutenção e conquista de quota de mercado, numa altura em que os produtores norte-americanos se tornam um concorrente de peso.

Os preços mantiveram-se baixos durante muito tempo, desde que em novembro de 2014 a OPEP manteve as quotas inalteradas quando se esperava que as reduzissem. A indústria global ressentiu-se mas um ano depois dessa decisão vários analistas já apontavam que a estratégia estaria a sair pela culatra porque os produtores norte-americanos estavam a mostrar alguma resiliência e quem se estava a ressentir, mais do que o previsto, eram as contas públicas da Arábia Saudita e dos outros países da OPEP — muitos deles sem as reservas financeiras que tem a Arábia Saudita.

Decisão da OPEP, em 2014, ajudou preços a caírem para menos de metade

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Foi em novembro de 2014 que a OPEP decidiu, apesar das perspetivas de procura menor, não ajustar as quotas de produção. As cotações caíram para menos de metade.

O acordo obtido na quarta-feira, a confirmar-se, marcará a primeira decisão em oito anos, por parte da OPEP, no sentido de diminuir o petróleo que o cartel leva ao mercado. Ainda há alguns meses, como recorda a Bloomberg, o antigo ministro do petróleo da Arábia Saudita, Ali Al-Naimi, dizia que, para Riade, pouco interessava se o petróleo estava a 20, a 40, a 50 ou a 60 dólares por barril — “é irrelevante”. Agora, com um défice público na ordem dos 13,5% (estimativa do FMI) e reservas de moeda estrangeira em queda livre, a Arábia Saudita poderá ter pestanejado.

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Mas é preciso olhar para o acordo anunciado com cautela. “Este não é o primeiro acordo da OPEP para limitar a produção que surgiu neste período de queda nos preços. Portanto, algum grau de ceticismo é recomendável“, escreveram os analistas do Morgan Stanley em nota distribuída pelos clientes na quinta-feira. Ainda que pareça existir maior consenso nesta fase, a divisão por país (isto é, por cada membro da OPEP) da nova meta de produção será crucial. “O acordo pode cair por terra à medida que os detalhes forem negociados”.

A equipa de analistas do Citi também afirmou que “quando mais aprofundadamente se olha para este acordo, menos significativo e mais retórico ele parece”. Vários bancos de investimento acreditam que os preços tenderão a subir graças a este acordo (até 10 dólares por barril, diz o Goldman) mas não se espere que este pequeno corte, por si só, seja suficiente para fazer regressar os preços até ao níveis anteriores a 2014.

Aqueles que pensam que este acordo marca o regresso da velha OPEP devem levar mais a sério as novas circunstâncias em que o mundo vive, um mundo em que existe menor crescimento da procura e o petróleo de xisto tem um papel importante”, diz o Citi.

Os preços do petróleo oscilaram entre ganhos de 1,5% e perdas da mesma magnitude, na quinta-feira, à medida que os analistas avaliavam o significado real do acordo. No final da tarde na Europa, o preço do petróleo negociado em Londres subia 1,6% para 49,47 dólares, mantendo-se abaixo da “barreira psicológica” dos 50 dólares.

Revendedores pedem política racional ao governo

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A Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC) alertou esta quinta-feira para uma possível subida do preço das gasolinas, se a OPEP limitar a produção de petróleo, e pediu ao Governo uma política “racional e responsável” no setor.

“Para já, há sinais contraditórios por parte da Noruega, por exemplo, que também é produtor, e da Rússia, que não se sabe se irá avançar ou não. Apesar de tudo, é normal que, caso o acordo (OPEP) realmente aconteça, os preços subam”, disse à Lusa o vice-presidente da ANAREC, Francisco Albuquerque.

“Apelamos ao Governo para se esforçar por seguir uma política racional e responsável num setor tão estratégico e fundamental para o nosso país como é o setor dos combustíveis”, disse o vice-presidente da ANAREC, em declarações à Lusa.

Mesmo que se acreditem nas boas intenções da OPEP, nada neste acordo garante que o petróleo irá subir de forma sustentada. Os especialistas do Emirates NBD dizem que “para que este corte contribua para levar o mercado para um défice, todos os outros produtores teriam de congelar a produção. E é difícil acreditar que isso irá acontecer, sobretudo se os preços subirem”.

Neste âmbito, a Agência Internacional de Energia (AIE) já veio projetar um aumento da produção petrolífera por parte de países não-OPEP, entre os quais países da antiga União Soviética, Canadá e Brasil. Assim, “se em meados de 2017 os países da OPEP constatarem que estão novamente envolvidos numa dura batalha por quota de mercado, então este corte da produção poderá não durar muito”, diz a Emirates NBD.