Vivemos num mundo de apostas e nem os escritores escapam ao delírio. Um escritor pode dizer não ao Nobel, como Sartre fez. Mas não pode dizer “não” a estar num jogo de apostas como um cavalo escovado e de bom porte. A partida termina esta quinta-feira.

Em 2016, no hipódromo “cultural”, a liderar as apostas, estão o japonês Murakami, o sírio Adonis, o americano Philip Roth, o norueguês Jon Fosse e o queniano Ngũgĩ wa Thiong’o (ah, e agora também o americano Don Delillo e o espanhol Javier Marías). Podem todos ter passado horas num desterro existencial para escrever umas linhas mas agora são dados numa já antiga casa de apostas composta por jogadores que estimarão tanto a literatura como Donald Trump aprecia a decência. Está assim o mundo. Compremos farturas.

Fazer grandes considerandos sobre o assunto, dizendo que Roth é melhor do que Murakami ou que também deviam estar na lista dos happy few Lobo Antunes e Milan Kundera, é um exercício semelhante aos que fazem muitos comentadeiros futebolísticos antes de começar o campeonato de futebol. Podia ser divertido mas evitemos a tentação de sermos um Rui Santos da literatura.

Façamos um minúsculo dicionário dos escritores em causa, num esforço de ajudar não os jogadores mas qualquer pessoa que amanhã queira escrevinhar um post para impressionar os amigos.

Haruki Murakami

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Filho de um professor de literatura e neto de um monge budista, só podia dar em escritor. Autor de livros que ora abrem as páginas do real ora procuram atingir o nirvana da ficção. É o surreal-onírico que o interessa mais. Define as suas obras como uma mistura de drama, comédia, clareza, e, não perdendo o seu gosto pela experiência, vocação para serem um “page-turner”. Assume um jazz de influências, entre Dostoiévski, Scott Fitzgerald, Raymond Chandler e Franz Kafka. Viveu quando era pequeno com a família em Kobe e afastou-se da cultura literária japonesa, lendo sobretudo obras em inglês (a primeira das quais foi The Name Is Archer, de Ross MacDonald). O seu livro inaugural terá sido escrito na cozinha, depois das onze da noite. É um exemplo para quem começa a ganhar barriga: começou a correr na casa dos 30 e até já escreveu sobre o assunto.

Adonis

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Nascido em Janeiro de 1930, é sírio e segundo as más-línguas isso dá-lhe vantagem em relação aos outros. Poeta, ensaísta e tradutor, concilia a sua origem cultural árabe com influências modernistas. A política entrou pelos seus textos como — segundo diz — uma necessidade. Fundador de revistas de poesia, deu aulas no Líbano e sempre defendeu ideias progressistas, tendo vindo para a Europa – França – dar aulas de árabe. A sua obra é marcada por múltiplas referências. Por exemplo, à Natureza e às estações, que é como quem diz aos sentimentos. Publicou o seu primeiro livro, Delilah, em 1950. Mais tarde procurou fazer uma espécie de fusão entre o surrealismo e o sufismo. Tanto bate nos extremismos islâmicos como na conversão ocidental à religião do lucro. Em Portugal saiu recentemente pela Dom Quixote O Arco-Íris do Instante, uma antologia de poemas de Adonis, traduzidos por Nuno Júdice.

Philip Roth

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É um escritor muito lido por muitas bandas – e não é raro encontrar um amigo que o esteja a a visitar. Motivo? É um dos grandes escritores vivos. Farta-se de ganhar prémios, entre o Pulitzer e o Man Booker Prize, além de um mimo da American Academy of Arts and Letters. Depois de 31 romances, agora quer sopas e descanso. O prazer e o esforço sexuais são temas fundamentais da sua literatura. Como no mui humorístico romance O Complexo de Portnoy, no qual imperam temas como a masturbação e a impotência (com um intervalo na religião) – e que, misteriosamente, chocou a comunidade judaica, da qual a sua família fazia parte.

A América tornou-se a partir de certa altura o seu assunto dominante – e para Salman Rushdie é nessa altura que cresce como escritor, deixando os seus problemas e olhando em redor. A Pastoral Americana é sobre uma família comum invadida pela doença do terrorismo (através da filha). A Mancha Humana explica muita da campanha eleitoral americana, cada vez mais moralista em aspectos que deviam ficar no silêncio. E A Conspiração Contra a América é baseado na assustadora hipótese “e se o aviador anti-semita Charles Lindbergh tivesse dado uma sova eleitoral a Franklin Roosevelt?”. Com o tempo, Roth começou a interessar-se pela contingência mortal do homem, cada vez mais evidente com a idade. Deu uma entrevista seminal à revista francesa “Les Inrockuptibles”, revelando o seu espírito indie até à velhice.

Jon Fosse

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Caso ganhe, vai pagar pouco pela passagem. Apesar de multifacetado nos géneros que pratica – do romance ao conto, passando pela poesia –, o norueguês é conhecido sobretudo como dramaturgo, sendo apelidado nalgumas esquinas como o novo Ibsen. Uma das suas influências é o irlandês Samuel Beckett mas ao contrário deste não se mete nas encenações. Em Portugal está traduzido em livros como O Sonho de Outono (Campo das Letras) e A noite canta os seus cantos e Inverno, integrados na colecção Livrinhos de Teatro, iniciativa Cotovia/Artistas Unidos. Esta mesma companhia já levou à cena várias peças suas. Num movimento íntimo e raro nos dias de hoje, converteu-se ao catolicismo e tornou-se abstémio. Já não é a primeira vez que é apontado como potencial vencedor do Nobel da Literatura. Uma curiosidade: tem uma residência oficial junto à do rei. O rei é capaz de lhe ir pedir de vez em quando um pezinho de salsa — e isso, diga-se, é capaz de dar uma boa peça de teatro.

Ngũgĩ wa Thiong’o

Internationally celebrated author, playwright and critic, Kenyan Ngugi wa Thiong'o addresses fans on June 13, 2015 during a book signing to celebrate the golden jubilee of his first book 'Weep Not Child' in the Kenyan capital, Nairobi. A 2014 nominee for the Nobel Prize for literature, Ngugi's 50 year literary career, fraught with dangers, has seen him jailed and therafter forced into exile by successive regimes of the time and his latest visit is seen as a real homecoming after he was received at State House by current President Uhuru Kenyatta who's father, Kenya's powerful first President Jomo Kenyatta jailed Ngugi without trial in 1977 over his critical play Ngaahika Ndeeda, (I will Marry When I Want), before being forced into exile after his release during Kenyatta's successor, President Daniel Arap Moi's rule. "This is not the Kenya of yesterday but a Kenya that needs all your talents. It is time for you to come back and help us build the country," Kenyatta is quoted as saying in the local press. AFP PHOTO/Tony KARUMBA (Photo credit should read TONY KARUMBA/AFP/Getty Images)

Nasceu a 5 de Janeiro de 1938 no Quénia, tendo vivido no Uganda, em Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Como Fosse, também distribui o seu talento por obras de géneros vários e como Adonis fundou uma revista literária. Profundamente marcado por ter crescido em ambiente de guerra, foi proibido de escrever na sua língua nativa (gikuyu) e convertido ao catolicismo sem hipótese de escolha. Em romances, publicados nos anos 60, explora temas como as divisões raciais e culturais e a luta pela independência do seu país.

Renegou o catolicismo e o nome de baptismo, James. Esteve preso no Quénia, numa prisão de alta segurança, de 1977 a 1978, por causa de uma peça de teatro que envolvia a comunidade e na qual criticava a corrupção dos novos poderes. Sim, animado com a independência do seu país, entristeceu com a ditadura que se lhe seguiu. Após ter publicado o romance Um Grão de Trigo (publicado em Portugal em 1971 pelas Edições 70), durante o seu encarceramento, escreveu outra ficção, Devil on The Cross, em rolos de papel higiénico. Actualmente é professor de Literatura Inglesa Comparada numa Universidade da Califórnia.

Agora só falta nenhum destes escritores ser o galardoado. É bem feito. Só para chatear os apostadores.

Nuno Costa Santos, 41 anos, escreveu livros como “Trabalhos e Paixões de Fernando Assis Pacheco” ou o romance “Céu Nublado com Boas Abertas”. É autor de, entre outros trabalhos audiovisuais, “Ruy Belo, Era Uma Vez” e de várias peças de teatro.