As frases

A redução, ainda que ligeira, da carga fiscal é um compromisso assumido por escrito três vezes no relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2017:

A política económica e orçamental do Governo concentra-se em três dimensões complementares e essenciais: a recuperação dos rendimentos, que se faz através do alívio da carga fiscal de famílias e empresas e por uma melhoria das condições do mercado de trabalho. ”

“A fiscalidade em 2017 caracteriza-se por critérios de estabilidade dos principais impostos e por uma ligeira redução da carga fiscal, com uma redução nos impostos diretos e uma estabilização nos impostos indiretos.”

“Num quadro de redução global da carga fiscal – concretizada desde logo na eliminação, faseada ao longo do ano de 2017, da sobretaxa do IRS – os ajustamentos introduzidos no sistema visam introduzir incentivos no sentido do investimento e capitalização das empresas; facilitar a vida a famílias e empresas através da redução dos custos e constrangimentos criados pela administração tributária; reforçar a equidade fiscal.”

As teses

Durante a apresentação da proposta, o ministro das Finanças voltou a frisar que um dos três pilares do OE 2017 é a “recuperação de rendimentos, que se traduz na redução da carga fiscal, em particular dos impostos diretos sobre o rendimento”. A apresentação de Mário Centeno aos jornalistas incluiu mesmo um gráfico (ver em baixo) que mostra essa evolução, mas sem números.

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Gráfico mostrado por Mário Centeno na apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2017

Esta quarta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais voltou a bater na mesma tecla, embora reconhecendo que o Executivo gostaria de ter ido mais longe nessa matéria. “Ainda que exista uma redução da carga fiscal [na proposta orçamental para 2017], essa redução não é tão grande como as famílias e as empresas necessitariam e como qualquer governo gostaria de fazer”, afirmou Fernando Rocha Andrade numa conferência organizada pela Faculdade de Direito da Universidade Católica e pela consultora PricewaterhouseCoopers (PwC).

Os factos

Os números que aparecem no documento, no entanto, não mostram uma quantificação clara dessa descida, pelo menos de acordo com o critério tradicionalmente usado para calcular este indicador. A carga fiscal soma as receitas de impostos e das contribuições para a Segurança Social num ano e calcula a percentagem que essa soma representa do Produto Interno Bruto (PIB). O PIB, usado para calcular o indicador, é o de cada um dos anos.

O relatório da proposta do OE apresenta um quadro com a evolução das duas componentes da carga fiscal entre 2015, 2016 e 2017, com base em estimativas para os dois últimos anos. Entre o ano passado e este, existe claramente uma redução da carga fiscal de 37% do Produto Interno Bruto para 36,6% do PIB. Esta diminuição de 0,4 pontos percentuais é obtida apenas à custa da receita fiscal que cai de 25,4% do PIB para 25% do produto este ano.

Já a evolução prevista para o próximo ano, com base nas projeções de receitas e do PIB que constam da proposta do Orçamento do Estado é menos conclusiva. O mesmo quadro dá-nos várias leituras e não necessariamente no mesmo sentido.

carga fiscal 2016

Fonte: Relatório da proposta do Orçamento do Estado par 2017

Comparando apenas o peso das receitas de impostos e da Segurança Segurança Social no PIB em 2016 e 2017, a conclusão é de que a carga fiscal se mantém nos 36,6% do PIB. A descida registada na cobrança fiscal, de 0,1 pontos percentuais do PIB, seria compensada pela subida na mesma proporção da receita que vem das contribuições para a Segurança Social. Mas a coluna que mostra a evolução desta última rubrica (das contribuições) mostra afinal que não há qualquer variação. Como a receita fiscal baixa, ainda que muito pouco, acaba por se verificar um alívio muito ligeiro da carga fiscal que corresponde a 0,1 pontos percentuais, qualquer coisa como 190 milhões de euros. Confuso?

A versão da proposta orçamental enviada para a Comissão Europeia apresenta outros números que parecem não bater certo com o documento apresentado cá. Nesta versão, a carga fiscal prevista para 2016 e 2017 é a mesma, não varia, e representa 34,1% do Produto Interno Bruto, um valor que parecer estar mais alinhado com o gráfico que Centeno apresentou. A nota de rodapé dá uma explicação para a diferença entre os 34,1% enviados à Comissão e os 36,6% que resultam da proposta orçamental entregue na sexta-feira no Parlamento. A informação enviada a Bruxelas inclui ajustamentos relativos a valores por cobrar de impostos e contribuições para a Segurança Social.

carga fiscal bruxelas

O tema da anunciada descida da carga fiscal já tinha provocado alguma polémica durante a discussão do Orçamento do Estado para 2016. O atual Executivo teve mesmo de incluir uma correção na errata à proposta orçamental a esclarecer que afinal a previsão para carga fiscal, incluindo as receitas contributivas, se mantinha estável, e não baixava, ao contrário do afirmação anterior que sustentava uma descida, apenas com base na cobrança de impostos. Os dados relativos a este ano mostram que afinal, a carga fiscal terá baixado este ano, ainda que pouco. E para 2017? Os números não são conclusivos e o Ministério das Finanças não respondeu à pergunta colocada pelo Observador, mas podemos arriscar que a descida da carga fiscal prevista será tão ligeira que pode escapar a uma décima percentual.

Inconclusivo. Os números da proposta orçamental não permitem afirmar de forma conclusiva que existe uma descida da carga fiscal em percentagem do PIB. A única certeza que as previsões permitem é de que a receita da cobrança de impostos vai baixar 0,1 pontos percentuais, mas as contas ao peso da carga fiscal incluem as contribuições para a Segurança Social que estão a crescer, sobretudo por causa da descida do desemprego. A variação é tão baixa que, mais do que ligeira, como o Governo afirma, podemos dizer que será impercetível.