De um lado, a Escócia com um guarda-redes, dois defesas, dois médios e seis avançados. Do outro, a Inglaterra com um guarda-redes, um defesa, um médio e oito avançados. O árbitro é escocês (ninguém desconfia) e estamos a 30 Novembro 1872 – exactamente, mil-oito-e-setenta-e-dois é o ano do histórico primeiro jogo internacional, neste caso de seleções. Nessa altura, a regra do fora-de-jogo é válida até para três jogadores atrás da linha de bola e os postes mais a barra só existem com a ajuda de uma espécie de fita-cola. Nem assim há golos. Acreditem, o primeiro jogo internacional acaba mesmo 0-0 e com duas bolas ao poste de fita-cola para a Escócia.

Duas bolas ao poste? Vá lá, nada mau. No Vitória-Porto, o último 0-0 da história do futebol (atenção, estamos a escrever às 20h20 de sábado, 29 Outubro 2016), nem há esse picante. Casillas passa os 90 minutos sem fazer uma única defesa digna de registo e Varela é um esplendor na relva com intervenções várias, três delas de inegável mérito. O Porto tropeça no início de uma semana movimentada (FC Brugge na 4.ª feira, para a Liga dos Campeões, e Benfica no domingo, para o campeonato), falha a quinta vitória seguida (algo que sucede há ano e meio, desde a primeira época de Lopetegui) e vê o primeiro lugar ainda mais longe (de três para cinco pontos). Tudo, tudo, tudo à conta de um 0-0 mastigado, sem pernas nem cabeça.

Caramba, é o Bonfim, onde o Porto ganha há 17 jogos seguidos. Se-gui-dos. S-e-g-u-i-d-o-s. Desde 1997. É muito jogo. Para o Porto, claro. O Vitória está mesmo nas lonas. É o pior anfitrião da história? Possivelmente. Fora de casa, atenção, muita atenção, a equipa de Couceiro rouba dois pontos ao Benfica (1-1 na Luz, á segunda jornada). Está dado o aviso, o Porto que se cuide. Nuno Espírito, vitorioso em Setúbal nos três jogos como guarda-redes do FCP e derrotado ao serviço do Vitória minhoto, deixa Brahimi no banco e dá a titularidade a Otávio. Mais que este ou aquele jogador, falta velocidade ao Porto. A equipa defende muito atrás e custa-lhe iniciar um ataque com princípio, meio e fim. Até porque o Vitória é muito defensivo. Conversa de surdos, portanto. Nem um nem outro fazem cócegas, daí que o primeiro lance de perigo só apareça aos 25 minutos, na sequência de um canto do Vitória. O Porto assenhora-se da bola e parte para o contra-ataque, por Diogo Jota, descaído na direita. O jovem de 19 anos faz meio-campo com a bola econtrolada antes de a entregar para Óliver. Isolado, com tempo para tudo, o espanhol atira denunciado e Varela intervém com os pés (e alguma categoria à mistura). Aos 30′, Alex Telles cruza bem da esquerda e Diogo Jota cabeceia como mandam as regras (de baixo para cima) e sem a direcção (ao lado).

Chega o intervalo e não se sai do 0-0 (o último data de 2008 e acaba 3-0 com golos de Bruno Alves, Guarín e Lucho). O domínio portista é um insulto à competitividade, com 76% de posse de bola e 10-1 em remates. Na hora do golo, 0-0. A segunda parte arranca com os mesmos 22 atores (uns mais secundários que outros) e o Porto acerca-se da baliza de Varela desde o primeiro instante. Se tivesse essa atitude na primeira parte, outro galo cantaria. Ou não. Porque Varela está em todas e evita o golo portista aos 54′, num cabeceamento à queima-roupa de Diogo Jota, assistido por Otávio. Muito bem, o Porto reivindica o estatuto de favorito e ameaça finalmente o Vitória. O problema é que o poder de fogo é limitado, limitadíssimo. Desse lance aos 54′ até aos 90′, nem mais um remate enquadrado com a baliza. É incrível. Nesse parêntesis temporal, é o Vitória quem marca, aos 79′. Livre batido da direita e cabeça de Fábio Cardoso, sem hipótese para Casillas. O central sai todo contente, o árbitro anula-lhe essa felicidade. E bem, há ali fora-de-jogo.

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Nos quatro minutos de descontos, o Porto só ameaça a baliza de Varela aos 90’+2, por Marcano. O espanhol, bem acompanhado por Felipe e Danilo, mete a coxa à bola e esta sai por cima à boca da baliza, na sequência de um canto. O canto do cisne. Como diria Carlos Paião, há zero a zero, há cem a cem, com zero a zero, vai tudo bem. Errrr, vai tudo bem para o Vitória. O Porto empata 0-0 no Bonfim pela primeira vez desde 1988. Aí, com Zé Beto, João Pinto, Geraldão, N’Kongolo, Branco, Jaime Pacheco, Bandeirinha, Semedo, André, Rui Águas e Madjer. Quase quase contemporâneos daqueles escoceses e ingleses do tempo da outra senhora.

Estádio do Bonfim, em Setúbal

Árbitro: João Pinheiro (Braga)

VITÓRIA FC: Bruno Varela; Geraldes, Vasco Fernandes, Fábio Cardoso e Nuno Pinto; Costinha, Fábio Pacheco e Nené Bonilha; João Amaral (Arnold, 63′), Thiago Santana (Gauld, 83′) e André Claro.
Treinador: José Couceiro (português)
FC PORTO: Casillas; Layún, Felipe, Marcano e Alex Telles; Óliver (Rúben Neves, 74′), Danilo, Herrera (Corona, 62′) e Otávio; Diogo Jota (Brahimi, 74′) e André Silva.
Treinador: Nuno Espírito Santo (português)
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