Notícia da imprensa portuguesa datada de 18 Junho 2005, durante o Mundial sub-20. “Entretanto, falou-se na Holanda de outra possível contratação para o Benfica: Lionel Messi. O avançado, que ingressou no Barcelona com apenas 13 anos e que, na presente temporada, chegou a ser chamado por Frank Rijkaard ao conjunto principal, esteve em grande destaque no último jogo da Argentina, com o Egipto. A acontecer, a ida de Messi para a Luz só se efectuaria por empréstimo, beneficiando dos contactos de Ronald Koeman [então treinador do Benfica] com o mundo Barcelona.”

Messi na Luz? Yup. E vestido à Benfica? Nãããããã. ‘Tou-te a dizer, Messi sai de campo com a camisola do Benfica. É o dia 2 Outubro 2012, o da segunda jornada da Liga dos Campeões. É tudo verdade, Messi à Benfica. E já agora, Aimar à Barcelona. Os dois da vida airada percorrem os últimos 30 metros até ao túnel de acesso aos balneários em amena cavaqueira. A admiração é mútua. Fala Messi: “Sempre segui Aimar desde criança, ainda no River Plate. É um jogador que admiro bastante. Gostaria de jogar com o Burrito [Ariel Ortega], mas nada me faria mais feliz que jogar ao lado de Pablito [Aimar].” A resposta de Aimar, na gala da FIFA-2015: “Como é que fazes para seres melhor na vida real do que na Playstation?” Messi esboça um sorriso dos dele, daqueles assim-assim.

Messi à Benfica? Nunca mais. Da notícia do interesse até hoje, o argentino estabelece-se em Barcelona como promessa, certeza, goleador e capitão. Messi é uma referência incontornável, o maior de sempre, se atendermos só ao número de Bolas de Ouro (cinco). E quem é o maior de sempre, se atendermos ao número de hat-tricks? Messi, com um total de 36. Sí señor, Messi marca três golos em 36 jogos da carreira. Começa a odisseia no dia 4 Janeiro 2004, pelo Barça C (vs. Gramenet B, no Mini Stadi), para 3.ª divisão espanhola, e desagua a 13 Setembro 2016, pe Barça A (vs Celtic, em Camp Nou), para a Liga dos Campeões. Pelo meio, um hat-trick ao Brasil (2012), dois ao Real Madrid (2007 e 2014), três ao Atlético Madrid (2009, 2011 e, outra vez, 2011) e quatro na Liga dos Campeões. Chi-ça, que domínio.

Muy bien, Messi em primeiro. Quem é o segundo? Pequeno e atarracado, gordito e sem estilo. Além de pentear o cabelo com gel para trás, como um cantor de tango,veste-se com uma deselegância tal que mais parece um empregado de bar dos arredores de Budapeste. Dentro de campo, com a bola nos pés, é uma referência mundial, o Major Galopante para os amigos, numa alusão à sua patente no exército. Nasce Ferenc Purczeld em 1927 e muda o nome, de origem alemã, durante a 2.ª Guerra, por ideia do seu pai, então treinador do Honvéd. É também Miklos Kovacs, nome falso para poder jogar futebol em escalões superiores a partir dos 12 anos de idade. E em 1937, acaba por ser Puskás, que significa espingarda em húngaro.

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Começa por ser apanha-bolas até se tornar jogador do clube, ao lado do amigo de infância Bozsik, futuro patrão do meio-campo magiar. Aos 16 anos já é titular do Honvéd, aos 18 internacional húngaro. E não é uma Hungria qualquer. Trata-se da Aranycsapat, a Hungria de sonho que encanta a Europa e até a Inglaterra (6-3 em Wembley e 7-1 em Budapeste, na desforra), vencedora dos Jogos Olímpicos Helsínquia-52 e finalista do Mundial-54, com o seu jogo inovador e envolvente, baseado no WM, tradicional na defesa e revolucionário no ataque. Puskás é o mais brilhante intérprete. E o mais naif. Numa excursão ao Egipto, os companheiros de Puskás do Honvéd vêem-no a olhar para uma banana como se fosse um ET e pregam-lhe uma partida.

“Naquela época”, conta Puskás , “não havia bananas na Hungria. No pequeno-almoço, vi aquele fruto esquisito, agarrei-o e não sabia como comê-lo. Então vi o pessoal a comer a banana com casca. Pensava eu… Eles estavam a fingir. Mas eu comi com casca porque julgava que era assim. Soube-me mal.” Pudera, com casca é ligeiramente menos saboroso. Quatro vezes melhor marcador do campeonato húngaro, sempre pelo Honvéd, e mais quatro na liga espanhola, ao serviço do Real Madrid, a primeira das quais na época de estreia, quanto já tem 31 anos de idade. Numa carreira dividida por dois clubes e duas seleções (Hungria, Espanha), Puskás comete a proeza de assinar 35 hat-tricks. Nada banana, portanto.

https://www.youtube.com/watch?v=rZfCDHegItE

Muy bien, Messi em primeiro (36) e Puskas em segundo (35). Quem completa o pódio? Hum, huum? Romário de Souza Faria. “Num sábado à noite, Deus desceu à Terra, esticou o dedo para mim e disse ‘Esse é o cara’”. Aí está a versão muito personalizada de Romário sobre o seu dia de nascimento, a 29 Janeiro 1966. Dá para acreditar? Antes de dizer qualquer coisa, faça hat-trick mental: pare, pense e responda. Nós fazemos isso por si. Romário só mede 1,65m e nunca na vida poderia ser um avançado de área, mas é. E até marca um golo de cabeça àqueles gigantes e cabeçudos suecos nas meias-finais do Mundial-94.

Romário fecha discotecas com uma regularidade impressionante e nunca poderia ser o “abono de família” de uma equipa de classe alta, mas é. E até é o melhor da selecção brasileira nas gloriosas campanhas da Copa América-89 (fim a quatro décadas de seca) e do Mundial-94 (após 24 anos de espera). Romário é tão letal com a boca como com o pé e nunca podia ser sucedido como porta-voz, mas é. E até fala no Senado brasileiro como activista das crianças com síndrome de Down, doença de Ivy, sua filha mais nova. Romário passa muito mais tempo sem bola que com ela e nunca poderia ser um goleador histórico, mas é! E fecha a carreira com 1002 golos. Romário é tudo isto e muito mais. É um espectáculo à parte. Tem mais títulos que o rei de Espanha e não os divide com ninguém: três vezes melhor marcador do campeonato brasileiro (sempre pelo Vasco, em 2000, 2001 e 2005), mais três na Holanda (todas pelo PSV, e seguidas, entre 1989 e 1991) e outra em Espanha (Barcelona-94). Em matéria de hat-tricks, Romário tem 34. Adivinhe agora quem o iguala este sábado, num tal Alavés-Real Madrid?

https://www.youtube.com/watch?v=q0k23DYZWGU

Bingo. Cris-ti-aaaaaa-no Ro-naaaaaaaal-do. Uau, 34 hat-tricks é uma brutalidade. Desde Janeiro 2008 até hoje, 34. É um assombro de regularidade e eficácia sem igual. Quer dizer, Messi tem mais dois, sim, só que demora 12 anos. Ronaldo, esse, condensa o tempo e bastam-lhe oito anos e meio para chegar aos 34. É digno de registo. Esse é o cara, parte 2. Então e a viagem começa em 2008, é isso? Com muito esforço da nossa parte, temos de excluir o primeiro hat-trick de todos, a 14 Abril 2001, ao serviço da seleção portuguesa sub-15 (só entram nesta contabilidade os hat-tricks em provas oficiais e de seniores, senão Messi teria mais uns quantos e Pelé seria o rei, com um total de 92).

Dois-mil-um, vamos lá. É o popular torneio de Montaigu, em França. No primeiro jogo, um golo no 2-2 com o anfitrião. No segundo, descanso vs. Camarões. No terceiro, o Japão é cilindrado por 7-0. A equipa treinada por Silveira Ramos tem um onze à maneira: Christopher (hoje no Camacha), Pedro Araújo (Penafiel), Filipe Duarte (Benfica Macau), Steven Rodrigues (Salgueiros 08), André Carvalho (Esposende), Fernando Alexandre (Académica), Costinha (sem clube), Ricardo (sem clube), Ronaldo (Real Madrid), João Vilela (Schaffhausen) e Hugo Monteiro (Anadia). A figura é só uma: Ronaldo, com golos aos 33’, 43’ e 70’. “Abriu o livro, assim do nada. Já sabíamos dos repentes deles mas ali ficou vincado o seu estilo que ainda hoje perdura”, justifica Silveira Ramos.

Sete anos depois, em Fevereiro 2008, eis Ronaldo a iniciar uma aventura sem fim à vista. Em Old Trafford, o United dá seis ao Newcastle e a figura é só uma: Ronaldo. Daí para cá, o português é uma máquina trituradora, capaz de desfazer qualquer defesa. O segundo é em Maio 2010, já pelo Real Madrid (41 ao Maiorca). A coleção é interminável. Só lhe falta um na seleção. Como Eusébio. E faz. Pim pam pum, três golos em Belfast, à Irlanda do Norte, numa noite de vendaval e desnorte colectivo, (sem) rumo ao Mundial2014. Valha-nos Ronaldo, 4-2. Como se isso fosse pouco, o 7 resolve abrilhantar o currículo com outro hat-trick por Portugal. Como Pauleta. Pim pam pum, três golos à Suécia, em Estocolmo, no tudo ou nada para o mesmo Mundial. É o play-off, é o 3-2 a selar a nossa obrigação de ir ao Brasil. Como se isso fosse pouco, o capitão dá um passo de gigante para o terceiro hat-trick da selecção. Como… Como quem? Como ninguém, não há ninguém com três hat-tricks por Portugal. É Ronaldo a dar o mote. Pim pam pum, três golos à Arménia, em Erevan, na qualificação para o Euro-2016. O último golo é de mestre: domínio perfeito, rotação do corpo exemplar e toma lá disto ò tu (o guarda-redes voa, a bola entra na gaveta). Cá está, 32 hat-tricks na carreira, três deles na seleção. Curiosidade maiúscula: todos os três fora de casa. É o chamado hat-trick dos hat-tricks. Génio e figura.

O tempo passa, o Ronaldo fica. Seguem-se os hat-tricks, uns atrás dos outros, e agora é o Alavés a provar do veneno. Como tal, Ronaldo (34) ultrapassa Gerd Müller (33). É o terceiro melhor de sempre a nível mundial e o primeiro à escala nacional, à frente de Eusébio (26), José Águas (25) e Gomes (24).

https://www.youtube.com/watch?v=7mnMOCKVGFM