O artista português Miguel Branco tem, a partir desta terça-feira, duas exposições em Paris, uma no Musée de la Chasse et de la Nature e outra na galeria Jeanne Bucher Jaeger, duas mostras em diálogo, com os seus animais e espetros.

A partir desta segunda-feira e até 12 de fevereiro, o Musée de La Chasse expõe ‘Black Deer – Résonances, Enlèvements, Interférences’ [“Veado preto – Ressonâncias, Raptos e Interferências”], uma exposição que joga com “a contaminação” entre “as pequenas – às vezes quase invisíveis – peças” de Miguel Branco e as da coleção do museu.

O artista foi convidado a colocar obras em todas as salas do Musée de La Chasse, no meio de uma profusão de armas e armadilhas, quadros clássicos com cenas de caça, aves e cabeças de animais selvagens embalsamados e vários objetos raros e exóticos acumulados à maneira dos gabinetes de curiosidades do século XVI.

A mostra começa com uma escultura em grande escala de um veado em bronze, no átrio do museu, visível a partir da rue des Archives, no bairro do Marais, e parecido com a versão em madeira que já tinha sido mostrada, no ano passado, na Sala do Veado, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

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“Estamos em presença de um veado que se apresenta de uma maneira imóvel, somos nós que nos movemos e não ele, como se fosse ele o caçador e nós as presas que nos vamos mexendo. Ele olha para nós de uma forma imóvel, impassível, como sendo um ser vindo de outro tempo ou de outra esfera ou de outra coisa qualquer que não sabemos bem, tem esse mistério”, descreveu o artista.

Mais discreta é a presença das obras nas salas, a começar na Sala do Javali com “dois invasores de pátina verde e pátina dourada” numa vitrina recheada de veados de bronze datados do século X ao século VII a.C., passando pelas pinturas de aves na Sala dos Pássaros onde há duas telas de drones militares emolduradas com o nome de um pintor francês do século XVII.

No Salão dos Cães, Miguel Branco expõe ‘Chocolate Dog’, uma escultura de um cão inspirada numa obra de Alberto Giacometti, colocada ao lado de outro cão do contemporâneo Jeff Koons, e debaixo de uma pintura de caça do século XVIII, do francês Jacques-Charles Oudry.

“[Foi] criar uma oposição entra a minha peça e o lado pop do Koons, da sociedade do consumo, da indiferença, e ir buscar coisas que têm mais a ver com o existencialismo dos anos 50, do Giacometti e de toda essa tradição, mas dar-lhe uma volta na ponta e fazer uma coisa humorística, quase como se fossem duas personagens de uma peça de Beckett que estivessem à espera de Godot, e o Godot nunca vem”, descreveu.

Há, também, esculturas de morcegos e harpias em pequenas dimensões e telas de borboletas gigantes, em sintonia com “esse lado da metamorfose das formas e, ao mesmo tempo, da estranheza das formas”, que marca o trabalho de Miguel Branco e a museografia do Musée de La Chasse.

A exposição é organizada em parceria com a galeria Jeanne Bucher Jaeger que, a partir de hoje e até 21 de janeiro, apresenta, pela segunda vez, uma exposição individual de Miguel Branco, concebida como um diálogo com as peças instaladas no Musée de la Chasse et de la Nature.

Na galeria, a exposição ‘Spectres – On Birds, Skulls and Drones’ (“Espetros – Nos Pássaros, Crânios e Drones”) começa também com a escultura de um veado branco, seguida de uma série de pinturas de pequeno formato de aves, caveiras e drones, “quase como se fosse uma ilustração de um puzzle, um jogo de peças de lego, com pinturas muito pequenas, pequenos pixéis num fundo branco”.

“Espetros porque as imagens têm esse lado espetral, vago e ao mesmo tempo quase fantasmático, mas, por outro lado, existe um espetro muito vasto de tipos de imagens (…) Todas estas imagens falam da fragilidade da vida, daquilo que é impermanente e que ao mesmo tempo temos de cuidar com imenso cuidado. Tudo é frágil, vivemos esse momento histórico de uma maneira muito forte”, continuou.

Nascido em 1963, Miguel Branco expôs, em nome individual, no Museu Schloss Ambras, na Áustria, no ano passado, tendo obras nas coleções do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e na Fundação EDP, em Lisboa, na Fundação de Serralves, no Porto, e no Museu de Arte Moderna Grão-Duque Jean (Mudam), no Luxemburgo, entre outras instituições.

Desde 1994, dirige o departamento de desenho e pintura do Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa.