“Temos agora gente em campos na Grécia e em Itália, sem direito nem possibilidade de saírem desses campos”, denuncia o politólogo, filósofo e sociólogo franco-argelino Sami Nair — que está em Lisboa para participar na conferência “O futuro da Europa depende do futuro dos refugiados”, inserida no XII Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados, que hoje se realiza na Fundação Calouste Gulbenkian.
“[Os refugiados] são nossos prisioneiros. Deixaram os seus países, fugiram da morte, para entrar nas prisões europeias”, denuncia Sami Nair, frisando que “nenhum país da União Europeia está a aplicar” as Convenções de Genebra (1951), que estabelecem que “há que acolher o refugiado, protegê-lo e dar-lhe direitos iguais aos cidadãos do país de acolhimento”.
A Europa tem mostrado “uma face totalmente inesperada, impensável, e uma incapacidade em assumir os seus valores”, considera o politólogo, rejeitando que haja uma crise de refugiados, mas sim uma “crise da Europa” e um “problema de civilização”.
Ora, “os migrantes e, sobretudo, os refugiados puseram em evidência essa crise”, assinala.
“Se não podemos dar-lhes todos os requisitos do estatuto de refugiado, concedamos-lhes, pelo menos, o direito de circular na Europa”, sustenta, defendendo um “passaporte de trânsito” para refugiados e migrantes. “Não podemos manter as pessoas encarceradas, em condições desumanas, em campos na Grécia ou em Itália. Há que encontrar uma solução”, sustenta o autor de “Refugiados”. Nair frisa que “os sírios, os iraquianos e os afegãos são refugiados puros, porque os seus países estão em guerra civil, estão a ser perseguidos”.
Os países europeus que “bombardeiam” o Iraque, a Síria e o Afeganistão “são corresponsáveis pela situação dos refugiados”, atribui. Por isso, têm “a obrigação de socorrê-los”.
Nair recorre a um exemplo: as convenções internacionais proíbem a expulsão coletiva e impõem uma análise caso a caso dos refugiados. Ora, o acordo entre Alemanha e Turquia “expulsou coletivamente milhões de pessoas”, denuncia.
“É a destruição total dos valores mais fundamentais da União Europeia. A Europa não pode pretender dar lições de direitos humanos e valores a qualquer ditadura no mundo”, observa. Os recentes desenvolvimentos internacionais não são promissores, reconhece o ex-eurodeputado. A crise económica e social dos países desenvolvidos fez com que “elementos que, em situação normal, não levantariam problemas, resultassem em incompatibilidades”, um cenário aproveitado pela extrema-direita “para alimentar o ódio entre as pessoas”, analisa.
A eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos é uma “viragem histórica” e resulta das consequências do liberalismo económico: “desemprego, precariedade e instabilidade”.
Trump “enraizou-se nas camadas populares”, como a extrema-direita fez em França, compara, justificando: “Porque não há alternativa. Porque a esquerda de hoje não fala para o povo.”
Nair acredita que Trump “é um pragmático” e “não vai fazer tudo o que prometeu” durante a campanha. “Vai expulsar uma parte significativa dos indocumentados e organizar deportações, para alimentar a populaça, a gente que odeia os estrangeiros, mas nunca poderá expulsar 50 milhões de hispânicos, nunca poderá construir o seu muro e nunca poderá reorientar a política norte-americana rumo ao protecionismo total”, antecipa.
A crise económica e social aumentou o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, desencadeando o deslocamento de populações, na base do “desejo absolutamente normal de dizer ‘eu não vou continuar a viver neste inferno'”, assinala.
“Os fluxos aumentaram, porque a globalização aumentou as desigualdades. Hoje, a situação é muito mais desigual do que há 30 anos. As diferenças entre países do Norte e países do Sul são enormes. Um espanhol é 12 vezes mais rico do que um marroquino, que vive a 14 quilómetros”, compara o fundador do conceito de co-desenvolvimento.