O tempo é cruel, o tempo é tudo. O tempo é nada. Vá, todos sabemos o que é, mas mas todos temos dificuldade em defini-lo, a não ser que comecem a aparecer as rugas, as cãs, as nostalgias. Vejamos, neste 18 de Novembro faz 25 anos que saiu o Achtung Baby, disco de ruptura dos U2, a banda que saiu da Irlanda do Bloody Sunday para o mundo que é bloody-todos-os-dias. Estávamos em 1991 e era lançado o sétimo álbum de estúdio de uma banda que já tinha alcançado o estrelato mas que acabaria por alcançar outro patamar.

Ao sétimo álbum, Nosso Senhor descansou da tarefa de trazer os U2 para a ribalta, injectando-lhes toadas electrónicas, atmosferas mais irreverentes e óculos que faziam inveja a um enxame de moscas. Inspirados pela Berlim reunificada e por um mundo que fechava com chave de ouro o período de Guerra Fria — a História chegou mesmo a acabar, segundo o cançonetista Fukuyama — os rapazes de Dublin abriam um filão para a multiplicação do seu próprio sucesso, enterrando o desconforto com que a crítica tinha recebido o anterior Rattle and Hum e lançando as bases para a carreira internacionalista-planetária de Bono, entre a liderança da banda e a versão 2.0 da Madre Teresa de Calcutá. Enfim, tudo isso são outros quinhentos.

[“Zoo Station”, o tema de abertura de “Achtung Baby”]

Se me é permitida uma nota pessoal, posso afiançar que Achtung Baby foi importante para mim, já que a etapa europeia da Zoo Tv Tour permitiu-me assistir a um belíssimo espectáculo de luz e cor, com direito a romance-que-não-devia-ter-sido na multidão e um telefonema de Bono para a Telepizza, tudo isto no hoje desaparecido Estádio de Alvalade. Falo, claro, de uma época em que o rock falava mais alto do que os túneis e o cuspo, pelo menos naquela zona. Na verdade teria preferido ir ver os Metallica, mais ou menos na mesma altura, mas sucede que no dia seguinte ao concerto de James Hetfiled e companhia iria defrontar-me com um exame decisivo de Geometria Descritiva, mais importante do que qualquer riff ou tarola. Mas já lá vamos.

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Achtung Baby faz parte de uma colheita muito, mas muito importante. 1991 foi provavelmente um dos anos mais determinantes para a música popular, uma vez que foi marcado por lançamentos seminais, revelações bombásticas e um par de canções tão orelhudas e tão bem desenhadas que fazem inveja a qualquer circunferência (sempre a Geometria, maldito seja Euclides). Nesse ano foram lançados os discos Nevermind, dos Nirvana, Blue Lines, dos Massive Attack, Screamadelica, dos Primal Scream, Loveless, dos My Bloody Valentine ou Out of Time dos R.E.M., uma pérola pop instantânea, sem necessidade de polimento. E também foi o ano em que sorriu ao mundo o álbum Metallica, também conhecido como Black Album, que acabou por revelar uma face xaroposa dos magos do thrash. Como se costuma dizer entre puristas e sociólogos, tornaram-se uns vendidos do c******. A partir daí, a trupe de Hetfiled e Ulrich treparia pelo sucesso acima, a cavalo em “Enter Sandman” e “Unforgiven”, balada que provava que um homem de barba rija também chora. E enriquece. E passa a cuidar dos seus direitos de autor com a atitude de um zelota, combatendo piratarias, partilhas e donwloads, coisa que não costumamos associar muito a lendas do rock.

Curiosamente, e 25 anos depois, neste 18 de Novembro, os Metallica partilham com o mundo o seu novo álbum de originais, Hard-wired… to self-destruct, cujos singles apontam para um regresso aos primórdios. É evidente o desejo de voltar a um lugar onde já foram felizes, a Kill’em All e quejandos, agora com a pança cheia e a carteira mais recheada do que uma sapateira da cervejaria Ramiro, sinal de que a nostalgia é irresistível e o tempo custa a tragar. Sejamos nós estrelas de palco ou simples cronistas de teclado a cair da tripeça.

[“Hardwired”, o primeiro single do novo álbum dos Metallica]

Também neste dia vemos regressar o já referido Out of Time dos R.E.M., reeditado um quarto de século depois. Através do sétimo álbum da banda de Athens, Zeus descansou ao sétimo disco e etc, assistimos de camarote ao reconhecimento internacional de uma banda de culto, capaz de polir gemas radiofónicas como “Losing my religion” (que tem mais a ver com dor de corno e bandolins do que com fatwas ou hossanas) ou “Shiny Happy People”, que a banda acabaria mesmo por rejeitar. Afinal, ninguém gosta de ter um filho demasiado delicodoce, que ande sempre atrelado a uma matulona dos B52s.

O que é facto é que depois deles, muitos usariam o mercado de transferências para passar a penúria indie ao Beluga do mainstream e desde então Michael Stipe e aliados entraram de pleno direito na história do rock’n’roll, atingindo o estatuto daqueles que podem viver dos rendimentos.

[“Losing My Religion”, do álbum “Out of Time”, dos R.E.M]

Uma coisa é certa, com as carreiras mais ou menos em suspenso, em modo revisitação ou edição especial, esta gente sabe que o regresso ao passado conforta e consola. E com o mundo em polvorosa, longe do optimismo dos inícios de 90, cantarolar o que se conhece pode ser garantia de miminho individual ou em grupo. A humanidade, diga-se, é só uma mas como bem avisou o Bono Samaritano, “we’re one but we’re not the same”. O Donald Trump que o diga.

Pedro Vieira é consultor da Booktailors, pivô de televisão e ilustrador relutante