À partida, é uma notícia sem importância. “Nuno divulga os convocados para o jogo do Porto com o Braga e o nome de Depoitre não está na lista. Como não está lesionado, é uma opção do treinador. No lugar do avançado belga, aparece o jovem Rui Pedro.” A surpresa é nula. Porque Depoitre é uma contratação falhada, devidamente explicada pelos escassos 373 minutos de utilização em quatro meses de competição. E porque é Rui Pedro quem entra por Depoitre, vaiado pelos próprios adeptos, no último jogo em casa, com o Belenenses, para a Taça da Liga (0-0).

Zero-zero, ora aí está o busílis da questão. O Porto está numa série improvável de 0-0 há quatro jogos seguidos, um deles com prolongamento e tudo (Chaves). Com o Braga, o cenário de outro 0-0 é inverosímil. Aos 36 minutos, penálti de Artur Jorge sobre André Silva e o central bracarense é expulso. Na marcação, o mesmo André Silva atira e Marafona defende. Atenção, é o quarto penálti falhado pelo Porto em casa vs Braga na 1.ª divisão e todos, todos, todos sem exceção, são defendidos: Rui Correia-Edmilson 1997, Quim-Sérgio Conceição 1998 e Paulo Santos-Lucho 2007.

Aos 75 minutos, o 0-0 arrasta-se penosamente e Nuno faz entrar Rui Pedro para o lugar do lateral-esquerdo Layún. É uma aposta clara no ataque, à procura da vitória perdida há cinco jogos seguidos (além dos quatro 0-0, aquele 1-1 com o Benfica no Dragão). O jovem de 18 anos estreia-se na 1ª divisão e arrasta consigo uma curiosidade digna de registo em 2016-17: marca sempre aos pares pelos bês (bis ao Leixões em Agosto, bis ao Copenhaga em Setembro e bis ao Fafe em Outubro). Antes, em 2012-13, assina 44 golos em 33 jogos pelos iniciados do FCP. Há ali qualidade. Ai há, há.

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No primeiro toque de bola a sério, golo de Rui Pedro (88′). O árbitro Carlos Xistra anula. E bem, o avançado está em fora-de-jogo indiscutível. Aos 95′, Marafona marca um pontapé de baliza para o meio-campo contrário e o corte é de Marcano, de cabeça. A bola vai parar a Diogo Jota, cuja assistência para o corredor central é um mimo. Rui Pedro avança, sem medos, e, à saída de Marafona, pica ligeiramente a bola. Belo golo, de nervos de aço. É a loucura no Dragão, há suplentes a invadir o campo, há dirigentes a chorar e há adeptos em histeria. Nem o golo de Falcao a este Braga, na final da Liga Europa, provoca um vendaval de emoções como este.

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Um golo (finalmente), três pontos (aleluia). Cortesia Rui Pedro, o herói da noite. Com 18 anos e 8 meses, é o quarto portista mais jovem de sempre a marcar na estreia da 1.ª divisão – o recordista é Ruben Neves (17 anos e 5 meses no 2-0 ao Marítimo em Agosto-2014). Mais engraçado ainda, o primeiro golo de suplente do Porto na história da 1.ª divisão é precisamente com o Braga. De Seninho, em Outubro 1969, até Rui Pedro, em Dezembro 2015, uma série de nomes fantásticos entram na lista. O mais goleador de todos é Domingos, com 13. É o vice-rei da contabilidade dos golos de suplentes no campeonato, atrás do benfiquista Nuno Gomes (17) e à frente do sportinguista Iordanov (10).

A história dos suplentes na 1ª divisão

“Morais afaga a bola, parece falar com ela, coloca-a na marca…. vai marcar o cantooooo……… a bola parte, com boa conta…………. goooolo do Spoooooorting!” [Artur Agostinho, Emissora Nacional]. Este relato de rádio retrata o lance que muda a vida do Sporting. No dia 15 Maio 1964, Morais divide o Sporting – não ao meio, claro. Acontece que há um antes e um depois na história do Sporting com aquele golo de canto direto ao MTK Budapeste, a garantir a única taça internacional aos leões, a Taça das Taças. É o a. M. (antes de Morais) e o d. M. (depois de Morais).

No dicionário sportinguista, Morais significa esforço, dedicação, devoção e glória. E traduz-se na conquista da Taça das Taças. O golo do título é obra de Morais. Na jogada menos provável de todas. Um canto direto, aos 20’. “Virei-me para o banco e confirmei que era eu. O técnico [o espanhol Anselmo Fernández] acenou-me que sim. Lá fui. Peguei na bola com jeitinho, disse-lhe umas palavrinhas amigas, dei-lhe um beijinho… Depois, mal senti o pé a bater nela, fiquei logo com a sensação de que seria golo. Parece que o tempo parou ali. Observei a trajetória do esférico, vi o Figueiredo a correr para o primeiro poste e o guarda-redes atrás dele para intercetar o eventual cabeceamento do desvio, mas o destino estava traçado. A bola passou por cima dos dois e acabou por entrar junto ao segundo poste. Foi a euforia total mas não foi um golo de sorte. Ao longo da carreira, marquei mais uns quantos da mesma maneira.”

E não só, acrescente-se. Quatro anos e meio mais tarde, a 15 Dezembro 1968, Morais escreve outro pedaço de história como o primeiro jogador a sair do banco de suplentes e a marcar no campeonato nacional. Escreve o jornal “Record” a este propósito: “Haviam decorrido 72 minutos de jogo. O Sporting insistia no ataque e beneficiou de um pontapé de canto que Fidalgo [guarda-redes da Sanjoanense], saindo a destempo, não interceptou. Estabeleceu-se confusão e quando a bola ia a transpor a linha de golo, dois defesas visitantes, um dos quais Freitas, desviaram-na com a mão. A grande penalidade foi transformada por Morais, que havia entrado pouco antes para o lugar de João Carlos.”

Morais fixa o 1-0 em Alvalade no dia em que o FCP de José Maria Pedroto ganha pelo mesmo resultado ao Benfica de Otto Glória, para a 12.ª jornada da liga (atenção, muita atenção: a jornada do golo salvador fora de horas de Rui Pedro é também a 12.ª). A Morais já ninguém tira o rótulo de primeiro suplente de sempre a marcar na 1.a divisão. Ao todo, desde a introdução das substituições em Setembro de 1968, os três grandes têm pouco mais de 700 golos de suplentes no campeonato. O líder da classificação geral é o Porto. O líder da classificação individual é o Benfica, obra de Nuno Gomes. E o líder da classificação é o Sporting, por Carlos Bueno. O avançado uruguaio, num memorável Sporting-Nacional a 3 Fevereiro 2007.

“Na véspera, o Benfica [35 pontos] tinha empatado a zero em casa com o Boavista [19] e pouco antes do início do nosso jogo o Estrela ganhara ao FC Porto [40] no Dragão com um golo nos descontos [Anselmo aos 90’+2]. Se ganhássemos [34], não só ultrapassaríamos o Benfica como ainda nos encostávamos ao líder.” Ambiente de festa em Alvalade. Pelo menos, até ao 1-0 de Bruno Amaro, aos 26 minutos. O outro balde de água fria chega aos 62′, com um penálti falhado por Liedson. A maioria dos 28 459 adeptos está impaciente até que Bueno solta-se e celebra um póquer. “Nunca marquei quatro golos num jogo, quanto mais em 15 minutos. Foi uma remontada histórica, pelos números envolvidos, mas é preciso realçar que o 1-1 foi irregular. Quando saltei, ele [Alonso, defesa do Nacional] já estava colocado e acabei por apoiar-me nele. Parece-me que o árbitro [Duarte Gomes] viu e até pensei que ia marcar falta mas mandou seguir.” Bueno bisa aos 77’, festeja o hat-trick aos 90’ (já depois de Liedson ter ampliado a vantagem numa cavalgada iniciada no meio-campo) e fixa o 5-1 nos descontos, aos 90’+4.

Quatro é demais, desta vez basta só um. O de Rui Pedro, o improvável herói de uma longa dinastia de suplentes salvadores.

Quizz dos suplentes

Quem é o primeiro suplente a marcar na 1ª divisão?
João Morais, num Sporting-Sanjoanense (1-0), a 15 Dezembro 1968

E o segundo?
Celestino, outro do Sporting, vs. União Tomar (20 Setembro 1969)

Já agora, e o terceiro?
Artur Jorge, do Benfica, vs. CUF (19 Outubro 1969)

Sporting, check. Benfica, check. De quem é o primeiro golo de um suplente do Porto?
Seninho, vs. Braga (26 Outubro 1969)

E de quem é o primeiro bis como suplente?
Seninho, num Porto-CUF (21 Janeiro 1970)

E o primeiro do Benfica a bisar?
Jorge, vs. Académico Viseu (7 Março 1979)

E o primeiro do Sporting?
Jordão, vs. Salgueiros (16 Fevereiro 1985)

Em matéria de hat-tricks, quem é o pioneiro?
Lemos, num Porto-Olhanense (6 Outubro 1974)

E o Sporting?
Eldon, vs. Salgueiros (23 Setembro 1984)

E o Benfica?
Nem um hat-trick para amostra

Alguém tem quatro golos como suplente?
Bueno, num 5-1 do Sporting ao Nacional (3 Fevereiro 2007)

Quem é o melhor marcador por dois grandes?
Jankauskas, dois golos pelo Benfica e oito pelo Porto

Quando a primeira vez de golos de suplentes dos grandes?
1 Novembro 1975: Gomes (Porto-Leixões), Vítor Martins (Benfica-Estoril) e Jorge Jesus (Académica-Sporting)

Quando é que os três suplentes marcam no mesmo jogo?
10 Setembro 2005: Alan, Hugo Almeida e Quaresma (Porto-Rio Ave 3-0)

Melhores suplentes de sempre?
17, Nuno Gomes
13, Domingos
10, Iordanov