Milhares de europeus que vivem no Reino Unido encontram-se “às escuras” sem saber o que lhes vais acontecer, depois da maioria dos britânicos ter votado pela saída da União Europeia no referendo realizado em junho. Os cidadãos da União Europeia temem mesmo ser expulsos do Reino Unido. A holandesa Monique Hawkins é uma delas e, segundo conta o jornal inglês The Guardian, já foi ‘convidada’ pelo Ministério da Administração Interna a sair do Reino Unido. A história de Hawkins tem mesmo contornos de um processo kafkiano.

A holandesa é uma engenheira de software holandesa que vive em Surrey, no Reino Unido, há cerca de 24 anos. É casada com um britânico e tem dois filhos, de 15 e 16 anos, nascidos e criados em terras britânicas. Já tinha pensado em pedir cidadania inglesa mas como tal não lhe atribuía mais direitos do que aqueles que já tinha, nunca o fez.

No entanto, quando a opção de sair da União Europeia recebeu a aprovação da maioria dos votantes no referendo de junho, Monique ficou em choque: “Senti-me muito stressada e, de repente, ao andar na rua sentia que o país [o Reino Unido] já não me queria“, conta ao The Guardian.

Com receio de perder alguns dos seus direitos e até ser deportada e afastada da família, resolveu pedir finalmente a cidadania britânica. Foi nessa altura que percebeu que o casamento entre ingleses (como o seu marido) e cidadãos da União Europeia (como é o seu caso) não atribui automaticamente a cidadania a estes últimos.

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O processo

Monique começou por preencher um documento para conseguir um visto de residência permanente — um procedimento burocrático antecede o pedido de cidadania. A holandesa, contudo, não podia entregar o seu passaporte, uma vez que o pai morrera recentemente e ela precisava de viajar para a Holanda para reconfortar a mãe. De acordo com as regras de concessão do visto, é possível não entregar o passaporte, desde que seja por circunstâncias que fogem ao seu controlo. Monique, no entanto, remeteu uma fotocópia devidamente certificada do passaporte.

O Ministério da Administração Interna, contudo, recusou o pedido de cidadania invocando precisamente a falta do passaporte e enviou-lhe uma carta a manda-la embora do país: “Como parece não ter alternativa de estadia no Reino Unido, deve começar os preparativos para sair [do país]“. Monique nem queria acreditar. Telefonou para o Ministério com o objetivo de discutir a decisão mas responderam-lhe que não podiam debater o assunto por telefone nem por email. Foi a gota de água. A holandesa enviou-lhes então uma queixa escrita.

O Ministério da Administração Pública respondeu-lhe com outra carta a dizer que o seu texto não pode ser considerada uma queixa.

Sem saber o futuro

Agora, Monique está “completamente no limbo”. “Não sei quanto tempo vou esperar por uma resposta. Não sei se o meu caso vai ser reaberto ou não“, acrescenta.

Monique Hawkins explica que obter a cidadania seria muito importante para si. Em criança viveu em vários países, devido à profissão do pai mudavam-se a cada cinco anos. “Esta é a primeira vez que estabeleço raízes“. O Reino Unido é o único sítio que sente que pode chamar de casa.

Mas Monique não está sozinha. O executivo aeroespacial alemão Lars Graefe, que vive no Reino Unido desde 1998 e é casado com uma inglesa, também foi mandando embora do país. O alemão não pode entregar o passaporte porque viaja em trabalho todas as semanas.

O Ministério da Administração Interna não sabe como lidar com os cidadãos da União Europeia” assegura Lars Graefe.

O processo de saída do Reino Unido da União Europeia — conhecido por “Brexit” — está longe de uma conclusão. Theresa May, a primeira-ministra conservadora que substituiu David Cameron na liderança do governo britânico na sequência da vitória do “Leave”, reiterou a vontade política de abandonar a União Europeia. O processo formal de saída, contudo, ainda não se iniciou.

É expectável, segundo a BBC, que o Reino Unido invoque o artigo 50 do Tratado de Lisboa até Março de 2017 para iniciar-se um processo de negociação entre as autoridades britânicas e a União Europeia que deverá demorar cerca de dois anos.

Entretanto, o Parlamento europeu está a estudar uma proposta para permitir que, mesmo depois da saída do Reino Unido, os cidadãos britânicos possam continuar a ser considerados cidadãos da União Europeia.

Editado por Luís Rosa