“A Europa não tem crianças, é contra os imigrantes, é a favor dos direitos adquiridos toda a vida, sem saber como se vão pagar”. Na véspera da tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos EUA, Paulo Portas está pessimista quanto ao futuro da Europa e receoso de que os EUA abram uma “guerra” comercial com outros blocos — uma “receita para o desastre”. Em entrevista ao Público e Rádio Renascença, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros diz que o protecionismo terá consequências para as economias globais, incluindo a portuguesa, que tem nos EUA o seu 5º maior parceiro comercial.

Numa entrevista que se focou apenas em temas internacionais, Paulo Portas lembrou que Portugal exporta 2.500 milhões de euros para os EUA, pelo que se forem aplicadas taxas alfandegárias mais significativas isso irá dificultar as exportações nacionais. “Eu acho que o mundo vai precisar, em particular os europeus, que estão muito atingidos pela cintilância simplificadora dos populistas, vai precisar de uns anos para perceber que, se não vender nem comprar fica mais pobre. Achamos que as pessoas vão deixar de fazer e-shopping e vão selecionar os países de quem compram e não compram? É não perceber o mundo em que vivemos”, lamenta Paulo Portas.

Na véspera da tomada de posse de Donald Trump, Paulo Portas chama “a atenção já em 2017 para um desafio violentíssimo para todos os blocos económicos”. O responsável Refere-se à reforma do imposto de sociedades dos EUA — a reforma do IRC dos americanos. Que aponta para uma taxa plana de 15%, o que é um desafio à competitividade. Aponta para larguíssimas deduções dos salários no IRC e do investimento também. E ainda uma sobretaxa sobre os importadores e os traders dos EUA, para os dissuadir de importarem produtos e bens. Há quem fale de uma sobretaxa de 10% — ou de uma segmentada de 45% sobre produtos chineses”.

Isto leva a quê? A uma restrição do comércio, a uma pausa na compra e venda e leva a retaliações (a China já avisou que retaliará e não vejo como a Europa pode fazer outra coisa). Se olharem para os dados, os EUA importam da China três vezes mais do que exportam; e importam duas vezes mais da Europa do que exportam. As retaliações provocarão danos, mas o que o sr. Trump está a tentar fazer é um proteccionismo económico que, num primeiro momento beneficia a economia americana, num segundo prejudica todos”.

Os “populismos”, tema sobre o qual o Observador publicou no domingo uma longa entrevista ao académico Jan-Werner Müller, são o tema que mais preocupa Paulo Portas. “É uma Europa condenada. Se fosse possível usar um remédio rápido contra os populismos, era dar-lhe três meses de poder — e as pessoas percebem. O problema é que entretanto fazem muitos danos”. Este é um fator muito preocupante porque este é um ano marcado por eleições em França, Alemanha e, também, Holanda, ao que se juntam as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia.

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O Brexit foi, na opinião de Paulo Portas, um marco na História que prejudicou, sobretudo, a Alemanha, que “precisa de ter alguém” e não quer “governar sozinha”, tal é a “memória”. Já França não teve a resposta adequada à globalização, pelo que ainda mais condenou a Europa ao desastre.

Não há continente que cresça assim. Os EUA têm o dobro do crescimento, metade do desemprego e o problema é dos EUA? Ou está na Europa? A Europa está a perder competitividade desde a digitalização e da globalização. E os europeus estão a convencer-se de que são perdedores da globalização — e quem não vende nem compra empobrece. E não inova”.

Além destes problemas, a Europa tem falta de liderança — “Onde estão os líderes na Europa? É quase inevitável reconhecer que a única pessoa confi ável que resta é a senhora Merkel” — e pode vir a ter problemas com a política de juros baixos que tem vindo a ser seguida pelo Banco Central Europeu (BCE) — “hoje em dia a classe política alemã não faz outra coisa que não seja criticar o BCE. Os alemães estão a ficar cansados da política de juros negativos do BCE. Têm uma classe média que poupa e o dinheiro não
rende”.