A falta de especificação das medidas com que o Governo pretende alcançar as metas orçamentais do Programa de Estabilidade coloca “questões de credibilidade” quando ao cumprimento das metas e a trajetória apresentada pelo Governo não está suficientemente sustentada na evolução da economia e das medidas apresentadas pelo Ministério das Finanças, considera o Conselho das Finanças Públicas. Governo está a ancorar as suas metas na expetativa que o crescimento que prevê se concretize.

Não é um alerta novo. Em quase todos os orçamentos, o Conselho das Finanças Públicas tem alertado para a necessidade de especificar as medidas com que o Governo pretende alcançar as metas. Na análise que faz ao Programa de Estabilidade, a instituição liderada por Teodora Cardoso deixa novamente o aviso e diz que a credibilidade das metas que o Governo apresentou em Bruxelas pode estar em causa por causa disso.

“A falta de especificação das medidas previstas coloca questões de credibilidade quanto ao cumprimento da trajetória do saldo estabelecido no Programa de Estabilidade de 2017”, diz o CFP.

O Conselho calcula que existam entre 359 milhões e 1317 milhões de euros de medidas entre 2018 e 2021 que estão por especificar. Isto, diz, poderá dever-se à imposição de tetos globais em rubricas de despesa – como a despesa com consumos intermédios – sem especificação de como, e onde, vão ser feitos esses cortes.

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Por isso, o CFP diz que para que a trajetória traçada pelo Governo deve ser detalhada nos próximos documentos de programação orçamental e diz que seria “desejável que o Governo passe a prestar contas da concretização das medidas de política orçamental anteriormente implementadas”. Ou seja, não só precisar de detalhar a estratégia, como devia explicar depois de o ano fechar como é que essa mesma estratégia foi implementada.

Nas contas do CFP, mais de 80% das medidas do lado da despesa (apenas um terço do total) não está especificada. “A previsão do impacto líquido das novas medidas de política no saldo orçamental depende de metas não sustentadas em medidas especificadas. Pouco mais de um décimo (13%) das medidas que o CFP considera não estarem suficientemente especificadas recaem no lado da receita, pese embora em termos de volume estas medidas representem cerca de um quarto do total das medidas não especificadas. A parte mais significativa (87%) do impacto líquido das medidas não especificadas está no lado da despesa (em volume representa três quartos do total). Mais de quatro quintos das medidas de redução da despesa (1357 milhões de euros) resulta de ganhos de eficiência, que dependem de medidas não especificadas, que apenas apontam as metas a atingir. Os congelamentos nominais nas categorias de despesa anteriormente referidos explicam esta incerteza quanto aos resultados a atingir, uma vez que as poupanças prevista ascendem 1305 milhões de euros do total de 1630 milhões que o Ministério das Finanças considera como medidas de redução da despesa”.

Contas não batem certo

Mas não é só a falta de detalhe que coloca a estratégia em causa. Segundo o CFP, a própria trajetória “não se encontra suficientemente sustentada na evolução macroeconómica e nas medidas de política orçamental previstas pelo Ministério das Finanças”.

O CFP explica que o valor total da receita e da despesa calculados no cenário que contempla o efeito das medidas previsto pelo Governo é superior ao valor do impacto das medidas no cenário base. Ou seja, o resultado final é maior do que o impacto das medidas, implicando que algo está a faltar para justificar este aumento da receita e da despesa que deveria ser resultado das medidas em causa.

Mas não são só estas contas que não batem certo. Como dito anteriormente, o Governo constrói pelo menos dois quadros para calcular o impacto das medidas que decide tomar: um em que tudo é mantido, calculando-se a evolução orçamental apenas com a atualização do cenário macroeconómico; um segundo a incluir as medidas previstas. No entanto, para o ano de 2017, estes dois cenários estão calculados com pressupostos diferentes.

De acordo com o CFP, como os números no final do ano foram melhores que o esperado, o Governo atualizou as suas contas, como é suposto, para incluir esses efeitos. Só que no ano de 2017, essa atualização só terá sido feita no cenário que inclui o efeito das medidas que o Governo pretende avançar (cenário de políticas variantes). O cenário base (políticas invariantes), não foi atualizado, continuando a ter como base os mesmos dados (agora desatualizados) do Orçamento do Estado para 2017. Por essa razão, o Conselho das Finanças Públicas diz que “não consegue avaliar a coerência da previsão orçamental e da projeção do cenário de políticas invariantes entre 2016 e 2021”, excluindo da sua análise 2017.

Outro ponto sublinhado pelo organismo liderado por Teodora Cardoso é a diferente postura em relação às previsões para as receitas fiscais e para as contribuições sociais. Para um mesmo nível de crescimento de remunerações previsto, o Ministério das Finanças prevê uma receita fiscal mais conservadora e um comportamento mais positivo das contribuições sociais, “o que revela um maior otimismo do Ministério das Finanças para a receita a obter com este agregado orçamental”.