Quando chegou aos estúdios da SIC, em Carnaxide, para ser entrevistado, António Costa ironizou que estava pronto para mais um “debate anual com José Gomes Ferreira”, o jornalista especializado em economia, e diretor-adjunto da SIC. Antes de entrar na sala de maquilhagem ainda disse que em nada ia “contrariar” o que estava nos acordos com os partidos da esquerda e que “o terceiro Orçamento é mais fácil” de elaborar do que os anteriores porque os parceiros já se conhecem melhor. O primeiro-ministro afirmou nos estúdios da SIC que poderia convocar serviços mínimos se os professores mantivessem a greve aos exames, e justificou que o corte de 35% nos médicos tarefeiros eram uma “substituição de despesa” para contratar mais médicos para o quadro.

Já fora da entrevista, em declarações a outro jornalista do canal, António Costa falou do caso do embaixador José Pereira Gomes, que acabou por renunciar ao cargo de secretário-geral dos serviços secretos para o qual o Governo o tencionava nomear. “O país perdeu a oportunidade de ter um excelente secretário-geral do SIRP. Tem todas as qualidades para fazer uma excelente função”, afirmou o primeiro-ministro, acrescentado que respeita a justificação do diplomata. “Contrariamente ao que foi dito, não houve qualquer desobediência às ordens do Governo português”, disse António Costa, quando este diplomata diligenciou para que portugueses e timorenses fossem evacuados depois da crise do referendo de 1999 em Timor-Leste.

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A entrevista começou com as greve dos professores, marcada para os dias dos exames. O primeiro-ministro disse que “a greve é um direito”, e que acreditava “que até essa data” pudesse ser “possível um acordo”. Garantiu ainda que se a greve se mantivesse ia acionar os “serviços mínimos”. Ou seja, o Governo não vai mudar a data dos exames para evitar a requisição de serviços mínimos.

A profusão de greves em vários setores, como também de juízes ou médicos, significa que acabou o estado de graça do Governo? Costa respondeu: “Não estamos em estado de graça”. E disse ser “normal é que haja momentos de contestação social” e que “nem sempre possível haver entendimentos”. Para o primeiro-ministro, a convocação destas greves contraria quem afirmava que os “sindicatos estavam domesticados”.

Desdobrar escalões de IRS

O primeiro-ministro confirmou o que foi avançado na manhã desta quarta-feira pelo ministro das Finanças sobre as alterações aos escalões de IRS, concretamente no segundo escalão, mas sem adiantar detalhes. Tal como Mário Centeno, também António Costa falou na redução da taxa para rendimentos entre o primeiro e o segundo escalão. Questionado sobre se a medida passa pelo desdobramento do segundo escalão (rendimentos entre 7 mil e 20 mil euros anuais, onde se encontra mais de um milhão de agregados familiares), Costa respondeu: “Com certeza”. Mas logo de seguida afirmou que o Governo ainda não tem “a medida fechada”, mas que a intenção é que a alteração permita que “entre o primeiro e o segundo escalões possa haver uma redução de IRS para os rendimentos mais baixos”.

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Costa explicou também que a mexida na receita fiscal terá custos noutros sectores, ou seja “se for reduzida, tem de se diminuir outras despesas ou aumentar outras receitas”.

Sobre reformas, o chefe do Executivo disse que “não existem condições financeiras neste momento para fazer a antecipação de reformas sem nenhum tipo de penalização”, mas acrescentou que espera que no próximo Orçamento do Estado já possa constar uma medida a que o Governo chama de “contrato de geração”, que passa por dar condições às empresas para permitirem que um trabalhador tenha reforma a tempo parcial, desde que “em contrapartida crie um posto de trabalho a tempo inteiro para um jovem”.

A austeridade que ainda existe

José Gomes Ferreira colocou António Costa perante um gráfico com algumas medidas de austeridade que permanecem: os 23% do IVA estão em vigor, os cinco escalões do IRS mantêm-se (eram oito), continuam os cortes na despesa do Estado e os aumentos em determinados impostos como o ISP, o imposto de selo ou o IMI não foram revertidos. Perante a questão sobre se estava a enganar os portugueses sobre o fim da austeridade, António Costa respondeu que a pergunta desqualificava “os portugueses, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa” e disse que “as pessoas não se deixam deslumbrar por passes de mágica. Sabem o que está a acontecer.”

Entretanto, recordou a reposição dos salários e das pensões, e a eliminação da sobretaxa e da Contribuição Extraordinária de Solidariedade. O primeiro-ministro contrapôs que o rendimento dos portugueses aumentou 2,4%. “Nos últimos anos, é o rendimento disponível que tem vindo a aumentar”.

No que respeita à Saúde e às notícias dos últimos dias, António Costa afirmou que no ano passado foram contratadas mais de quatro mil pessoas entre médicos, enfermeiros e auxiliares. E anunciou para breve um concurso para contratar mais 1180 médicos. O primeiro-ministro referiu-se ao corte de 35% nos médicos tarefeiros como “substituição de despesa”. Costa explicou que, “em vez de ter médicos contratados à hora”, iam ser contratados “mais médicos a tempo inteiro nos quadros para reduzir o número de tarefeiros”.

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Crescimento continua em 2017, dívida controlada e Montepio

Sobre o comportamento da economia, o primeiro-ministro entrou naquilo que chamou de “debate” com entrevistador. O jornalista José Gomes Ferreira, garantiu que a economia recuperou a partir dos terceiro e quarto trimestre do ano passado e espera que “continue, demonstrando que é possível crescer, criar emprego e abandonar a austeridade”. Na introdução do tema, o jornalista confrontou Costa com as declarações de Passos Coelho sobre uma suposta imitação pelo atual Governo do seu modelo económico. A resposta de Costa foi irónica:

Passos pode queixar-se de tudo menos que eu o imito. Ele tem o exclusivo das políticas que tem.”

O otimismo de Costa na economia mantém-se quando se fala na dívida pública, com o primeiro-ministro a garantir que “não há uma derrapagem” e que a dívida está acima dos 130% no PIB neste momento devido “à sazonalidade da emissão de dívida” e garantiu que “no fim deste ano a dívida estará nos 127% do PIB que estão inscritos no Orçamento do Estado”.

A entrevista ainda passou pela situação da banca, com Costa a dizer que o que se passou nos últimos anos “foi dos segredos mais bem escondidos no período da troika” e que o seu Governo está a “estabilizar” o problema. Em concreto sobre o Montepio, apesar de não querer “dar parecer” sobre a situação do banco, o primeiro-ministro disse que “é importante para o setor financeiro que haja um banco no setor social”.

Centeno no Eurogrupo: Ronaldo ou Messi?

Já sobre um dos temas que marcou as últimas semanas, a possibilidade de Centeno poder ser presidente do Eurogrupo, Costa foi evasivo. Foi confrontado com a falta de apoios entre os ministros das Finanças da zona euro, mas respondeu com as declarações de Schauble: “A última vez que ouvi falar sobre o assunto foi o ministro das Finanças alemão”. Schauble disse que Centeno era o Ronaldo do Ecofin. Aproveitando a frase, Costa provocou:

Admito que possa ser do partido de Messi, mas eu sou do partido de Ronaldo e o melhor elogio para um ministro das Finanças é dizer que ele é o Ronaldo”.

EDP: primeiro contrato de rendas excessivas será “renegociado” para o ano

António Costa não quis comentar o caso judicial e a constituição como arguidos de António Mexia e de administradores da EDP e da REN, que abalaram a semana. “É a justiça a funcionar. À justiça o que é da justiça”, sentenciou. Mas disse que os CMEC — os contratos classificados como rendas excessivas que parecem estar no centro das investigações — vão ser renegociados. O primeiro-ministro não disse que ia acabar com os CMEC, mas afirmou que “têm um prazo de renegociação com o termo do prazo das concessões”. E anunciou que para o ano vai “renegociar” o primeiro desses contratos, como o Governo tem feito “relativamente a outros institutos desse complexo sistema do setor de energia como a garantia de potência”. Então, explicou que este ano já houve “uma redução de 56% do custo de garantia de potência”.

O primeiro-ministro mencionou ainda a existência de uma grande central solar em Alcoutim, um investimento chinês “sem qualquer tipo de subsidiação”. E recordou que este ano houve “o menor aumento para as famílias na eletricidade desde a liberalização”, tendo a tarifa social abrangido 800 mil famílias.

Acordos para nova “geringonça” só depois de eleições

Perante a pergunta de uma espetadora, que queria saber se António Costa já tem uma “estratégia para governar com maioria absoluta”, o primeiro-ministro explicou que “este Governo tem muitas virtualidades que não se esgotam” na aritmética parlamentar. A solução governativa, “desde que permita bons resultados”, seria de continuar e “deve manter-se”, porque permite “ampliar o espaço da participação democrática”, e reforça a “estabilidade e o progresso”, respondeu o primeiro-ministro. O líder do PS, porém, também disse que “antes das eleições não se justifica um acordo”.

Quanto ao otimismo do Presidente da República sobre o crescimento de 3,2% que Marcelo Rebelo de Sousa mencionou numa conversa com deputados croatas, António Costa apenas comentou: “Acho que o Presidente achou que o meu otimismo atingia esse objetivo moderado. Mas o Presidente da República não estava a anunciar uma medida. Estava numa conversa e foi vítima de uma má pratica: as câmaras aproximaram-se” e gravaram o que estava a dizer. “É uma forma mais refinada de espreitar o buraco da fechadura”, acusou o primeiro-ministro.

Depois da entrevista, em declarações a outro jornalista da SIC, António Costa disse que “este trimestre indica que poderá haver uma aceleração” do crescimento, mas reiterou que o Governo está a trabalhar com o número de 2,8% de crescimento do PIB até ao final do ano.

Sobre se era um homem com sorte, António Costa acha que não e terminou a entrevista com ironia: “Não sou crente, não acredito no transcendente, no acaso, nem no destino. Também não acredito na sorte. Se acreditasse na sorte, ia à Santa Casa ver se me saia a taluda”.