Marcelo Rebelo de Sousa diz que, na relação do Presidente da República com o primeiro-ministro, não tem de haver “confiança pessoal” – “tem de ter uma confiança institucional ou, se quiser, politico-institucional”, diz o chefe de Estado. Em entrevista ao Diário de Notícias, reconhece a tarefa “muito difícil” de Passos Coelho como líder da oposição, depois de quatro anos em S. Bento, e sublinha a importância de uma “oposição forte” no país — porque, a qualquer momento, podem surgir “situações críticas” em que o chefe de Estado tenha de olhar para “alternativas” de Governo.

Na mesma entrevista em que disse que “gostava de não usar a bomba atómica”, o Presidente da República sublinha a ideia de que “os partidos que fazem parte da área do Governo têm de decidir em cada momento ao longo da legislatura se querem ou não durar até ao fim da legislatura”.

E reconhece alguma “desilusão” entre os eleitores que o ajudaram a chegar ao Palácio de Belém, precisamente por não ter recorrido à chamada “bomba atómica”. “Quando, a partir do início de abril, em teoria, eu como presidente poderia ter dissolvido a Assembleia da República – penso que alguns dos eleitores de centro-direita esperaram isso ou desejaram isso ou ansiaram por isso e, nisso, tiveram alguma desilusão”, diz Marcelo. Mas a opção não estava no horizonte.

Isso estava completamente longe do meu pensamento, teria consequências dramáticas em termos do Orçamento do Estado para 2016, que chegariam a termos tais que a situação do país seria verdadeiramente desastrosa”, garante Marcelo, que dá como exemplo as questões sobre a estabilidade no país que lhe são colocadas por empresários e investidores, nas suas deslocações ao estrangeiro.

A palavra de ordem vai para a defesa da “estabilidade política”. Um “exercício difícil” — sobretudo pensando no em que os partidos que apoiam o Governo não integram o executivo — tem de garantir acordo em “documentos fundamentais” a apresentar em Bruxelas, entre os quais o Orçamento do Estado. “Esse acordo, explícito ou tácito, implica um mínimo de coesão interna e um mínimo de força do Governo e dos partidos que o apoiam no parlamento“, refere Marcelo.

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A par dessa coesão governativa, “é importante que as oposições sejam fortes“. Passos Coelho tem em mãos uma “tarefa muito difícil”, enquanto líder da oposição que tem no currículo “quatro anos e meio tão exigentes como aqueles que o Governo teve de defrontar durante a crise”. Mas, sublinha Marcelo, “não há nada pior para um Presidente da República do que não ter dois termos de alternativa fortes” para o caso de “existir uma situação crítica, aguda, insuperável” que obrigue o chefe de Estado a olhar para um “outro termo da alternativa que possa governar o país”.

“Não desdramatizo Tancos. É grave”

Numa das intervenções sobre o assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, o Presidente da República disse que tinha ido “até ao limite” dos seus poderes constitucionais. Agora, na entrevista ao DN, explica que essa afirmação dizia respeito à iniciativa “inédita” de visitar as instalações do Exército quando estava em curso uma investigação criminal sobre o furto de armamento de guerra.

“Poderia, mais simplesmente, esperar fechado em Belém, serenamente, não dizendo nada”, mas não foi essa a opção. Depois dessa visita — em que reuniu com investigadores da Polícia Judiciária Militar encarregues do processo, sobravam questões.

Fiquei com as minhas interrogações e ilações, mas valem o que valem, e que reafirmei a ideia de que tem de ser apurado tudo integralmente, porque é importante esse apuramento”, destaca o Presidente da República.

Marcelo não tem dúvidas. O assalto àquelas instalações militares “é grave” (“eu não desdramatizo Tancos”, atira) e merece que se apurem todos os contornos e responsabilidades. “Pois, se eu digo que se deve investigar factos e responsabilidades, ou há razão para haver responsabilidades ou não há. Se há, há de haver responsáveis. Agora, é preciso esperar”, dando tempo ao Ministério Público que conduza a investigação e se apure responsabilidades — “doa a quem doer”, foi essa a expressão usada numa das primeiras reações.

Nas audições que prestaram perante os deputados, na comissão de Defesa Nacional, o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa e a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna disseram ter sabido do assalto aos paióis através da comunicação social na quinta-feira, 29 de junho, dia seguinte ao furto (a versão de Júlio Pereira foi, no entanto, contestada). Marcelo soube ainda mais tarde.

Tem-se noção da ocorrência do furto na quinta-feira, teria ocorrido de quarta para quinta, na sexta-feira eu tenho conhecimento, porque era função do Comandante Supremo das Forças Armadas receber essa informação, de que estava em curso um relatório preliminar que seria entregue a quem de direito no sábado”, diz o Presidente da República.

O chefe de Estado já tinha uma visita prevista aa regimento de Paraquedistas do Exército, mas a notícia de que os paióis tinham sido assaltados levou-o a antecipar a deslocação.