Vinhos que cheiram a pastilha elástica, a alecrim e até a banha de porco. O baú da memória permite a quem prova vinhos, seja em lazer ou em trabalho, ir buscar os aromas mais insólitos, mesmo quando diante de nós está apenas um tímido branco ou tinto à espera de ser julgado. Nem de propósito, o Observador acompanhou, no passado dia 18 de outubro, o Concurso de Vinhos Grandes Escolhas, prova associada ao evento com o mesmo nome que vai levar à FIL, entre 27 e 30 de outubro, milhares de rótulos para enófilo bebericar.

O tempo agoira lá fora e, cá dentro, faz estremecer os quase 50 provadores que responderam à chamada e rumaram aos Montes Claros, no Parque Florestal de Monsanto. Passam alguns minutos das 09h quando jornalistas, críticos e bloggers de alguma forma ligados ao vinho e à gastronomia, mas também escanções, compradores de vinho e até líderes de opinião, são convidados a sentar de acordo com o mapa das mesas, como se de um casamento se tratasse. Um presidente de mesa é designado, as folhas de prova são distribuídas e os copos enchidos. A missão? Determinar quais os melhores vinhos em prova na feira deste fim de semana.

Entre as 09 e as 13h, sensivelmente, vão ser servidos cerca de 400 vinhos — incluindo 37 espumantes, 190 tintos e 28 fortificados, além de dezenas e dezenas de brancos. Feitas as contas, a média ronda os 40 vinhos por mesa. Servidas as primeiras garrafas, sempre envoltas num pano preto não fosse esta uma prova cega, faz-se uma pausa em conversas mais e menos circunstanciais para se ouvir, quase em simultâneo, um sorver demorado que ecoa pela sala branca. O primeiro gole está dado, mas só depois de copos cheirados e abanados.

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“Começas pelo nariz e acabas na boca. O que vale mais, na minha opinião, costuma ser o final de boca. Um vinho que desaparece rapidamente depois de provado não será um grande vinho”, esclarece António Falcão, jornalista da revista Grandes Escolhas. Foi ele, aliás, quem apurou a ordem dos vinhos a provar, coisa que, tal como a temperatura e a tarimba do provador, pode facilmente influenciar o resultado final — um vinho servido muito frio ou muito quente não permite a sua correta avaliação e uma pessoa com mais experiência vai, mais facilmente, identificar os grandes néctares. “Primeiro damos a provar os vinhos mais jovens e, no final, os mais velhos, mais estruturados.”

Isto de provar vinhos uns atrás dos outros não é tarefa fácil e dá aso a discussões de notas até na mesma mesa — os vinhos são avaliados de 0 a 20. “Cheira a pastilha elástica! Como se fosse aquela do Epa”, diz um dos nossos juízes. A conversa sobre o aroma peculiar continua bem depois de constatarmos, com tristeza, que a pastilha descrita já não vem há algum tempo no fundo do gelado. Mas antes do branco que evoca chicletes já um outro fazia lembrar queijo de cabra — uma comparação igualmente pouco abonatória. Seguem-se néctares com aromas a floresta, alecrim e até a banha de porco; vinhos com excesso de açúcar para disfarçar defeitos e outros muitíssimo elogiados, que dão origem exclamações calorosas: “É um crime cuspir isto!” Os tintos que chegaram à nossa mesa foram particularmente bons e, confessamos, roubaram-nos notas altas.

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Talvez seja penoso “deitar fora” alguns dos vinhos e levá-los de forma pouco elegante à cuspideira, mas o que seria se assim não fosse? Só desta forma é possível avaliar tantos vinhos e ir “à procura do que se gosta”, garante António Falcão. “Cada pessoa tem a sua maneira de provar, alguns ficarão mais saturados da prova e terão mais dificuldade em avaliar um vinho.” Outros, poucos, continua o jornalista, “conseguem provar 100 vinhos e, ainda assim, distinguir os aromas e sabores do 101.º”. João Paulo Martins, num canto oposto da sala e de óculos sobre o nariz, é um deles.

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Os vinhos que vão a concurso vão parar a uma mesa onde são avaliados. Haverá concursos onde os vinhos passam a uma segunda fase e, por isso, serão provados por outra mesa. Tudo isto tem um carácter de subjetividade. Um produtor pode ter a sorte de um vinho ir parar a uma mesa mais benéfica”, explica António Falcão, que não quer com isto dizer que não haja qualidade na estrutura dos concursos, apenas que o elemento da subjetividade é uma realidade. “Alguns dos vinhos com maior notoriedade nunca entraram em concurso. O mesmo acontece lá fora.”

António Falcão, com mais de 15 anos de experiência na área dos vinhos, é também a pessoa encarregue de introduzir quase 1.600 resultados em folhas de cálculo num par de horas, uma vez que numa segunda etapa da prova — chamada finalíssima — são avaliados os melhores brancos, tintos, espumantes e licorosos que passaram pelas mesas (desta vez os rosés ficaram de fora). Quando os cerca de 50 provadores deixaram os Montes Claros naquele dia, já Falcão e a restante equipa sabia quem eram os vencedores. Mistério que só será desvendado esta sexta-feira na feira de vinhos Grandes Escolhas – Vinhos & Sabores.