A noite eleitoral foi agitada e, até certo ponto, imprevisível. O Ciudadanos teve o maior número de votos e deputados, mas não consegue formar uma maioria parlamentar. Já os independentistas conseguem ter deputados suficientes mas, ao contrário do que previam as sondagens, a força política de Carles Puigdemont (Juntos Pela Catalunha) segurou a vantagem face à Esquerda Republicana (ERC). Seguem-se dias de negociação e incerteza: irá a coligação independentista entender-se? E em que moldes?

O que dizem sobre os independentistas

Os jornais espanhóis debruçaram-se sobre esta noite e analisaram-na ao pormenor. As palavras para os independentistas são, na sua maioria, pouco lisonjeiras. O El País, por exemplo, não poupa nas críticas no seu editorial, dizendo que — pese embora tenham maioria parlamentar –, “aos independentistas falta uma maioria social que legitime a rotura, faltam candidatos credíveis e programas de governo claros e coerentes”. Mais do que isso, o diário de Madrid lamenta o facto de o Juntos Pela Catalunha e da ERC estarem na mão da CUP, de extrema-esquerda, já que dependem dos seus quatro deputados para formar maioria. “Uma vez mais, a CUP, uma das forças anti-sistema mais radicais da Europa democrática, tem a chave da maioria absoluta. Tendo em conta a experiência da legislatura anterior, Puigdemont e Junqueras devem calibrar até que ponto vale a pena atirarem-se para os seus braços sabendo, como se sabe, que se trata de uma caminho já experimentado e sem retorno.”

Também a partir de Madrid, o El Mundo questiona-se em editorial de onde vem o sorriso de Puigdemont, já que “tal como a corrupção não se depura nas urnas, o banco dos réus continua à espera dos acusados por rebelião e sedição”. “O previsível é que se reedite a conjunção no poder das três siglas que levaram a Catalunha a esta situação. O previsível, portanto, é que uma unilateralidade regressada volte a dar de caras com o 155.”

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É preciso ir até ao catalão Ara para encontrar quem rejubile com o resultado dos independentistas. “No momento de voltar a sentar-se à mesa da soberania, Puigdemont terá a força para fazer o que sempre repetiu na campanha: restaurar o Governo que foi interrompido por Mariano Rajoy”, reflete o colunista Xavier Bosch. “Nenhum independentista deixou de o ser.”

O que dizem sobre o Ciudadanos e o PP

Quase todos os editoriais e colunas de opinião são unânimes em apontar Inés Arrimadas e o seu Ciudadanos como vencedores da noite eleitoral, embora não consigam provavelmente formar Governo. Pedro Ramírez, diretor do El Español, classifica a sua vitória como “histórica”, mas as palavras mais elogiosas são provavelmente as do editorial do El Mundo: “Uma força que nasceu há uma década devido ao engate entre o bipartidarismo e os nacionalistas, decidida a combater de frente a ideologia que considera a Catalunha como sendo sua propriedade, proclamou-se vencedora em votos e em mandatos pela primeira vez na História da autonomia catalã”, escrevem. “Inés Arrimadas é a política mais votada da Catalunha: foi-o inclusivamente na aldeia de Junqueras.”

O jornal catalão El Periódico arrisca mesmo dizer que esta pode ser uma mudança permanente à direita. “A rotunda vitória do Ciudadanos no bloco não-nacionalista agrava um problema já revelado nos comícios de 2015: visualizou-se com maior claridade como, com a aceleração da corrupção, pode ser possível e provável uma liderança à direita que converta os laranjas em força de Governo e os azuis num partido de apoio“, escreve o colunista Antón Losada.

O colunista do El País Javier Ayuso deixa mesmo um aviso a Mariano Rajoy, tendo em conta os maus resultados do Partido Popular: “Deve perguntar-se se o fracasso se deve somente ao candidato ou também pela falta de projeto. E não só na Catalunha.” Também o editorial do El Mundo classifica o “descalabro” do PP como merecendo “um comentário aparte”. “Os [apoiantes] de Rivera perfilam-se como o futuro do centro-direita espanhol”, vaticina.

O que dizem sobre o futuro

No seu editorial, o El País admite temer sobre o futuro da região — e do país. “A tentação [para os independentistas] de converter esta maioria absoluta em combustível para o conflito político e social está aí”, escreve o diário espanhol.

Bosch, no Ara, é mais otimista. “Ontem, a Catalunha expressou-se e colocou todos no seu lugar”, resume. No entanto, admite que tudo pode ter mudado para que tudo ficasse igual. “Para ser breve e curto, estamos onde estávamos há dois anos”, diz.

Já Pedro Ramírez, no El Español, não tem dúvidas: “O que está em causa é a própria existência de Espanha”, diz. Para o diretor, só há uma solução, que passa pela convocatória de eleições nacionais. “Só assim é possível ter um Governo à altura do desafio.”