Os eleitores russos preparam-se para reeleger no domingo, para um quarto mandato, o Presidente Vladimir Putin, num escrutínio assinalado pelas críticas da oposição interna e uma crescente crispação com os países ocidentais.

Putin, 65 anos, deverá assumir sem surpresa o quatro mandato presidencial após a sua primeira eleição em 2000, para além de ter assumido o cargo de primeiro-ministro entre 2008 e 2012. Nos primeiros dois mandatos presidenciais Putin cumpriu quatro anos, em cada um, à frente do Kremlin, tendo a duração dos mandatos sido ampliada para seis anos a partir de 2012.

As eleições ocorrem num momento em que a Rússia é alvo de sanções britânicas, em reação ao envenenamento em Inglaterra do ex-agente duplo russo Serguei Skripal, num caso que parece ter confirmado o regresso de uma nova Guerra Fria desde o regresso de Putin ao Kremlin, em 2012.

O conflito sírio, a acusação de ingerência nas presidenciais norte-americanas e a crise ucraniana — com a anexação da península da Crimeia após o referendo de março de 2014 — são cenários que têm justificado um crescente clima de tensão, e que implicaram no último caso a adoção de duras sanções internacionais pela União Europeia e Estados Unidos.

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Mas foi precisamente na Crimeia, perante dezenas de milhares de apoiantes, que Putin encerrou na quarta-feira a sua campanha, referindo-se à reposição de uma “justiça histórica” e apelando à rápida conclusão da ponte rodoviária e ferroviária de 19 quilómetros que vai unir, ainda em 2018, a península à Rússia continental.

Da longínqua Kamchatka, no leste, ao enclave de Kaliningrado, a oeste, cerca de 107 milhões de eleitores do imenso país com 11 fusos horários vão começar a votar às 08h00 locais, ainda sábado à noite no ocidente. As últimas assembleias de voto devem encerrar às 18h00 de domingo (hora de Lisboa).

A última sondagem do instituto público VTsIOM dava a Putin 69% das intenções de voto, com larga vantagem face aos restantes candidatos. Pavel Groudinine, do Partido Comunista, está creditado com 7% a 8%, e o ultranacionalista Vladimir Jirinovski deve garantir entre 5% e 6%. Os restantes cinco concorrentes terão resultados residuais.

O grande ausente da eleição presidencial é o opositor número um do Kremlin, Alexei Navalny, o único com capacidade de mobilizar dezenas de milhares de pessoas, acusado pelas autoridades de “repetida violação” da lei sobre a organização de manifestações e proibido de concorrer ao escrutínio devido a uma antiga condenação judicial, que considera encenada pelo Kremlin.

Navalny apelou ao boicote eleitoral e convocou no final de janeiro concentrações em dezenas de cidades russas numa “greve de eleitores”, onde foram denunciados diversos atentados à livre expressão. Na quinta-feira, a Amnistia Internacional (AI) também censurou as autoridades russas pelo sistemático desrespeito dos direitos de ativistas políticos, incluindo a restrição das manifestações públicas e “detenções administrativas” que se podem prolongar por um mês, em particular dirigidas contra Navalny e apoiantes.

“Esta campanha eleitoral tem sido assinalada por ataques generalizados contra os críticos do Presidente Putin, e as represálias destinadas a intimidar e reduzir ao silêncio os ativistas da oposição intensificaram-se à medida que se aproxima o dia da votação”, indicou Denis Krivosheev, vice-diretor da AI para a Europa de Leste e Ásia Central.

Já a Comissão eleitoral central russa garantiu que as eleições de domingo vão ser livres, e negou que o Kremlin tenha ordenado uma taxa de participação elevada para legitimar a prevista reeleição de Putin.

“O ocidente pode reconhecer ou não as eleições presidenciais, mas o importante é que sejam reconhecidas pelo nosso povo”, assinalou Ella Pamfilova, presidente da Comissão eleitoral durante um encontro na terça-feira, em Moscovo, com media estrangeiros.

Com a eleição de Putin praticamente assegurada, a taxa de participação será o principal “barómetro” deste escrutínio. O Kremlin empenhou-se nesta campanha, para um objetivo que os media resumiram pela fórmula “70-70”: 70% de participação e 70% de votos para Putin.

Segundo Andrei Bouzine, co-presidente do Golos, um movimento especializado na defesa dos direitos dos eleitores e citado pela agência France-Presse, pelo menos 40 mil câmaras de videovigilância vão ser colocadas em assembleias de voto para evitar supostas fraudes. Por sua vez, a Comissão eleitoral revelou que estão acreditados 1.400 observadores estrangeiros.

Apesar dos esforços do Kremlin, as estimativas de participação permanecem abaixo das expectativas. O centro de sondagem independente Levada sugeriu entre “57%-58% a participação e 67%-68% os votos em Putin”, equivalente à última eleição, enquanto o VTsIOM situa a taxa de participação entre 63% e 67%.

Na semana passada, em entrevista à cadeia televisiva norte-americana NBC, Vladimir Putin garantiu que não pretende alterar a Constituição para se manter no poder. Assim, este seu quarto mandato será o último, e quando diversos observadores da política interna russa consideram que o presidente vai também dedicar-se desde agora a designar, e a preparar, o seu sucessor.