Foi chamada a prestar depoimento no julgamento do caso Fizz por ser administradora do Banco Privado Atlântico Europa (BPAE), mas Graça Proença de Carvalho é também filha do advogado Proença de Carvalho — cujo nome tem sido referido pelo principal arguido do processo, o magistrado Orlando Figueira a ser julgado por corrupção.
Descontraída, assim que se sentou perante o coletivo de juízes, o juiz perguntou-lhe se sabia porque estava sentada naquela cadeira. “Estou aqui como testemunha”, respondeu a gestora de empresas. “Sim, mas sabe porquê?”, atirou o juiz Alfredo Costa. “Soube em 2016 quando fizeram buscas ao Banco Privado Atlântico e o constituíram arguido”, respondeu.
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As frases do dia
“Soube [de Orlando Figueira] em 2016 quando fizeram buscas ao Banco Privado Atlântico e o constituíram arguido”, Graça Proença de Carvalho.
“Fui presidente do Comité de Crédito deste banco até agosto de 2017, tendo em conta que à data não teríamos mais de 20 operações e crédito, e que o Comité analisa as propostas comerciais e do Departamento de Risco… Sendo eu administradora e presidente do Comité é natural que tenha estado na origem da aprovação deste crédito”, Graça Proença de Carvalho.
Decisões importantes
O arguido Paulo Blanco pediu que a revogação das medidas de coação de que é alvo (proibição de contactos com elementos do DCIAP e pessoas ligadas ao processo Fizz). Nenhum advogado se opôs e o Ministério Público pediu cinco dias para se pronunciar.
Quem foi ouvido
A administradora do Banco Privado Atlântico Europa, Graça Proença de Carvalho.
Quando é a próxima sessão
A 4 de abril, depois das férias judiciais, pelas 14h00.
A administradora do BPAE desde a sua fundação, em 2009, garantiu esta quinta-feira em tribunal que foi só naquele momento, em 2016, que tomou conhecimento de um cliente chamado Orlando Figueira, que tinha sido magistrado do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e que estava a ser investigado por alegadamente ter sido corrompido pelo então vice-presidente angolano, Manuel Vicente — com dinheiro pago através de uma conta aberta no BPAE para esse efeito.
Ainda assim, Graça Proença de Carvalho admite que o crédito de 130 mil euros que foi concedido em inícios de 2012 pelo BPAE ao magistrado, sem qualquer garantia — e que o Ministério Público (MP) acredita ter sido uma tranche de um suborno pago por Manuel Vicente — tenha passado pelas suas mãos. “Fui presidente do Comité de Crédito deste banco até agosto de 2017, tendo em conta que à data não teríamos mais de 20 operações e crédito, e que o Comité analisa as propostas comerciais e do Departamento de Risco… Sendo eu administradora e presidente do Comité é natural que tenha estado na origem da aprovação deste crédito”, explicou.
— Mas era costume conceder créditos sem garantias?, perguntou depois a procuradora do MP, Leonor Machado.
— Não posso dizer isso porque não tínhamos tantas operações assim. Temos as contas caucionadas para as empresas e os mútuos para particulares. Neste caso existiam condições, havia um compromisso do cliente de passar a ter uma relação com o banco, que é o que nós queremos. Não é só fazer uma operação de crédito, a ideia é procurar que o cliente transaccione com o banco em maior expressão. Ele trouxe uma carteira de títulos [30 mil dólares], respondeu Graça Proença de Carvalho.
O advogado Rui Patrício esclareceu então se a concessão do crédito estaria relacionada com o facto de o magistrado poder trazer para o banco outros clientes, também eles magistrados. “Isso pode ser o ponto de vista comercial. Para nós não é só isso. Independentemente do que se passou em 2008 com a banca portuguesa, a regulação tem sido cada vez mais exigente. Vai abrir uma conta no banco e escrutinam a sua vida toda e das pessoas ligadas a si. E temos outros parâmetros, outros conhecimentos… Os bancos sabem mais das nossas vidas do que às vezes nós próprios”, explicou.
A testemunha respondeu sempre que nunca alguém lhe deu indicação para tratar Orlando Figueira de especial forma. “Nem Manuel Vicente, nem Carlos Silva [presidente do Conselho de Administração do BPA]?”, perguntou-lhe a advogada Carla Marinho. “Não”, garantiu a administradora.
Recorde-se que, apesar do MP acusar Manuel Vicente de ter corrompido Orlando Figueira, o magistrado tem justificado sempre que os 760 mil euros que recebeu se devem a um contrato de trabalho celebrado com Carlos Silva, com vista a trabalhar em Angola, um contrato que nunca chegou a ser cumprido. O magistrado defende-se ainda dizendo que a revogação desse contrato foi acordada com o próprio advogado do banqueiro Carlos Silva, Daniel Proença de Carvalho.
As ligações de Carlos Silva à família Proença de Carvalho
Graça Proença de Carvalho admitiu em tribunal que foi o próprio Carlos Silva quem, através do Banco Privado Atlântico Angola, lhe propôs integrar o projeto de criar um banco em Portugal. “O banco foi criado como banco de investimento e a estratégia era financiar empresas angolanas que quisessem investir em Portugal ou empresas portuguesas que quisesse exportar para a Angola”, explicou. Foi por isso que integrou a administração da empresa que viria a deter o Banco Privado Atlântico Europa, a Atlântico Europa SGS — empresa cujo primeiro presidente do conselho de administração foi Manuel Vicente. Quando o convite surgiu estava a deixar o trabalho num banco francês. “E não podia ficar sem entidade patronal”, explicou.
— O Dr Carlos Silva tem alguma amizade, além da relação profissional, com o seu pai?, perguntou-lhe a procuradora do MP pouco depois.
— Penso que sim, respondeu Graça Proença de Carvalho.
Também o juiz Alfredo Costa pediu esclarecimentos sobre a participação do seu irmão na empresa Ifogest. “Conhece o Francisco Proença de Carvalho?”, perguntou. “Sim, é o meu irmão”, respondeu. O magistrado queria saber porque é que o nome do também advogado aparece nos quadros da empresa Ifogest — empresa esta do pai de Carlos Silva que serviu para contratar recursos humanos para o BPAE antes de este ter licença bancária. “Não sei”, respondeu a gestora de empresas.
Outra resposta negativa foi relativamente à empresa Primagest — aquela com quem Orlando Figueira diz ter celebrado contrato para abandonar a magistratura e que está no centro do processo. O MP diz que esta é uma empresa de Manuel Vicente. Os arguidos dizem que não e tentam provar que pertence a Carlos Silva. “Desconheço”, respondeu Graça Proença de Carvalho.
Blanco pede revogação das medidas de coação
Antes da entrada de Graça Proença de Carvalho, a defesa de Paulo Blanco pediu que as medidas de coação ainda impostas ao arguido fossem revogadas. Recorde-se que o advogado está proibido de contactar com todas as figuras ligadas ao processo Fizz, com magistrados e funcionários do DCIAP e com elementos da PJ que tenham estado neste processo.
Recentemente o MP pediu ao Tribunal da Relação que entre as medidas de coação fosse retirada a cédula profissional ao arguido, por se suspeitar que continuasse a representar personalidades ligadas ao processo. O Tribunal admitiu parcialmente o recurso, proibindo o arguido de ser advogado de personalidades ligadas ao processo, mas permitindo continuar a exercer advocacia. No requerimento agora apresentado em tribunal, Paulo Blanco lembra que representa sim o general Kopelipa, mas que este não está relacionado com o processo. E pede que as medidas de coação a que ainda está a obrigado sejam revogadas, uma vez que já não existindo arguidos presos o processo também já não goza de especial complexidade.
No final, a defesa de Paulo Blanco pediu ainda que fossem ouvidas novas testemunhas que atestam que Blanco não podia movimentar as contas da Sonangol — como alegam os investigadores, ligando-o assim a Manuel Vicente.