Quando Paulo Futre tem uma câmara, um microfone, um gravador ou simplesmente um ouvido atento para o que vai dizer, é muito provável que saia mais uma história digna de livro, dos tempos em que era jogador (e o antigo internacional já tem dois). Exemplo prático? No último ano, ao programa El Chiringuito de Jugones, contou como acabou por recusar o Real Madrid.

“Estava a jogar no Marselha quando surgiram as suspeitas de corrupção no clube. Estávamos em todas as finais e, de um momento para o outro, descemos. Deixaram-me falar com outros clubes e primeiro que surgiu foi o Real Madrid. Começámos a negociar a transferência e tive que falar com Jesús Gil porque tinha uma cláusula de regresso ao Atl. Madrid. Chegámos a um acordo e só faltava dizer que sim. Com os diretores do Real na minha sala e quase com a caneta na mão, decidi ir tomar banho e depois pensei pela primeira vez na minha família. Não me lembrava que tinha jogado pelo Atlético. Como vão viver os meus filhos? Pensei que era impossível. Então aproximei-me dos dirigentes e disse, ‘Sinto muito, mas não posso assinar’. Ficaram chateados. Penso que sou o único jogador a dizer que não ao Real Madrid com tudo já pronto e decidido”, contou.

Estávamos nos anos 90, mas é na década anterior, mais concretamente em 1987, que se centram muitas dessas histórias. Afinal, foi no final dessa temporada que coroou pela primeira vez o FC Porto como campeão da Europa que Futre deu o salto para o estrangeiro, mais concretamente para o Atl. Madrid. E só aconteceu por causa de uma finta ao Inter e outra de… Mário Soares.

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“Foi o Mário Soares que me safou da tropa. Era para entrar ao serviço a 1 de setembro de 1987, em Castelo Branco, ós que não podia, já tinha assinado com o Atlético e a minha vida estava a mudar. Fui à embaixada de Portugal em Madrid e falei com o Mário Soares pelo telefone. Na primeira vez, ele queria que regressasse a Portugal; à segunda, já não. Disse-me que era uma honra anunciar-me como primeiro português a ter estatuto de atleta de alta competição. Como resultado, ia ter um adiamento de oito anos do serviço militar. Disse-me: ‘Tens de prometer-me uma coisa: triunfa por Portugal'”, recordou ao Observador.

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“Somos campeões europeus em Viena, em 1987, e o FC Porto negoceia-me, primeiro com o Inter. Era eu e o Scifo, os desejos do presidente Pellegrini. Até fomos jantar a casa dele e tudo. Eu, Jorge Nuno [Pinto da Costa] e D’Onofrio. Depois apareceu entretanto o Atl. Madrid, com o Gil y Gil. Ele queria contratar-me e nem sabia quem eu era. Quando nos cruzámos pela primeira vez, ele aproximou-se de mim, olhou para os meus chinelos que diziam Futre e abanou a cabeça, como quem diz “Ah, és tu” (…) Ainda hoje penso no dia em que me contratou: de manhã, estava feito para o Inter; à tarde, estava numa discoteca em Madrid a ser apresentado a cinco mil pessoas. O Gil y Gil aceitou todas as condições do FC Porto e também as minhas. Quando digo todas, é todas. Mesmo. Nem desviou uma vírgula. Como a história do Porsche: pedi e ele deu-me”, acrescentou.

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Mas ainda havia mais uma história no baú de recordações, provavelmente uma história que o próprio até pode desconhecer: como conta Francesc Aguilar no Mundo Deportivo desta quinta-feira, o canhoto que foi considerado o segundo melhor jogador do mundo em 1987, esteve nesse ano muito perto de se transferir para o… Barcelona.

“Escreveu-se muito sobre o primeiro contrato assinado pelo Barcelona num guardanapo, por Carles Rexach [como aconteceu na transferência de um miúdo chamado Lionel Messi em dezembro de 2000]. Mas o mais curioso é que esse episódio já tinha ocorrido em 1987 com Paulo Futre como protagonista. Nessa altura, era presidente do Barça Josep Lluís Núñez e foi a Viena, Áustria, para assistir à inesquecível final da Taça dos Campeões Europeus entre FC Porto e Bayern, com o mítico golo de calcanhar de Rabah Madjer”, começa por escrever.

“No final do jogo, Josep Lluís Núñez, acompanhado do dirigente Anton Parera, negociou com o presidente do FC Porto, Jorge [Nuno] Pinto da Costa para assinar com Futre. Foi durante uma refeição improvisada numa cervejaria, numa mesa num loft no local. Chegaram a um acordo e o dirigente do Barcelona, para evitar surpresas posteriores, porque sabia que vários clubes europeus estavam atrás do génio do Montijo, propôs ao seu homónimo plasmar isso num documento e, na impossibilidade de fazer de outra forma, o acordo ficou plasmado num guardanapo de papel, com as assinaturas de Josep Luís Núñez e Jorge [Nuno] Pinto da Costa e rubricado por Agustín Domínguez, que descanse em paz, secretário geral da Real Federação Espanhola de Futebol e membro da UEFA e da FIFA, que testemunhou a operação, junto ao mencionado Anton Parera”, contou.

O que falhou então para que a transferência não se concretizasse? O então treinador dos blaugrana, o inglês Terry Venables, que em setembro seria despedido (chegara em 1984) dando lugar a Luís Aragonés. “Não via com interesse a contratação do craque português. Foi chover sobre o molhado porque já tinha recusado Marco Van Basten, que chegava livre do Ajax, e Hugo Sánchez [n.d.r. que em 1985 trocou o Atl. Madrid pelo Real] para assinar com Steve Archibald”, destaca. Mais do que um capítulo no livro aberto de histórias de Paulo Futre, este episódio podia ter mudado e muito toda a carreira do ex-jogador.