Dificilmente encontramos um objeto do mundo da moda que congregue em sim uma carga simbólica tão forte. O lenço é esse bocado de pano colorido que protegia a cabeça e o rosto das tribos nómadas do deserto, que tapava com pudor os cabelos atraentes da jovens raparigas, que escondia a cabeça das mulheres e homens durante os rituais religiosos como signo de obediência ao divino. O lenço que cobria os ombros das donzelas nas noites frias e depois impedia que o penteado se desfizesse nos passeios a cavalo ou nos descapotáveis velozes. Do bíblico Cântico dos Cânticos a Audrey Hepburn, da poesia medieval, a Grace Kelly, passando, claro, por toda a tradição rural da Rússia ao Alentejo, onde o lenço protegia do sol e dos dias árduos, e sem esquecer os admiráveis Hermès, o lenço é o objeto que atravessa a história da humanidade e dos seus povos. Usá-lo é ainda e sempre cumprir um ritual que nos transcende.

No ano em que passam 100 anos sobre o nascimento de Amadeu Souza-Cardoso, vale a pena homenageá-lo usando uma das suas imagens ao pescoço © Divulgação

Foi pensando nesses atributos que Teresa Bacalhau decidiu, em 2014, criar a Antiflop, não apenas uma marca portuguesa de lenços de luxo mas uma marca feita de Portugal, dos seus artistas plásticos, das imagens e imaginários da sua cultura antiga e recente. A ideia não era apenas criar um produto que vendesse, mas um produto que “não falhasse” e aí nasce o nome da marca, como contou ao Observador a fundadora e criativa da marca. Assim, os lenços da Antiflop trazem o mesmo estatuto de raro e irrepetível de uma obra de arte: cada coleção que reproduz a obra de um artista português tem que ter a autorização do autor ou dos seus herdeiros. São eles que definem quantos exemplares se podem fazer e que, por fim, aprovam o resultado final.  “Cada peça é feita com recurso à impressão digital, mas a imagem ou parte dela tem que ser impressa num ângulo e tamanho que não distorçam a obra original. Antes de serem replicados, os lenços também têm que ser aprovados pelo artista, ao qual, em geral, também pagamos direitos de autor”, explica Teresa Bacalhau.

Depois de muitos anos a trabalhar na indústria da moda, a Antiflop representa o trabalho a solo de Teresa que aqui reúne vários aspetos da arte e da moda de que gosta — o design, a investigação, a comunicação. A marca divide-se em duas coleções: a linha Arte, que utiliza obras de artistas como José de Guimarães, Nadir Afonso, Sofia Areal, Amadeu Souza Cardoso, João Feijó e Vanessa Teodoro. A criadora avança que está em negociações com Paula Rego, Graça Morais e Cargaleiro.

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Paralelamente, a marca tem a linha Iconic, que parte de imagens simbólicas da história e da cultura portuguesas: entre elas está um lenço com a saudosa nota de 100 escudos com a figura de Fernando Pessoa, o mapa de Portugal desenhado pelo primeiro cartógrafo português (Fernando Álvaro Seco, século XVI), a calçada portuguesa, as desaparecidas bonecas de papel que se recortavam e vestiam e capas de jornais extintos.

Paper Dolls é um objeto de nostalgia que faz parte da linha Iconic da Antiflop © Divulgação

Cada lenço Antiflop raramente têm mais de 150 exemplares e alguns já estão esgotados. Há cinco formatos de lenço diferentes com preços que vão dos 86 aos 185 euros, consoante o tamanho. Os lenços são feitos em crepe de seda e as echarpes em caxemira e micromodal, uma fibra natural.  As criações de Teresa Bacalhau já chamaram a atenção de vários museus nacionais, para os quais já criou coleções exclusivas, como é o caso da Fundação Calouste Gulbenkian e do Museu da Marinha.

Vestir, no sentido de cobrir a pele com arte portuguesa, tirá-la das intocáveis paredes dos museus e colocá-a no pescoço, nos cabelos (atenção que este verão usar um lenço como bandolete ou usá-lo para prender um rabo-de-cavalo são tendências incontornáveis), mas também como pareô, como top, como pulseira, como adereço para a mala são possibilidades que a Antiflop nos dá sem corrermos o risco de ver metade do país a usar igual. Vale a pena espreitar, por exemplo, as propostas de @brisagasilva, que consegue transformar lenços e echarpes em mil coisas diferentes.

A obra de Sofia Areal permitiu fazer lenços de geometrias rétro, perfeitas para colocar no pescoço, com um nó lateral © Divulgação

Para além do site da marca Antiflop, os lenços podem ser admirados e adquiridos no Museu Nacional de Arte Contemporânea e na Loja das Meias (Lisboa), no Museu Soares dos Reis e na Fundação de Serralves (Porto) e na Nove Séculos (Guimarães).

Nome: Antiflop
Data: 2014
Pontos de venda: loja online, Museu Nacional de Arte Contemporânea e na Loja das Meias (Lisboa), no Museu Soares dos Reis e na Fundação de Serralves (Porto) e na Nove Séculos (Guimarães)
Preços: 86€ a 185€

100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.