O Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues homologou esta quinta-feira o parecer jurídico que tinha sido pedido pelo deputado social-democrata Feliciano Barreiras Duarte sobre os subsídios pagos aos deputados em função da residência que declaram. Tal como noticiou o Observador, Feliciano esteve 10 anos a receber ajudas de custo da Assembleia da República como se morasse no Bombarral, tendo no entanto residência fixa em Lisboa. O parecer dos serviços jurídicos da Assembleia é claro nesse aspeto, e contraria o deputado: “o domicílio fiscal não serve como critério”, lê-se.

“Podendo não haver coincidência entre o domicílio fiscal e o local de residência habitual do sujeito passivo, aquele domicílio, porque especificamente relacionado com questões de natureza jurídico-tributária, não serve como critério para integrar os conceitos de residência e de residência efetiva”, pode ler-se no parecer agora homologado pelo presidente da Assembleia da República.

Feliciano mora em Lisboa mas recebeu do Parlamento como se vivesse a 83 km

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em causa estão as situações, amplamente noticiadas, de deputados que declaram uma morada que afinal não é de facto a sua morada habitual para assim poderem receber mais ao fim do mês em subsídios de deslocação e ajudas de custo. O parecer tinha sido solicitado à auditora jurídica da Assembleia da República para “densificação do conceito de residência de deputado, em função do círculo eleitoral da sua eleição, esclarecendo, do ponto de vista do exercício do mandato parlamentar, qual é a morada relevante – se a fiscal ou a não fiscal”.

Em março passado, Feliciano Barreiras Duarte demitiu-se do cargo de secretário-geral do PS, devido ao acumular de polémicas relativas à sua carreira académica e às ajudas de custo que recebeu como deputado. No comunicado onde explicava a demissão, o deputado anunciava que iria pedir a Ferro Rodrigues um parecer jurídico para “clarificar os benefícios e ajudas de custo aos deputados”, instando ainda os serviços do Parlamento a criarem “uma metodologia de acolhimento aos deputados que não permita situações de dúvida nas informações prestadas”. Feliciano defendeu que sempre declarou a morada fiscal por achar que era a mais correta.

O parecer agora conhecido, que dedica mais de 20 páginas a explicar a diferença jurídica entre os conceitos de domicílio fiscal e domicílio habitual, conclui, no entanto, que não é ao Parlamento que cabe fiscalizar se os deputados estão ou não a declarar a morada certa. “Não incumbe aos serviços da Assembleia da República averiguar (fiscalizar) qual é, na realidade, o local de residência efetiva (habitual) do deputado, sendo a ele que incumbe declarar, para os efeitos em causa, qual é, em cada momento, essa residência”, continua a ler-se.

Um ordenado, cinco abonos: afinal quanto pode ganhar um deputado

De acordo com o parecer da autoridade jurídica da Assembleia da República, carimbado por Ferro Rodrigues, “o critério legal para atribuição de subsídios e de ajudas de custo é o critério da residência efetiva (residência habitual)“, não tendo “qualquer relevância o facto de o deputado ter casa própria em Lisboa, a menos que o deputado aí tenha residência efetiva (ou habitual), fazendo dela o seu centro de vida pessoal e familiar e não meramente ocasional”. Ou seja, o que conta para efeitos de atribuição de subsídios de ajudas de custo por deslocação é a morada onde o deputado tem o seu centro de vida pessoas e familiar.

O parecer ainda equaciona um cenário onde o deputado tenha mais do que uma residência habitual, onde viva de “forma estável”, passando aí a bola para o próprio deputado, e ilibando os serviços da Assembleia da República. É, portanto, ao deputado que cabe indicar qual das residências deve ser considerada. “Nesse caso, incumbe ao deputado indicar qual dessas residências deve ser considerada, em cada momento, quer para efeitos de atribuição dessas compensações pecuniárias, quer para efeito de devolução de montantes que não correspondam a despesas efetivamente realizadas”.

Em todo o caso, o parecer esclarece, à atenção dos deputados, qual deve ser o entendimento jurídico de “residência” para fins de atribuição de subsídios de deslocação: “Os conceitos de residência e de residência efetiva correspondem à residência habitual do deputado — ou seja, o local onde o deputado tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida”.