Muitas vezes, o incentivo ou a motivação dados por alguém são fundamentais para conseguirmos atingir um objetivo. Outras, o dar apenas um pequeno sinal é suficiente para acreditarmos que o que parecia impossível afinal não é assim tanto. Foi mais ou menos isto que aconteceu na transferência de Ronaldo do Real Madrid para a Juventus por mais de 100 milhões de euros.

Há poucas semanas, deviam ser poucos aqueles que acreditavam na mudança do português de Espanha para Itália. Nem os próprios responsáveis bianconeri pensavam que o melhor do mundo pudesse trocar Madrid por Turim, mesmo depois do jogador ter posto o mundo do futebol com as antenas no ar na final da Liga dos Campeões. “Foi muito bonito estar no Real Madrid”, disse em Kiev, minutos depois dos merengues terem derrotado o Liverpool por 3-1.

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Mas era demasiado bom para ser verdade, deviam estar a pensar os homens que mandam na Juventus (apesar de dinheiro não ser problema, entenda-se). Foi então que João Cancelo começou a ser negociado entre o Valencia, depois de ter sido cedido ao Inter, e a Vecchia Signora, algo que acabou por abrir as portas do Allianz Stadium ao capitão da Seleção Nacional. Quem o disse foi Beepe Marotta, o diretor geral da Juventus, numa entrevista ao Corriere della Sera.

Tudo começou quando começámos a negociar com o João Cancelo, que tem o mesmo agente do Ronaldo [Jorge Mendes]. Queremos expressar a máxima satisfação e felicidade por termos assegurado a sua contratação. Estou feliz, muito feliz. Cristiano Ronaldo foi o primeiro a acreditar nisto. Ele escolheu a Juventus e quando percebemos que poderíamos aproveitar a oportunidade, os acionistas do clube concordaram e apoiaram a transferência”, destacou o dirigente.

No fundo, quase que se pode dizer que o rapaz que começou no Barreirense e subiu a pulso pela formação do Benfica até chegar ao Valência e ao Inter foi quem acendeu o rastilho que acabou por estender a “passadeira branca e preta” a Ronaldo e à Juventus. Agora vai jogar com CR7 em Turim e também já mereceu os elogios de Marotta, quando a sua ida do Valência para a Juventus ainda era só um rumor: “João Cancelo é um ótimo jogador”.

Nasceu no Barreiro em 1994 e foi no clube da terra que começou a jogar futebol. A qualidade que demonstrou desde miúdo despertou o interesse do Benfica, que ainda hoje diz ser “o clube do coração”. A sua mudança para o Seixal aconteceu em 2008, no último ano do escalão iniciados, e o Benfica ainda pagou alguma coisa ao clube do Barreiro, revelou Manuel Ribeiro, antigo diretor da formação dos encarnados, ao Diário de Notícias em 2016: “Ele tinha 14 anos e estava muito bem referenciado pelo nosso departamento de scouting. Fui eu a conduzir as negociações e lembro-me de que não foram muito fáceis, mas lá convencemos o Barreirense a libertá-lo, a troco de uma compensação financeira”.

Esteve oito anos no Benfica, brilhando nos escalões de formação e ajudando, por exemplo, o Benfica a conquistar o campeonato nacional de juniores em 2013, quando marcou dois golos ao Rio Ave na última jornada. Meses antes, João Cancelo viveu um dos momentos mais difíceis da sua vida. Em janeiro, o carro onde seguia com a mãe e com o irmão despistou-se na A2, perto do Fogueteiro. A mãe acabou por morrer e o jogador demonstrou a dor que sentia através das redes sociais: “Estou morto por dentro e perdi a razão de viver”.

Nessa mesmo época (2012/2013), Cancelo já começava a ser chamado para jogar na equipa B – fez 20 jogos – e na época seguinte continuou o percurso na equipa secundária dos encarnados, jogando em 31 partidas e marcando um golo. Até participou em dois jogos da formação principal nesse ano, contra o Gil Vicente (jogou oito minutos na Taça da Liga) e contra o FC Porto (jogou 62 minutos na última partida do Campeonato no Estádio do Dragão, quando o Benfica já tinha assegurado o título). Sobre ele, Hélder Cristóvão disse que foi “talvez o melhor jogador que já passou pelo Benfica B”.

Criámos uma relação muito boa. Fui sempre suportando algumas ‘birrinhas’ do João. É talvez o melhor jogador que já passou pelo Benfica B. Ele consegue sair de qualquer situação: ou de pé esquerdo ou de pé direito, ou por dentro ou por fora. Teve alguns conflitos internos com ele mesmo, superados no Valência. Fiz uma aposta com ele em Braga de que ele seria um dos cinco melhores laterais do mundo. Vai chegar lá”, afirmou numa entrevista à BTV no ano passado.

João Cancelo foi titular e jogou 62 minutos no último jogo da época 2013/2014, contra o FC Porto. Foram os únicos que fez com a camisola do Benfica para o Campeonato (MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

No verão de 2014 trocou o Benfica pelo Valencia a troco de 15 milhões de euros. Foi na equipa che que viveu alguns dos melhores momentos da carreira, apesar de ter passado por situações mais conturbadas, como aquela que aconteceu em abril de 2017 depois de marcar o terceiro golo da equipa contra o Deportivo da Corunha: Cancelo fez um gesto como se estivesse a mandar calar os adeptos e recebeu como resposta um coro de assobios. No fim do jogo pediu desculpa: “Estou a passar mal psicologicamente mas as pessoas não têm culpa. É algo pessoal e quero pedir desculpa pelo gesto”.

Apesar de tudo, o balanço da passagem por Valencia foi positivo e a despedida no último jogo que fez pelo clube antes de se mudar por empréstimo para o Inter (em agosto de 2017) ajuda a ilustrar a forma como a equipa che marcou o jogador. No final do jogo contra o Las Palmas no Estádio Mestalla, João Cancelo não conteve as lágrimas: “Têm mais um adepto. Vou torcer sempre pelo Valência”, disse.

Esteve a última época em Milão, onde participou em 28 jogos. Nos nerazzurri escolheu a camisola número sete, mas não por ter sido a mesma que Luís Figo usou quando passou pelo Giuseppe Meazza: “Eu sei que era usada pelo Figo, um dos melhores jogadores portugueses, mas não quero imitar ninguém. Escolhi o 7 porque é o dia da data de nascimento da minha mãe”.

O Inter até podia ter exercido a opção de compra mas não o fez e o facto de nunca lhe terem dito nada deixou o jogador um pouco triste, como o próprio admitiu numa entrevista a O Jogo: “Que esperava mais, esperava. Esperava que o Inter, pelo menos, me dissesse alguma coisa no final da época: ‘Olha não temos dinheiro para te comprar, boa sorte para o teu futuro’, mas não aconteceu. Ninguém me disse absolutamente nada, mas reconheço que o Inter foi um passo muito importante na minha carreira”.

Esteve a última época emprestado ao Inter pelo Valência. No final do empréstimo, os nerazzurri não exerceram a opção de compra e João Cancelo acabou por ir para a Juventus (Gabriele Maltinti/Getty Images)

Durante esse ano foi criticado pelo histórico ex-jogador do clube Giuseppe Bergomi, que disse que não pagaria 35 milhões por um jogador como Cancelo, por ser inconsistente do ponto de vista defensivo. Na mesma entrevista, o novo companheiro de Ronaldo explicou o que sentia.

Não me importa nada que me critiquem, até fico mais picado com as críticas, e todos podem ter a sua opinião, mas um ex-jogador falar mal de outro em público acho feio. É feio falar mal de um jogador que joga no clube onde tu jogaste, eu nunca vou fazer isso”, salientou o internacional português.

Não quis o Inter ficar com ele quis a Juventus, que pagou cerca de 40 milhões de euros. A transferência foi oficializada no passado dia 27 de junho e mais uma vez João não esqueceu a mãe, publicando uma mensagem nas redes sociais: “Foste a pessoa que mais me motivou a conseguir alcançar esta meta na minha vida. Toda a força que tinhas quando cá estavas continuas a transmiti-la para mim daí de cima. Tudo por ti, MÃE”.

Foi apresentado na passada quinta-feira, quatro dias antes de Cristiano Ronaldo entrar pela primeira vez no estádio da Juventus. Questionado sobre se a contratação do capitão da Seleção Nacional pode ter sido o passo que faltava para os bianconeri ganharem a Liga dos Campeões, João Cancelo disse apenas que é um objetivo: “Com o Cristiano Ronaldo é um objetivo, claramente, mas não é uma obrigação. Há equipas ao nível da Juventus que podem competir por essa prova”.

Não foi convocado por Fernando Santos para o Mundial e diz que, apesar de ter ficado com pena, espera conseguir voltar a convencer o selecionador com as exibições ao serviço da Vecchia Signora: “Fiquei com pena de não participar, todos sonham estar [no Mundial]. Agora, se me correr bem e se jogar bem num grande clube como a Juventus, com muita visibilidade, talvez seja mais fácil chamar a atenção e se possam abrir as portas da Seleção”.