Em 2016, Robert Redford tinha anunciado que ia arrumar as botas de actor, depois de entrar em mais dois ou três filmes. Esta semana, Redford, que faz 82 anos no dia 18, disse que desta é que é de vez: vai abandonar a representação, embora não ponha de parte continuar a realizar (e não são poucas as fitas de qualidade que já assinou, como “Gente Vulgar”, “Duas Vidas e um Rio”, “Quiz Show” ou “A Lenda de Bagger Vance”). O seu último filme será “The Old Man & the Gun”, de David Lowery, baseado na história real de Forrest Tucker, que se evadiu da penitenciária de San Quentin aos 70 anos e deu uma série de golpadas a seguir. (Estreia em Portugal a 8 de Novembro).

O seu amigo e colega Gene Hackman, que por sua vez meteu a reforma em 2004, disse certa vez: “Quando começou a ser conhecido e a ter sucesso, o Robert achou que tinha necessidade de mostrar aos estúdios e aos produtores que não era só mais um galã, um tipo bonito e com boa presença. Mas na realidade isso não era preciso, porque além de ser uma estrela de cinema à antiga, ele é também um raio de um belo actor [“a damn fine actor”]. E são duas coisas que nem sempre andam juntas neste negócio”.

Esse carisma inefável que muitos reivindicam mas muito poucos têm, acentuado pelos seus “good looks” californianos de ascendência britânica, e um mais que consumado ofício de actor, conjugam-se para que Redford seja uma das últimas grandes figuras de Hollywood das quais se pode dizer, como antes dele se disse de um Clark Gable, um Gary Cooper, um John Wayne ou um Paul Newman, ter atingido um estatuto tal, que independentemente de quem interprete, faz sempre de Robert Redford. Ele tornou-se maior que as suas personagens e absorve-as ao chamá-las a si.

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Além do Redford actor, realizador e produtor, do Redford “padrinho” do cinema independente americano, graças ao Sundance Institute, ao Festival de Sundance e ao Sundance Channel, há ainda o Redford símbolo da estrela de cinema de sensibilidade “liberal” (isto é, “progressista”, nos EUA), activista de causas políticas, filantrópicas e do meio ambiente, o que também contribui para o polimento da sua imagem cinematográfica. Mas é do Robert Redford actor, a despedir-se da profissão após 56 anos (o primeiro filme em que entrou foi “War Hunt”, em 1962, era John F. Kennedy presidente dos EUA), que estamos a tratar. E aqui estão os doze melhores filmes que fez nessa condição.

“O Estranho Mundo de Daisy Clover”

de Robert Mulligan (1965)

A estrela desta fita é Natalie Wood, no papel do título, uma maria-rapaz que, nos anos 30, sai do nada para se tornar na favorita de Hollywood e tem que arcar cedo demais com o peso do sucesso (é um daqueles filmes em que Hollywood se auto-flagela). Mas quem ganhou o Globo de Ouro de Melhor Esperança Masculina foi Robert Redford, com a sua interpretação descontraída mas não leviana do galã bissexual que casa com a heroína.

“A Flor à Beira do Pântano”

de Sydney Pollack  (1966)

Co-escrito por Francis Ford Coppola a partir de uma peça em um acto de Tennessee Williams, este filme foi o primeiro de vários que Robert Redford faria com Sydney Pollack, e junta-o de novo – e com soberbos resultados dramáticos – com Natalie Wood numa história passada mais uma vez nos anos 30, durante a Grande Depressão, no Sul dos EUA.  Redford é um funcionário dos caminhos de ferro que vem encerrar a linha de uma cidadezinha sulista, e Wood a rapariga “white trash” pela qual se apaixona.

“Dois Homens e um Destino”

de George Roy Hill (1969)

Primeiro filme de Robert Redford a contracenar com Paul Newman, que o estabeleceu em definitivo como uma estrela, e que o actor escolheu para fugir à imagem de “galã louro estereotipado” que temia que os estúdios lhe impusessem. E não podia ter escolhido melhor do que este “western” cómico e crepuscular, onde o seu Sundance Kid lacónico e de pontaria sobrenatural se dá como Deus e os anjos com o extrovertido e turbulento Butch Cassidy de Paul Newman. O carisma de ambos a fazer de simpáticos foras-da-lei é o explosivo combustível da fita.

“Os Corredores da Montanha”

de Michael Ritchie (1969)

Um dos melhores filmes menos conhecidos de Robert Redford, que interpreta Dave Chappellet, um esquiador que consegue um lugar na equipa olímpica dos EUA graças á lesão inesperada de outro atleta. Chappellet revela-se um tipo solitário, muito competitivo, de poucas falas e escasso espírito de equipa, que Redford personifica com brilhante reserva, escondendo-nos sempre algo da sua personalidade. É uma das figuras mais antipáticas e esquivas que incarnou em toda a sua carreira. Gene Hackman faz o seu grande rival no grupo.

“As Brancas Montanhas da Morte” (1972)

de Sydney Pollack

Sam Peckinpah ia ser o realizador, com Clint Eastwood no papel de Jeremiah Johnson, o antigo militar que se refugiou nas montanhas do Oeste selvagem para viver sozinho da caça. Mas Peckinpah e Eastwood não se davam bem, e o argumento foi parar ao colo de Robert Redford, que contactou Sydney Pollack para o dirigir naquele que seria um dos seus filmes maiores, a aventura real de um homem instalado no meio da natureza mais agreste, e que tem que se haver não só com os índios como também com a tropa a que um dia pertenceu. Um papel poderosamente emblemático e a contrapelo da sua imagem.

“O Candidato”

de Michael Ritchie (1972)

Mesmo sendo um Democrata convicto, Robert Redford não abdicou de espetar umas valentes farpas no seu partido em “O Candidato”. Ele personifica Bill McKay, um político que concorre a governador da Califórnia numa campanha que todos no partido dizem ser impossível de vencer, e que McKay aproveita para divulgar os seus valores. Mas as sondagens vão mostrando que poderá ter uma oportunidade de ganhar, e a máquina do partido encarrega-se de lhe tornar o discurso, e a imagem, mais e mais moderados e convencionais. Redford interpreta McKay como um idealista gradualmente ultrapassado por quem lhe controla a campanha, fazendo passar toda a ironia, cinismo e hipocrisia que circulam em seu redor.

“A Golpada”

de George Roy Hill (1973)

Redford, Paul Newman e George Roy Hill voltaram a juntar-se para mais um grande sucesso do cinema industrial de qualidade que Hollywood era exímia em fazer. Redford e Newman interpretam dois “bons malandros”, exímios vigaristas que, durante a Grande Depressão, querem dar o golpe das suas vidas a um perigoso “gangster” de Chicago. Mais uma vez, e tal como em “Dois Homens e um Destino”, Redford (que teve aqui a sua única nomeação ao Óscar de Melhor Actor) e Newman levam o filme (imaculadamente escrito e realizado, e cheio de óptimos segundos papéis) a reboque, sempre com o ar de quem não está a fazer o menor esforço.

“Os Três Dias do Condor”

de Sydney Pollack (1975)

Este “thriller” de espionagem que pôs Robert Redford de novo sob a direcção de Sydney Pollack, foi um dos primeiros da onda niilista de “spy movies” da Guerra Fria nos anos 70, que mostra os “nossos” como sendo tão implacáveis e amorais como o inimigo comunista que combatem. Redford é um analista de informações da CIA que se torna no único sobrevivente de um misterioso massacre na secção de Nova Iorque em que está colocado. A intriga é forçada e inverosímil, e ideologicamente masoquista, mas Redford faz um papelão no agente em fuga que tem de se servir do material secreto na sua posse, e das ligações que tem no meio, para perceber o que se passou e ficar vivo.

“Os Homens do Presidente”

de Alan J. Pakula (1976)

Robert Redford é Bob Woodward e Dustin Hoffman incarna Carl Bernstein, os dois jornalistas do “The Washington Post” que investigaram o Caso Watergate e causaram a resignação de Richard Nixon, o Presidente dos EUA, em 1974. Alan J. Pakula assina aqui um dos grandes filmes de jornalismo da história do cinema, contado como se fosse um policial, e em que Redford e Hoffman acabam por se confundir com os jornalistas que personificam.  Ambos passaram várias semanas na redacção do “Post”, para que o seu retrato de Woodward e Bernstein, e do trabalho de investigação jornalística, num tempo em que não havia Internet e tudo tinha que ser feito por telefone e com muito pé na rua, fosse o mais realista e convincente possível.

“África Minha”

de Sydney Pollack (1985)

Não é um dos melhores filmes de Pollack, parecendo-se por vezes perigosamente com um anúncio de férias exóticas de luxo em registo de nostalgia colonial; e a personagem que Robert Redford interpreta, o caçador e africanista Denys Finch-Hatton, era na verdade inglês. Só que por vezes o cinema é mais real e parece mais verdadeiro que a vida, e assim, o Finch-Hatton tapeado de Redford e a Karen Blixen de Meryl Streep, formam em “África Minha” um dos maiores pares românticos na tradição do cinema clássico.

“Uma Vida Inacabada”

de Lasse Hallstrom (2005)

E aqui temos um Robert Redford maior num filme menor. Contracenando com Jennifer Lopez e Morgan Freeman neste melodrama familiar, e interpretando o sogro da personagem de Lopez, que culpa pela morte do filho num acidente de automóvel, Redford transforma o seu papel numa aula de representação. E os espectadores só reparam que ele a deu quando a ficha técnica está a passar no final. Não há um gesto, um movimento, uma emoção, uma expressão, uma palavra a mais ou a menos na sua interpretação de um velho e amargurado fazendeiro que tem de lidar de repente com a nora que despreza e com a neta que mal conhece.

“Quando Tudo Está Perdido”

de J.C. Chandor (2013)

Sozinho num veleiro, e no própria história, Robert Redford tem, nesta fita de um novo realizador, um dos mais impressionantes papéis de toda a sua carreira.  O barco colide com um porta-contentores, deixando náufrago o seu único ocupante, que procura manter-se vivo no meio do oceano em condições cada vez mais adversas. Num papel quase todo mudo, Redford transforma a sua personagem, referida apenas como “O Nosso Homem”, num símbolo da vontade e da capacidade de sobrevivência do homem, mesmo na pior e mais desesperada das situações. E já tinha 77 anos quando fez este filme fisicamente exigentíssimo.