Uma semana depois de o governo de Nicolás Maduro ter reconvertido a moeda nacional — com a introdução do bolívar soberano, que tirou nada menos do que cinco zeros à moeda anterior, o bolívar forte –, o presidente venezuelano continua a surpreender nas tentativas de fazer frente à grave crise económica em que a Venezuela mergulhou. Esta segunda-feira, propôs-se a vender lingotes de ouro aos venezuelanos, anunciando a medida como sendo parte de novo plano para ajudar as famílias a poupar. Depois, colocou polícias e militares armados a patrulhar os supermercados do país para obrigar os comerciantes a baixar preços de bens essenciais.

“Estou preparado, tenho vários milhares de peças de ouro para que o povo poupe em ouro”, afirmou o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, num discurso durante o congresso anual do Partido Socialista Unido da Venezuela. A ideia, explicou, é que o plano de poupança seja certificado pelo banco central venezuelano e que o ouro vendido seja de produção nacional (da região de Guayana).

Para os potenciais compradores dos chamados “lingoticos”, que surgem anexados a um cartão de plástico, Maduro explicou logo as condições e os custos: haverá, para os “trabalhadores”, uma lâmina de 1,5 gramas que custará 3,7 mil bolívares (cerca de 54 euros), e ainda uma outra, mais pesada, de 2,5 gramas, que custará 6,3 mil bolívares (o equivalente a 90 euros). Problema: o “lingote” mais pequeno custa o dobro do salário mínimo nacional, o que faz com que seja muito difícil para a generalidade dos venezuelanos aderir ao plano de poupança de Maduro.

Segundo acrescentou depois no Twitter, o “plano de aforro em ouro será feito com muita seriedade”. “Este ouro é nosso, da nossa terra Guayanesa. Agradeço a toda a equipa económica do governo e aos nossos companheiros além-fronteiras por nos darem excelentes ideias”, disse. Mais tarde explicaria ainda que o plano de aforro em ouro, que se “dirige especialmente aos pensionistas e trabalhadores de todo o país”, entrará em vigor no próximo dia 11 de setembro, altura em que ficarão à venda os tais lingotes de ouro.

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A medida surge num momento em que a Venezuela está mergulhada numa grave crise económica, com uma inflação galopante. Há uma semana, a 20 de agosto, entrou em vigor o chamado “Paquetazo rojo” (pacote vermelho), com uma série de reformas económicas para reverter a crise. Uma delas passava pela criação de uma nova moeda no país, ligada à criptomoeda Petro, criada no início do ano como parte de um esquema para indexar a moeda ao valor do preço internacional do barril de crude, fazendo os preços depender dos recursos naturais como o petróleo, o ouro, os diamantes ou o gás natural.

Polícia a controlar preços nos supermercados

A reconversão da moeda, contudo, foi antecedida por uma das maiores desvalorizações cambiais de sempre: o bolívar caiu cerca de 96%, passando de 285 mil por dólar para 6 milhões por dólar. A nova moeda, a que se chamou bolívar soberano (em oposição ao bolívar forte), tira cinco zeros ao bolívar antigo e passa a valer 3,6 mil bolívares (o equivalente a 60 dólares). Para atenuar estas mudanças drásticas ao nível dos preços, o pacote vermelho de Maduro incluía também uma subida de 3.500% do salário mínimo nacional: de 5.196.000 bolívares para 180.000.000 bolívares (de 1,14 euros para o equivalente a 39,50 euros).

Acontece que, uma semana depois de ter entrado em circulação o novo bolívar soberano, e mesmo depois de Maduro ter ordenado que os preços dos bens essenciais congelassem, a situação não melhora: os preços continuam a escalar, com uma hiperinflação galopante, e as prateleiras dos supermercados continuam vazias. Do ponto de vista dos cidadãos compradores, segundo reporta o El Mundo, à confusão de ter de pagar com a nova moeda juntou-se esta semana o nervosismo pelo intenso controlo de preços que a polícia e os militares começaram a fazer porta a porta.

É que o executivo de Maduro ordenou a polícias e militares armados que fizessem inspeções apertadas nos estabelecimentos comerciais para obrigarem a baixar os preços dos produtos considerados essenciais. A operação, segundo o El Mundo, resultou em cerca de 200 detidos e 500 comerciantes sancionados por alegada especulação, alteração de preços e “boicote” à economia.

O Fundo Monetário Internacional estima que a hiperinflação que a Venezuela tem enfrentado desde outubro do ano passado deverá continuar a subir para 1.000.000% até ao final do ano.