Várias centenas de manifestantes protestaram esta segunda-feira, alguns atirando pedras, contra a incúria dos poderes públicos, após o incêndio que destruiu esta madrugada o Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Cerca de 500 estudantes e investigadores ligados ao museu, a maioria dos quais vestidos de negro, concentraram-se em frente aos escombros ainda fumegantes do edifício para “abraçar” o antigo palácio imperial do século XIX. Antes, manifestantes lançaram pedras aos polícias e forçaram a entrada do recinto do Museu, gritando “Fora Temer!”, dirigindo-se ao Presidente brasileiro.

Não basta chorar. É preciso que a população se indigne. Uma parte desta tragédia poderia ter sido evitada”, declarou Alexandre Keller, diretor do museu. “O Governo deve ajudar o museu a reconstruir a sua história”, acrescentou, apontando o dedo à falta de fundos destinados à conservação do museu, devido a cortes orçamentais.

O Presidente, Michel Temer, anunciou esta segunda-feira, em comunicado, a criação de um fundo financiado por um grupo de empresas públicas e privadas para permitir “a reconstrução do museu o mais brevemente possível”. A UNESCO lamentou “a maior tragédia dos últimos tempos para a cultura brasileira” e denunciou “a fragilidade dos mecanismos de preservação dos bens culturais” no país.

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Considerado o maior museu de História Natural da América Latina, o Museu Nacional, que celebrou em junho o seu bicentenário, albergava cerca de 20 milhões de peças de valor incalculável e uma biblioteca de mais de 530.000 títulos.

Entre as peças inestimáveis transformadas em cinzas, está uma coleção egípcia, uma outra de arte e de artefactos greco-romanos, coleções de paleontologia — que incluíam o esqueleto de um dinossauro encontrado na região de Minas Gerais, bem como o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, “Luzia”.

Um dos únicos vestígios preservados foi o enorme meteorito com mais de cinco toneladas, que continua em frente à entrada, agora sozinho no meio de cinzas e paredes calcinadas. Após ter passado uma boa parte da noite a combater o incêndio, que deflagrou no domingo à noite, os bombeiros tentaram salvar o que podia ser salvo.

“Pensamos que objetos guardados num cofre no terceiro andar deverão estar intactos”, afirmou Gustavo Lourenço, funcionário do museu. Antônio Gambine Moreira, responsável do planeamento e finanças da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que gere o museu, indicou que algumas peças que estavam na cave puderam ser resgatadas, mas sublinhou que se trata de uma parte insignificante do acervo, referindo “uma perda incomensurável”.

Eu vim dizer adeus”, comentou um estudante que participava numa manifestação, antes de abraçar um colega, ambos comovidos até às lágrimas. “É o Brasil inteiro que desaparece em fumo, é uma catástrofe indescritível para aqueles que defendem a história e a cultura”, declarou Valeria Rivera, técnica de restauro, que trabalhava no museu desde 2012.

O editorial do jornal O Globo condenava uma “tragédia previsível”: “A degradação do museu e a sua transformação em cinzas fazem soar de forma estridente o alarme para a necessidade de redefinir as prioridades orçamentais”.

Mergulhado numa dívida pública abissal e em sucessivos escândalos de corrupção, o Brasil, que sai timidamente de uma recessão histórica, efetuou nos últimos meses muitos cortes orçamentais nas áreas da investigação, da cultura e da ciência. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, reconheceu que “a tragédia poderia ter sido evitada” e que, no museu, “os problemas se foram acumulando ao longo do tempo”.

Há três meses, por ocasião do bicentenário, o Museu Nacional obteve um financiamento de 21,7 milhões de reais (cerca de 4,51 milhões de euros) do banco público BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) para contribuir para o restauro do edifício. Em 1978, um incêndio dramático tinha já destruído o Museu de Arte Moderna do Rio, carbonizando nomeadamente algumas telas de Picasso e Miró.