Não é a primeira vez que o diz, mas esta tem outro valor, por ter sido dita em plena baía de Luanda. A ida de António Costa a Angola comprova que o “irritante” desapareceu mesmo, depois de o processo judicial que envolve o ex-vice presidente, Manuel Vicente, ter sido transferido para a justiça angolana.

“Eu tive, ao longo deste ano, três encontros com o presidente João Lourenço, outros tantos com o ministro Manuel Augusto [dos Negócios Estrangeiros], e deixámos claro que as relações políticas eram excelentes, as relações económicas muito boas, e que havia um pequeno irritante que estava a complicar a vida e o nível de relacionamento entre os dois países, mas uma vez ultrapassado, está tudo bem”, disse o primeiro-ministro aos jornalistas durante um passeio na capital angolana.

O braço de ferro entre a justiça portuguesa e Angola terminou em maio deste ano, depois de ter sido tornada pública a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo Operação Fizz, de transferir o processo para Luanda, como a justiça de angolana queria. “É a demonstração de que vale a pena confiar no regular funcionamento das instituições judiciais para assegurar a boa aplicação da lei”, disse Costa nessa altura, afirmando-se “feliz” por “o único irritante que existia nas relações entre Portugal e Angola” ter desaparecido.

Em causa está a Operação Fizz, um processo no qual o antigo vice-presidente angolano e ex-líder da petrolífera Sonangol foi acusado de ter corrompido o procurador Orlando Figueira, para que este arquivasse dois inquéritos. Desde o primeiro momento que as autoridades angolanas consideravam que a parte relativa a Manuel Vicente deveria ser transferida para Angola, enquanto a Procuradoria Geral da República defendia a permanência do processo em Lisboa.

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Foi no meio desse impasse judicial que o primeiro-ministro, António Costa, se encontrou pela primeira vez formalmente com o chefe de Estado angolano, a 29 de novembro do ano passado, durante a Cimeira União Europeia/África. “Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político, e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas”, disse na altura. Seguiu-se outro encontro, em janeiro deste ano, em Davos, na Suíça, mas tudo estava na mesma. Só em maio é que o processo foi formalmente transferido para Angola e o “irritante” desapareceu.

Costa: “Ao longo destes dez anos, em todos os momentos difíceis, Angola não nos virou as costas”

A agenda desta segunda-feira de António Costa incluiu um encontro com a comunidade portuguesa a viver em Luanda, onde o primeiro-ministro falou novamente sobre a relação entre os dois países. “Este futuro conjunto vale a pena ser construído em conjunto porque Portugal necessita do investimento angolano, do mercado angolano, para o seu melhor desenvolvimento. Acho que precisamos uns dos outros para, neste mundo globalizado, dar dimensão àquilo que é a nossa própria dimensão europeia e à dimensão africana de Angola”, disse António Costa.

O primeiro-ministro acrescentou ainda que “Portugal e Angola têm o estrito dever de pôr ao serviço deste ciclo as suas capacidades, o facto de partilharem uma língua comum, o facto de terem estes laços humanos que existem e a capacidade económica que cada vez mais têm demonstrado”, ressalvando que “tal como em todas as relações, a vida não é sempre linear”.

“A existência desta grande ponte entre Portugal e Angola é uma enorme segurança para todos nós. Sabermos que há sempre um novo ponto de abrigo, há sempre um novo espaço de oportunidades, há sempre novas condições para construirmos a esperança. Ao longo destes dez anos, em todos os momentos difíceis, Angola não nos virou as costas e em todos os momentos difíceis que Angola viveu, nós não viramos as costas”, acrescentou António Costa.