O PS e o Bloco de Esquerda vão dar resposta às duas preocupações levantadas pelo Presidente da República quando vetou, no início de agosto, o alargamento do exercício do direito de preferência por arrendatários. O prazo para a entrada de projetos de alteração ao decreto vetado termina esta quinta-feira e os partidos de esquerda têm negociado a possibilidade de uma iniciativa conjunta, mas ainda não chegaram a acordo. O que já está certo é que ambos querem manter o direito de preferência alargado, mas excluindo que possa ser exercido em arrendamentos para atividade comercial. Além disso, o proprietário vai ser obrigado a dizer o valor do imóvel sobre o qual o direito pode ser exercido.

“As proposta vai ao encontro dos dois pedidos de clarificação do Presidente da República”, diz ao Observador o deputado socialista João Torres. “Estamos a trabalhar para que a proposta seja conjunta e maioritária” acrescenta a deputada do BE Maria Manuel Rola que também diz que “o intuito e o esforço que está a ser feito é para responder ao veto com soluções para as duas questões” de Marcelo.

O decreto, aprovado pelo PS, PCP, BE, Verdes e PAN, pretendia dar resposta aos casos em que os inquilinos vivem em propriedade vertical e que, por isso mesmo, estão impedidos de usar o direito de preferência quando o proprietário quer vender o imóvel em que residem. Marcelo vetou as pretensões da maioria de esquerda e devolveu o decreto ao Parlamento com duas razões específicas que tanto PS como BE querem agora clarificar:

  1. No decreto, estava aberta a possibilidade de recurso ao direito de preferência não só para arrendamentos de natureza habitacional, como também para arrendamentos de imóveis dedicados a outras atividades. O Presidente considerou que, estando em causa a “defesa do direito à habitação”, não se justificava deixar a hipótese em aberto também para inquilinos de espaços comerciais, por exemplo. PS e BE vão limitar o direito de preferência aos imóveis para habitação;
  2. O decreto indicava que, ao ser exercido o direito de preferência, o proprietário tinha de ser informado do valor do imóvel. Ora, sendo a propriedade vertical, o proprietário não estava obrigado a dar o valor do imóvel concreto, podendo dar o valor do prédio, por exemplo. Os critérios de avaliação para o exercício do direito de preferência também serão clarificados na proposta de alteração que vai entrar esta quinta-feira, assumem PS e BE.

O PS diz que as alterações que decorrem do veto não invalidam que o partido “possa alterar outras normas que possam melhorar a qualidade do diploma”, mas sem tocar na questão do direito de preferência. Já o BE não vê “necessidade de alterar outras especificações do decreto”, só se forem “para o clarificar”, detalha a deputada: “Queremos trabalhar no espírito da lei aprovada”. O PCP também está nestas negociações, mas foi impossível contactar os comunistas até à hora em que este artigo foi publicado.
Só esta quinta-feira ficará definido se a esquerda avança em conjunto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Marcelo Rebelo de Sousa veta lei que dá preferência a inquilinos na compra de casa

O projeto inicial era do Bloco — foi depois substituído por um texto conjunto que acabou aprovado pela esquerda — e surgiu depois de o partido ter recebido várias queixas de inquilinos que residem em prédios que pertencem à Fidelidade. A seguradora decidiu vender património em vários pontos do país, sem dar aos inquilinos a possibilidade de exercerem o direito de preferência sobre as frações onde residem. O facto de se tratarem de prédios constituídos em propriedade vertical protegia as intenções da Fidelidade. O veto presidencial atrasou a entrada em vigor da lei e a seguradora tem avançado com vendas, sem que os inquilinos tenham direito de preferência. Em causa estão 2.085 frações residenciais.

Na semana passada, alguns dirigentes do Bloco de Esquerda vieram atacar publicamente o Presidente, atribuindo-lhe interesse no negócio que está a ser concretizado pela seguradora. E isto porque o veto impossibilitou que o direito de preferência já estivesse em vigor à data de algumas das vendas. Agora, o PS sublinha que, mesmo que estas situações se mantenham, “este diploma não prevê a aplicação retroativa a operações desta natureza”.

Casas da Fidelidade. Bloco diz que houve “manobra da Presidência” no veto

Na altura do veto, Marcelo Rebelo de Sousa veio explicar que a sua decisão foi “política” e não “jurídica. E isto porque, nesse dia, tinha sido noticiado que o Presidente teria sido assessorado por um sócio de uma firma de advogados que presta serviços a fundos imobiliários. Marcelo veio sacudir essa intenção garantindo que o veto que usou “foi político. Eu não usei um veto jurídico. Aliás, não usei até agora nenhuma vez um veto jurídico, isto é, mandar para o Tribunal Constitucional por dúvidas de inconstitucionalidade”.