O duelo entre Sporting e Qarabag era o primeiro entre equipas portuguesas e azeris, mas, olhando para a história longínqua do pentacampeão do Azerbaijão e para o passado recente dos leões, era possível encontrar um elo em comum: ambas chegavam a Alvalade depois de atravessar períodos de guerra.

Devido a um conflito entre a República Socialista do Azerbaijão e a República da Arménia, que, oficialmente, teve o seu início em fevereiro de 1988, a história do Qarabag está manchada pelos confrontos sangrentos e uma guerra que, embora já tenha sido dada como terminada, continua a assombrar a cidade fantasma de Agdam, de onde é originária a formação azeri.

Ficha de jogo

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Sporting-Qarabag, 2-0

1.ª jornada do grupo E da Liga Europa

Estádio Alvalade, em Lisboa

Árbitro: François Letexier (França)

Sporting:  Salin; Rostovski, Coates, Mathieu (André Pinto, 75′), Acuña; Battaglia, Gudelj, Bruno Fernandes; Nani (Jovane, 86′), Raphinha e Montero (Diaby, 90′)

Suplentes não utilizados: Renan, Bruno Gaspar, Petrovic e Mané

Treinador: José Peseiro

Qarabag:  Vagner; Medvedev (Huseynov, 62′), Huseynov, Rzezniczak, Guerrier; Diniyev (Michel, 58′), Garaev, Zouir (Abdullayev, 68′), Ozobic, Madatov; Emeghara

Suplentes não utilizados: Halldórson, Mammadov, Agolli e Delarge

Treinador: Gurban Gurbanov

Golos: Raphinha (54′) e Jovane (88′)

Ação disciplinar: Cartão amarelo para Madatov (33′)

A jogar na capital do país, Baku, desde 1993, devido à impossibilidade de utilizar o seu estádio sob risco permanente de serem atingidos por um qualquer bombardeamento ocasional, os atletas do Qarabag superaram o contexto onde se encontravam e têm vindo a brilhar a nível nacional e internacional, com cinco campeonatos consecutivos arrecadados e sucessivas presenças nas competições europeias a preencherem o currículo do melhor clube azeri.

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E é aqui que a história do Qarabag se cruza com a do Sporting: não, Lisboa não é alvo de bombardeamentos e, muito menos, cenário de guerra. Mas, a verdade é que olhando para o passado recente dos leões, o clima de guerra, conflitos e preocupação com a integridade física é bastante familiar. E a história até teve início depois de uma partida da Liga Europa, a 5 de abril, depois de o Sporting perder em Madrid frente ao Atlético.

O filme já é conhecido da família sportinguista e conta com publicações do ex-presidente Bruno de Carvalho, respostas do plantel verde e branco e uma infame invasão à Academia de Alcochete, onde jogadores foram ameaçados e agredidos. No início do verão, parecia o fim do futebol do Sporting, com jogadores a rescindirem, treinadores que duravam alguns dias e um presidente que ninguém sabia quem era ou viria a ser.

No meio de todo este cenário, surgiu José Peseiro como comandante das tropas e líder de uma caminhada que, até agora, pode surpreender quem acompanhou de perto os últimos meses do Sporting. Jogadores voltaram, o treinador estava encontrado e, hoje em dia, Frederico Varandas assumiu o papel de número um dos leões, o presidente do clube. Em termos desportivos, os leões somam três vitórias e um empate (em casa do rival Benfica) para o Campeonato e um triunfo na Taça da Liga.

O Qarabag marcava a estreia na terceira competição da época, ultrapassado que parece o episódio de Alcochete, com a concentração leonina totalmente dentro das quatro linhas. Fora delas, José Peseiro até podia ter memórias de uma outra guerra, disputada em 2005 e perdida em casa frente aos russos do CSKA. Mas era dia de afastar definitivamente toda e qualquer recordação negativa, para jogadores e treinadores e começar a construir uma outra narrativa europeia. 

E o Sporting assim o fez, com Gudelj a estrear-se no meio-campo leonino e Mathieu de regresso ao onze, após lesão. A primeira batalha europeia contava com Acuña no lugar de Jefferson e o reforço croata na zona central do terreno, capaz de conferir capacidade de combate.

O primeiro aviso surgiu do central francês, num lance de estratégia: livre direto cobrado por Mathieu e boa defesa de Vagner a impedir que o tiro do leão fizesse as primeiras baixas no lado azeri.

Se o relvado de Alvalade fosse um campo de batalha, poderia pensar-se que a metade verde e branca estava minada, tal a escassez de jogadores lá presentes. O encontro disputava-se no meio-campo defensivo do Qarabag, com os leões a terem domínio territorial, posse de bola alargada, mas poucas ou nenhumas ideias para furar as trincheiras azeris.

Só de bola parada o Sporting levava perigo às redes de Vagner e era Mathieu o elemento em destaque, com um remate bloqueado pela defesa e um cabeceamento que passou perto do alvo, ambos na sequência de pontapés de canto, a não passarem de tiros de pólvora seca.

Com poucas ideias ofensivas, era mesmo o defesa francês quem aparecia a fazer de extremo e a inspirar os leões com um pormenor subtil a tirar um adversário da frente junto à linha e a cruzar rasteiro para o desvio de calcanhar de Montero. Ficou perto de acontecer um golo de antologia em Alvalade, mas o ex-Boavista Vagner voltou a segurar o Qarabag ao nulo e evitou a obra de arte do colombiano, em cima do intervalo.

O segundo tempo começou com um filme igual ao do primeiro, com os leões a terem muita bola, mas poucas ideias. E o deserto de inspiração parecia persistir, até que apareceram Nani e Raphinha a revolucionar o argumento: o capitão recebeu a bola no flanco direito, levantou a cabeça e colocou o esférico direitinho no segundo poste, onde apareceu o brasileiro a desviar para o primeiro da partida.

Estava feito o mais difícil, que era desbloquear o marcador. Em vantagem, os leões obrigavam o Qarabag a sair da toca e esticar-se no terreno, o que resultava em espaço nas costas da defesa azeri. Mas foram os visitantes a assustar Salin, depois de uma perda de bola de Gudelj, com Emeghara a obrigar à defesa do guarda-redes francês.

Aos 75′, a primeira baixa para os leões, com Mathieu, em evidência no plano defensivo, mas, sobretudo ofensivo, a ressentir-se da lesão muscular que o afastou dos relvados nos últimos jogos e a ceder o seu lugar a André Pinto.

À falta de inspiração dos avançados, continuavam a ser os defesas quem subia até à área contrária para tentar a sua sorte, como Ristovski exemplificou ao desviar um cruzamento de Bruno Fernandes ao lado do alvo, antes de ser o próprio internacional português a rematar, mas também sem a melhor direção.

Aos 86′, Peseiro lançou Jovane para o lugar do capitão Nani; apenas dois minutos depois, percebeu que o acerto estava sentado no banco: no primeiro toque na bola, o jovem produto da formação leonina aproveitou um excelente trabalho de Montero (recuperou a bola e fez um túnel sobre o adversário), que serviu Raphinha, com o brasileiro a assistir Jovane para o tiro certeiro do recém-entrado.

Estava feito o 2-0 e carimbada a vitória do Sporting, que divide a liderança do grupo com o Arsenal (derrotou o Vorskla Poltava por 4-2). Era o triunfo leonino na primeira batalha da Liga Europa, uma vitória que deixa para trás o clima de guerra vivido em Alvalade e que oferece a José Peseiro uma melhor memória desta competição na casa do leão.