Rever ou não rever a Constituição de forma a clarificar que o mandato da Procuradoria-Geral da República é único e não renovável — eis a questão. No rescaldo da notícia sobre a substituição de Joana Marques Vidal e a nomeação de Lucília Gago, o líder parlamentar do PS diz que o episódio desta semana prova que a não foi precisa a lei estar clarificada para daí se fazer essa interpretação. “Esta questão [da PGR] não suscita a necessidade de uma revisão constitucional – e tanto assim é que foi resolvido e bem resolvida”, começou por dizer aos jornalistas no Parlamento quando confrontado com a questão. Mas depois admitiu que, no pós-eleições, com uma nova legislatura em funções, aí sim, pode vir a pensar-se nisso.

“A discussão da revisão constitucional é uma discussão deslocada no tempo, vamos ter eleições para o ano e a próxima legislatura terá poderes constituintes para avaliar se é preciso revisão constitucional para essa e outras questões”, disse, referindo-se nomeadamente a exigências das regiões autónomas sobre temas diversos que podem vir a ser clarificados na lei à boleia de uma eventual mexida na Constituição.

De resto, Carlos César não tem dúvidas de que o espírito da revisão constitucional de 1997, que alargou de quatro para seis anos o mandato da PGR, apontava para a não-renovação de forma a isentar o nomeado de todo o tipo de “pressões”. “Independentemente de a Constituição prever um segundo mandato, a doutrina sempre foi — sobretudo depois da revisão constitucional de 1997 — a de haver uma limitação aos mandatos para reconhecer a virtude de, havendo um único mandato, o nomeado estar mais isento a pressões e os que nomeiam terem maior liberdade para o efeito”.

Depois de Joana, “a fasquia está elevada”

A opinião é unânime à esquerda: não há necessidade de mexer na lei fundamental para clarificar a questão. “O mandato de seis anos na Constituição é claro”, disse José Luís Ferreira aos jornalistas no Parlamento. “Não faz sentido iniciarmos uma revisão constitucional a reboque de uma polémica momentânea”, acrescentou o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, lembrando que as posições dos partidos sobre o tema da renovação ou não do mandato da PGR “são conhecidas”. O Bloco de Esquerda é a favor do mandato único, mas não vê necessidade de pôr na letra da lei o impedimento da renovação.

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Posição diferente tem o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, que lembra que “a Constituição permite a renovação do mandato”, pelo que, “se há vontade de mudar”, então que se mude de uma vez por todas. Antes, em entrevista à TSF já tinha manifestado vontade de clarificar a lei fundamental. “O PSD estaria com certeza disponível para uma revisão constitucional, mas com uma amplitude muito maior do que esta”, disse.

Para o deputado bloquista Pedro Filipe Soares, a discussão sobre a renovação ou não do mandato de Joana Marques Vidal à frente do Ministério Público foi uma discussão de “nomes” e o Bloco não quer entrar por aí. “Não entramos num concurso de nomes para uma função, o que é importante é garantir a continuidade daquilo que de bom foi feito neste mandato, que foi o combate à corrupção”, disse, deixando votos de que Lucília Gago “não deite por terra o que foi feito” e que “não só continue como aprofunde” o trabalho feito pela antecessora. “A fasquia está elevada”, disse.

Do lado do PSD, Fernando Negrão quis ainda deixar um “agradecimento à dra. Joana Marques Vidal” por ter feito da “justiça mais justa”. E sobre as suspeitas lançadas por Pedro Passos Coelho, num artigo de opinião publicado no Observador, onde acusou Marcelo e Costa de falta de transparência no real motivo da não recondução, Fernando Negrão foi assertivo na crítica ao ex-líder do PSD: “A última coisa que queremos é lançar suspeitas num momento em que o Ministério Público está a iniciar uma nova fase”.

CDS quer modelo de escolha mais transparente

Com ou sem Joana Marques Vidal, cuja recondução era defendida amplamente pelo CDS, o que os centristas agora sublinham é que o processo de escolha da próxima procuradora-geral da República “não foi transparente” e o modelo deve ser repensado. “Afinal, soubemos agora que, ao contrário da perceção que havia na opinião pública, a recondução nunca esteve em cima da mesa. Há que repensar o processo de escolha, que não foi claro nem transparente”, disse o deputado Telmo Correia aos jornalistas no Parlamento.

A ideia, defendeu, é que o modelo de escolha passe não só pela indicação do Governo e nomeação do Presidente, mas também por audições prévias aos candidatos no Parlamento, como acontece com outros órgãos e “como acontece em muitos países”. Dessa forma, defende o CDS, ficava mais claro qual era a preferência política de cada um, não correndo o risco de haver preferências escondidas.

Uma eventual revisão constitucional sobre esta matéria também está no horizonte dos centristas. “Há muito que dizemos que a matéria da justiça deve ser objeto de uma revisão constitucional”, disse Telmo Correia, desafiando os restantes partidos, sobretudo o PS, a, no futuro, “serem sensibilizados para uma revisão constitucional”. “Não nos podemos estar sempre a queixar de melhoria na justiça e depois não tomarmos as opções nesse sentido”, acrescentou.

O PCP foi o único partido que, esta sexta-feira, no rescaldo do anúncio da nomeação de Lucília Gago, não quis prestar mais declarações. Na quinta-feira à noite tinha emitido um comunicado onde optava por não comentar o nome da nova procuradora-geral, mas defendia que “se exige e se espera” de quem ocupa o cargo “a garantia do melhoramento do trabalho desenvolvido”.