A Ford, o segundo maior grupo automóvel norte-americano, escapou à última recessão sem necessitar da ajuda de Washington, tal como a Tesla. Mas, se o episódio se repetir, “haverá uma grande probabilidade de a Ford não sobreviver”, antecipa o CEO do construtor californiano de veículos eléctricos, Elon Musk, citado pela Bloomberg.

Sem qualquer enquadramento, que não a antecipação de que vêm aí tempos difíceis para a indústria automóvel, esta previsão do empresário sul-africano pode pretender uma de duas coisas (ou ambas): voltar a colocar a Tesla na agenda noticiosa, e é sempre bom algum marketing grátis, ou virar as atenções para a Ford que, ao que se diz, estará a negociar com a Volkswagen ampliar as relações que as unem nos veículos comerciais, estendendo-as até aos carros eléctricos, sem esquecer os autónomos. Correm mesmo rumores, nunca confirmados por nenhuma das partes, que seria possível uma fusão. Certo é que as conversações continuam a decorrer e que Musk poderá querer enfraquecer ainda mais a posição da Ford à mesa das negociações. Com que interesse? Convém recordar que a ideia original do empresário era criar uma gama de veículos eléctricos SEXY, o que depois se viu impossibilitado de fazer porque a rival de Dearborn tratou de registar comercialmente o “Model E” – e daí o três estilizado do Model 3, a evocar o “E” que a Tesla não pode usar…

Foram precisos apenas sete anos para que o valor da Tesla superasse o da Ford em bolsa

Independentemente das ‘tricas’, pois a Ford também não perde uma oportunidade de vir a público lançar farpas à Tesla, qual é mesmo a situação da marca da oval azul? O quadro ainda não é negro, mas está cinzento carregado. Tanto que o plano passa por fazer cortes brutais: inicialmente estimava-se que andariam na casa dos 14 mil milhões de dólares, objectivo que depois foi revisto para cima, obrigando a uma redução de custos de 25,5 mil milhões de dólares até 2022.

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Ford. Tudo o que não dá dinheiro é para cortar

Naquele que é o seu maior mercado, os EUA, a Ford deixou de gastar milhões no desenvolvimento de novos hatches, carrinhas e berlinas, para se concentrar exclusivamente naquilo que lhe dá mais dinheiro (rentabilidade): SUV, pick-ups e desportivos. Acontece que este último pode oferecer boas margens de lucro, mas não faz um volume que torne o encaixe significativo, o que significa que a Ford passa a apostar exclusivamente em dois segmentos. Chegará? Mais, nada sugere de momento uma inversão na tendência das vendas mas, e se acontecer? A Ford estará estagnada, sem nada de novo para propor aos clientes, porque apostou as fichas todas nos SUV e nas pick-ups.

Se este é o quadro que se coloca à Ford no segundo maior mercado automóvel mundial, no primeiro (a China) o cenário também está longe de alimentar grandes optimismos, na medida em que o gigante de Dearborn não consegue a Oriente um desempenho comercial similar ao da General Motors, nem da Volkswagen.

Como se tudo isto não bastasse, convém recordar que a Ford não tem mais nada para vender, caso precise de financiar-se. Os anéis chegaram a ser muitos, mas da crise de 2009 ficaram apenas os dedos. Volvo, Jaguar, Land Rover e Aston Martin foram vendidas na crise e a Mercury extinta. O gigante norte-americano encolheu – resta a Ford e a Lincoln.