O PCP lançou um “desafio” a Rui Rio para que seja o próprio líder do PSD a pedir ao Parlamento para ser ouvido na comissão de inquérito ao furto de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos. Na apresentação dos requerimentos entregues pelos partidos com os nomes que consideram relevante ouvir, o deputado Jorge Machado explica que os comunistas só não juntaram o nome de Rio à lista por tratar-se de um líder partidário.

Em causa estão as várias declarações que Rui Rio foi produzindo nos dias antes de a Operação Húbris ir para o terreno e, também, logo após a cúpula da PJ Militar, vários inspetores e militares da GNR terem sido detidos pela PJ pelo envolvimento na operação que resultou na recuperação do material furtado dos paióis de Tancos. O PCP apresentou apenas três nomes para a lista de audições — para, justifica Jorge Machado, não “fazer um exercício de repetição”—, mas deixa claro que faltaria outro nome nesse universo: o de Rui Rio.

“Lanço um desafio à bancada do PSD”, começou por dizer Jorge Machado. “Não apresentámos deliberadamente” o nome do presidente do PSD mas, “por diversas vezes, o senhor Rui Rio afirmou qualquer coisa do género, pedindo celeridade” à investigação e afirmando que “sobre o assunto não disse tudo o que sabia”. Dois dias depois das detenções, dizia ter “outras informações” que não podia revelar.

Essas declarações só podem, na leitura do PCP, ter um desfecho: “Achávamos natural que Rui Rio se auto-propusesse a vir à comissão explicar” o que sabia e não disse. Ficou o desafio.

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Inquérito a Tancos. PS quer calendário acelerado para evitar contágio às eleições europeias

Na ordem de trabalhos da reunião desta quarta-feira estava, à cabeça, a “apreciação e votação dos requerimentos apresentados sobre pedidos de documentação e realização de audições”. Em conjunto, os partidos requerem a audição de cerca de 50 personalidades (os vários pedidos somam 122 nomes, mas há várias sobreposições que reduzem o universo para a meia centena).

Ouvir ou ler Costa, a questão que aquece o debate

No final da reunião, a audição do primeiro-ministro, apresentada pelo PS, acabou por ser o único dos vários requerimentos a falhar uma aprovação por unanimidade. PSD e CDS abstiveram-se na votação do requerimento dos socialistas que estabelece, à partida, uma resposta por escrito de António Costa às questões que a comissão lhe pretenda colocar. “É ridículo”, protestou ainda asim o deputado Carlos Peixoto (vice-presidente da bancada do PSD), “uma comissão não pode condicionar o primeiro-ministro a tomar uma atitude que a própria lei não diz que ele tem de tomar”.

Ascenso Simões ainda tentou argumentar que o PS não fazia “mais nem menos que em circunstâncias anteriores”, ao apontar a uma resposta escrita por parte do chefe de Governo. Ainda foram apresentados pedidos para que o ponto sobre a audição de António Costa, de entre outras dezenas de audições, fosse votado em separado do restante requerimento do PS, mas o coordenador socialista cortou: “O requerimento do PS não está disponível para desagregação”, disse Ascenso Simões, numa troca de argumentos que obrigaram o presidente da comissão de inquérito, Filipe Neto Brandão (PS), a recorrer ao regime jurídico dos inquéritos parlamentares para mostrar que o primeiro-ministro, como anteriores chefes de Governo e de Estado, gozava do direito de responder por escrito e evitar uma presença física numa comissão de inquérito.

Carlos Peixoto tentou forçar mais explicações. “Ou o grupo parlamentar do PS já falou com o primeiro-ministro e ele já disse que deporá por escrito (…) ou, se não falou, não podemos assumir uma posição a que lei não obriga”, defendeu. Mas ficaria sem resposta. “O que queremos é que o primeiro-ministro seja ouvido” e, entre PSD e CDS, “ninguém estranhará, nem se indignará” se Costa decidir responder por escrito, resolveria Telmo Correia (CDS).

Tal como o PS, o CDS também viu ser aprovado o requerimento que prevê a audição de António Costa, mas nesse caso sem que esteja à partida limitada a forma como o primeiro-ministro responde à comissão de inquérito. Aprovada, mas com a abstenção do PCP, foi a proposta do CDS para que a comissão de inquérito se desloque aos Paióis Nacionais de Tancos.

O deputado Jorge Machado recordou que aquelas instalações estão desativadas e que o material que se encontrava em Tancos foi transferido para outras instalações militares — como o campo militar de Santa Margarida e a base do Alfeite.

Calendário aprovado mais tarde

Sem efeito ficou uma das pretensões do PS para a reunião desta quarta-feira. O deputado Ascenso Simões, coordenador do partido na comissão de inquérito, pretendia que fosse já aprovado um calendário com as datas das audições a realizar até ao final do ano, mas PSD e CDS assinalaram a importância de, antes disso, ter acesso à documentação que a comissão de Defesa Nacional e o Ministério da Defesa disponibilizem aos deputados da comissão de inquérito.”Não temos problemas em que os trabalhos sejam intensos, que haja mais de uma audição por dia”, mas “a documentação é relevante”, salientou Telmo Correia, depois de o PS pedir aos dois partidos que esclarecessem “qual o tempo necessário” para arrancar com as audições.

O PS joga contra o tempo. A grande intenção é conseguir realizar todas as 63 audições previstas (para já, porque a lista pode crescer) a tempo de o relatório final ficar concluído antes dos seis meses previstos para a duração da comissão de inquérito. Isso significaria que, em meados de maio a comissão fechava portas. Ou seja, ainda antes do arranque oficial da campanha para as eleições europeias.

Aliás, sobre o calendário que o socialista propôs antecipadamente aos deputados da comissão, Telmo Correia mostrou “dúvidas” sobre a exequibilidade de audições na semana entre o Natal e o Ano Novo. “Tenho dúvidas de que seja boa ideia.”

A próxima reunião ficou marcada para dia 12 de dezembro, quarta-feira. Nesse dia deverá ficar definido o calendário com as visitas às instalações militares e as primeiras audições da comissão parlamentar de inquérito.