O programa “Novos Povoadores” já apoiou a entrada de 163 famílias para localidades do interior de Portugal, mas foram mais as famílias que desaconselhou a fazer a mudança para um território que ainda é “muito hostil”.

O projeto “Novos Povoadores”, uma ideia que nasceu em 2005 e que começou a apoiar a transição de famílias para o interior do país em 2013, já ajudou 163 famílias, de mais de duas mil inscritas no programa que ajuda a desenhar um projeto migratório da cidade para o campo, revela o relatório de atividades de 2017 da iniciativa.

No entanto, apesar de 163 famílias transferidas com sucesso, houve 15 que desistiram após a transferência para o interior e 705 que foram desaconselhadas a migrar pelos promotores deste programa, refere o mesmo documento, que contabiliza 165 empresas instaladas e 216 novos postos de trabalho criados.

Segundo Frederico Lucas, um dos dinamizadores do programa, há várias questões associadas a um número tão alto de famílias desaconselhadas a migrar para territórios de baixa densidade populacional. “O território rural é um território muito hostil para quem tem poucas competências. Se uma Câmara Municipal precisa de contratar um motorista, e se uma pessoa de Coimbra ganha esse posto de trabalho, vai criar anticorpos entre os locais que estavam à procura desse emprego. Ou traz novas competências ou, caso contrário, o processo de integração vai ser complicado”, disse à agência Lusa o responsável.

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Uma situação económica débil também leva ao desaconselhamento, nota, frisando que a maioria que migrou “tinha uma situação económica estável”, apesar de não terem melhorado a sua situação com o processo de ida para o interior.

“Os territórios têm mesmo poucas oportunidades. Se as pessoas não forem capazes de transferir uma oportunidade para esse território, dificilmente teremos um resultado diferente [do que a desistência]”, frisou, explicando que o programa tinha como solução ideal um dos membros do agregado ter um emprego que pudesse manter trabalhando de forma remota, enquanto o outro membro avançaria com um projeto próprio.

Além disso, num momento de crise como foi aquele em que o programa foi lançado, a equipa do “Novos Povoadores” encontrou muita gente que queria mudar-se para o interior numa “lógica de fuga para a frente — ‘Vou para o interior e tudo se vai resolver'”.

“É legítimo que as pessoas tenham sonhos. Mas quando as famílias nos contratam [o serviço do programa é pago], vamos confrontá-los com a realidade e com os riscos para poderem antecipar soluções, mas o sonho é mais do que legítimo”, conta Frederico Lucas, salientando que os três criadores do programa, quando se mudaram para Trancoso, também levaram com eles “uma enorme dose de sonhos”.

A maioria dos elementos das famílias que desistiram já depois de fazerem a transição tinham idades abaixo dos 35 anos e encontraram melhores oportunidades fora do interior, tudo “antes de terem os primeiros filhos”. “São pessoas que vão à procura de uma vida mais calma, mas há uma questão fundamental que é o emprego. Não há milagres. Existe uma ilusão que todos nós temos de que as pessoas podem trabalhar à distância, mas em Portugal isso ainda não tem representação estatística”, notou.

Por forma a responder à falta de oportunidades, o programa está a trabalhar com as famílias com menos condições para fazerem a migração, ao mesmo tempo que procura investimentos que criem postos de trabalho no interior. Dentro do projeto, Frederico Lucas já conseguiu captar quatro investimentos para Ribeira de Pena, Beja, Celorico da Beira e Vila Nova de Foz Côa, dois deles superiores a três milhões de euros. Agora, há outros 18 processos em negociação, com a “perspetiva de três ou quatro gerarem investimentos efetivos”, frisou Frederico Lucas.

Segundo o responsável do programa, cabe ao Governo criar modelos para uma melhor distribuição das oportunidades no país, considerando que a atual situação de pressão demográfica nas duas áreas metropolitanas e uma depressão no resto do país “é mau para as cidades e é mau para o interior”.

Para isso, apontou para exemplos lá fora, como o caso da Dinamarca, em que as empresas públicas não podem criar novos postos de trabalho nas áreas metropolitanas, ou da Irlanda, em que o crescimento dos postos de trabalho na capital, Dublin, está condicionado “a 50% do crescimento da média nacional”.