O Teatro Municipal Maria Matos vai reabrir nos primeiros meses de 2019, mas a programação será definida pela própria EGEAC, empresa municipal de cultura de Lisboa, e não por uma direção artística, como seria de esperar. A ideia é apresentada como solução de recurso para evitar que a sala se mantenha fechada ao público, o que acontece desde há cinco meses. A Câmara decidiu há um ano concessionar a gestão artística do Maria Matos, mas o concurso está suspenso por um processo judicial interposto por uma empresa concorrente.

Em declarações escritas ao Observador, a presidente da EGEAC adiantou nesta quarta-feira que não havendo uma “decisão célere” por parte do tribunal, e “enquanto o processo judicial decorre”, a EGEAC “considera programar diretamente”, assim garantindo que “o teatro e esta zona da cidade não são prejudicados”. Sobre a data de reinício da atividade, Joana Gomes Cardoso indicou o “primeiro semestre de 2019”.

Posteriormente questionada sobre os critérios dessa programação, a EGEAC acrescentou que a reabertura nestes moldes é “um cenário entre vários”. O gabinete da vereadora da Cultura de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, esclareceu que está em causa a exibição de “propostas artísticas pontuais”, à semelhança do que se verificou no Teatro Capitólio, pouco antes de este ser concessionado à Sons em Trânsito.

Conforme noticiou o Observador em outubro, a EGEAC foi processada pela produtora de teatro Yellow Star Company, que ficou classificada em segundo lugar no concurso público de concessão do Maria Matos, promovido pela empresa municipal entre 13 de abril e 24 de maio. A Yellow Star Company, de Paulo Sousa Costa, acusa o júri de “violação do dever de fundamentação” e de “erros na avaliação” das propostas, considerando ilegal a decisão da EGEAC de adjudicar a sala da Avenida de Roma à empresa Força de Produção, que ficou em primeiro lugar no concurso. A ação foi enviada a 4 de setembro para o Tribunal Administrativo de Lisboa e, de acordo com Joana Gomes Cardoso, transitou entretanto para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Paulo Sousa Costa pede a impugnação das decisões do júri e a “suspensão imediata” do concurso e de um eventual contrato de arrendamento entre a EGEAC e a Força de Produção. O litígio arrisca prolongar-se por muitos meses, podendo a decisão agora apresentada pela EGEAC colocar pressão sobre os queixosos.

“Lamentamos que a ação judicial tenha tido o efeito de suspensão do processo em curso, que decorreu com toda a normalidade”, comentou Joana Gomes Cardoso na quarta-feira. “A ação está a correr os seus termos” e a EGEAC “já apresentou a sua contestação”, disse, adiantando que “brevemente” vão ser realizadas obras no Maria Matos, “há muito identificadas e que não podiam ocorrer com programação a decorrer”. A saber: “Melhorias de segurança e acessibilidade, como a instalação de um elevador para a cafetaria.”

Até agora, garantiu a presidente da EGEAC, a Força de Produção não manifestou qualquer vontade de desistir e uma eventual repetição do concurso está fora de questão, uma vez que “o júri deliberou por unanimidade”, disse Joana Gomes Cardoso.

O concurso tinha por objetivo arrendar o Maria Matos a uma entidade privada durante cinco anos, por um valor mensal de três mil euros. O júri era composto por Pilar del Rio, Joana Gomes Cardoso, Natália Luiza, Jorge Louraço Figueira e Nuno Galopim. O resultado provisório saiu a 3 de julho e a Yellow Star Company apresentou duas reclamações, que não tiveram efeito, tendo decidido avançar para tribunal.

Também contactado na quarta, e confrontado com os novos dados, Paulo Sousa Costa disse que “tudo fará” para “chegar a um entendimento” com a EGEAG, mas “para já” não coloca a hipótese de desistir do processo em tribunal. “Havendo uma proposta em que sintamos que foi feita alguma justiça, sim”, pondera desistir.

Teatro do Bairro Alto só depois de junho

Inaugurado em 1969 e adquirido pela Câmara em 1982, o Maria Matos teve direção artística do gestor cultural Mark Deputter entre 2008 e 2017, o que imprimiu à sala uma programação contemporânea de teatro, dança e conferências e a tornou uma referência a nível europeu.

saída voluntária de Mark Deputter, em outubro de 2017, para o cargo de administrador e diretor artístico da Culturgest, foi apontada como uma das razões que obrigaram a Câmara a  concessionar a privados a gestão artística do Maria Matos e a fazer aquilo que a veredora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, então descreveu como uma súbita reorganização da rede de teatros municipais da capital. Essas mudanças foram anunciadas há precisamente um ano, a 17 de dezembro, numa entrevista da vereadora ao jornal Público.

A contestação foi intensa. No início de 2018, um grupo de cidadãos entregou na Assembleia Municipal de Lisboa a petição “Por Uma Gestão Pública do Maria Matos”, com mais de 2.500 subscritores, mas a decisão de Catarina Vaz Pinto avançou.

Em simultâneo, a vereadora da Cultura anunciou a reabertura do Teatro do Bairro Alto (que até 2016 acolheu a companhia de teatro da Cornucópia) e do Teatro Luís de Camões (uma sala de fins do século XIX, em Belém). O primeiro tem diretor artístico escolhido desde junho, Francisco Frazão, e o segundo, conhecido como LU.CA, já alcançou quase nove mil visitantes desde que abriu portas, em maio, informou a EGEAC.

O Teatro do Bairro Alto (TBA), na Rua Tenente Raul Cascais, poderá abrir portas no segundo semestre de 2019, segundo Joana Gomes Cardoso, sendo o espaço arrendado pela EGEAC ao Centro de Amadores de Ballet por um valor mensal de cinco mil euros durante os primeiros cinco anos. O facto de a abertura não estar para breve não representa um atraso, no dizer da presidente da EGEAC, até porque “a rapidez não é o critério mais relevante”. “Antes abrir com condições e qualidade artística”, afirmou.

Neste momento, o TBA é alvo de obras de remodelação e a equipa liderada por Francisco Frazão trabalha a partir da sede da EGEAC, na Avenida da Liberdade, para preparar a “abertura, funcionamento e programação” da futuro sala, disse a mesma responsável, desmentindo assim informações incompletas que circulam no meio artístico e que dão conta de que a Câmara teria arrendado uma sala de trabalho para a equipa do TBA, pela qual estaria a pagar renda.

A instalação de um elevador, a remodelação da bilheteira, dos gabinetes, dos camarins e dos bastidores, dos acessos ao teatro, da rede elétrica e das instalações sanitárias, todas estas áreas estão a ser tratadas, disse Joana Gomes Cardoso, sugerindo tratar-se de obras profundas. “Refira-se que o TBA vai manter a configuração da sala, a black box , sala polivalente, com mais profundidade da cidade”, acrescentou.

Questionada sobre se a cidade e os artistas, apesar de resistências iniciais, já terão compreendido as alterações à rede municipal de teatros, Joana Gomes Cardoso respondeu positivamente. “Aliás, vários subscritores do abaixo-assinado de contestação estão a trabalhar no projeto artístico do TBA.”