O dia 21 de janeiro de 2019 foi apenas mais um de vários na já longa história do Brexit, repleta de avanços e recuos. Nesta segunda-feira, em que a primeira-ministra, Theresa May, anunciou o seu plano B para o Brexit, o cenário na Câmara dos Comuns voltou a ser mesmo de sempre: uma primeira-ministra entrincheirada procura um equilíbrio que ninguém lhe concede; um líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, faz-lhe exigências que sabe que ela não vai cumprir; um parlamento dividido até dentro dos próprios partidos discute as mil maneiras de desbloquear este longe processo e repete ad nauseam os mesmos soundbites.

Ainda assim, nem tudo é velho nesta segunda-feira e Theresa May conseguiu, uma semana depois de o seu acordo com Bruxelas lhe ter valido a maior derrota de um governo britânico na Câmara dos Comuns, trazer algumas (poucas) novidades para a mesa que apontam para concessões. Porém há pontos em que Theresa May continua a não fazer qualquer tipo de concessão — e outros ainda em que se recusa a ser específica, omitindo qual poderá ser a sua opinião e quais passos entende serem os mais certeiros. “Não mudou absolutamente nada”, atirou-lhe Jeremy Corbyn.

Olhamos para esses três pontos e como eles estão neste 21 de janeiro de 2019 — ou seja, a 67 dias de 29 de março de 2019, a data prevista para a saída do Reino Unido da União Europeia.

O que May está disposta a mudar

Backstop para a fronteira entre as Irlandas

Uma das questões incluídas no acordo do governo britânico com Bruxelas que mais problemas tem criado a Theresa May tem sido o backstop para as duas Irlandas. Trata-se de um mecanismo que funciona como uma “apólice de seguro” e que significa que, se até 2021 não for encontrada uma solução para a questão da fronteira entre as Irlandas (que, por acaso do Acordo de Paz de Sexta-feira Santa não podem ter uma fronteira rígida entre si), entra em vigor o backstop que mantém o Reino Unido dentro de uma união aduaneira com a UE.

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Ora, esta questão em nada agrada aos unionistas da Irlanda do Norte, o DUP, que têm viabilizado o governo minoritário de Theresa May no parlamento; nem aos setores mais pró-Brexit dentro do próprio Partido Conservador. Foi em grande parte por este ponto, e por recearem que o backstop pode tornar-se numa medida definitiva e não temporária, que os conservadores mais pró-Brexit e o DUP votaram em bloco contra o acordo de Theresa May para o Brexit na passada semana.

Agora, Theresa May continua a assegurar que não deve ser “criada uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte, nem uma fronteira no mar da Irlanda” e sublinhou que o Acordo de Sexta-feira Santa não será alterado. Perante isto, Theresa May dispôs-se a sentar-se com os seus “colegas”, referindo que entre estes está o DUP, para chegar a um entendimento neste tema — e, depois, levá-lo a Bruxelas.

Envolver a oposição na preparação de um plano

Perante um problema nacional, Theresa May quer agora uma solução nacional — e isso implica ouvir e ter em conta “um vasto leque de vozes”. Foi dessa forma que a primeira-ministra assegurou que vai ouvir nos próximos dias diferentes autoridades e líderes — entre os quais os primeiros-ministros do País de Gales e da Escócia — tal como deputados de todos os partidos para que estes tomem parte ativa na preparação de um novo plano para a saída do Reino Unido da UE. Para esse fim, nesta que é uma corrida contra o tempo, serão criados comités dentro da Câmara dos Comuns para dar início a estas conversações num novo quadro de relações — ou pelo menos assim o deseja Theresa May.

“Isto vai reforçar a mão do governo em negociações, dando à UE a confiança necessária quanto à nossa posição e evitando deixar a grande parte do debate parlamentar para um altura em que estamos sob uma enorme pressão para ratificar [um acordo]”, disse Theresa May.

Cidadãos da UE já não terão de pagar taxa para ficar no Reino Unido

Esta é a única concessão concreta de todas as que Theresa May anunciou e é também a mais simples: após pressão de grupos da sociedade civil e de vários setores do parlamento, inclusive dos mais ardentes defensores do Brexit dentro do Partido Conservador, a primeira-ministra anunciou que vai abolir o pagamento de uma taxa anteriormente anunciada e fixada nas 65 libras (73,70 euros) para os cidadãos da UE que vivam, trabalhem ou estudem no Reino Unido e assim queiram continuar a fazê-lo. “E todos os que se candidataram [a ficar no Reino Unido] nesta fase piloto serão reembolsados”, sublinhou a primeira-ministra, que foi saudada por diferentes parlamentares por esta medida.

O que May não está disposta a mudar

Eleições antecipadas? Não

A resposta é tão conhecida e previsível que já poucos deputados insistem em fazê-la. Ainda assim, há sempre quem tente. Desta vez, foi o deputado trabalhista Pat McFadden que questionou a primeira-ministra sobre umas eleições gerais antecipadas. A resposta saiu igual àquela que a primeira-ministra tem dado nos últimos tempos: “Não acredito que umas eleições gerais sirvam o interesse nacional nesta altura”.

Tirar da mesa o cenário de uma saída sem acordo? Também não

Na semana passada, após a derrota estrondosa que o seu acordo para o Brexit sofreu na Câmara dos Comuns, Theresa May estendeu a mão aos restantes parlamentares para estes se sentarem à mesa de negociações para um eventual entendimento ser forjado e apresentado a Bruxelas. Da parte do Partido Trabalhista, Theresa May ouviu Jeremy Corbyn dizer que uma das condições essenciais para os trabalhistas entrarem em negociações seria a rejeição liminar de um cenário em que o Reino Unido sai da UE sem um acordo — e, assim, em litígio com Bruxelas.

Ora, a resposta de Theresa May então foi a mesma que deu agora: “A maneira correta de rejeitar uma saída sem acordo é esta câmara chegar a um entendimento e aprovar um acordo com a União Europeia”. Ou seja, Theresa May não recua — e não rejeita o cenário de uma saída sem acordo.

Segundo referendo ao Brexit? Não, não e não

Esta questão também é recorrente — mas, ao contrário do cenário de eleições antecipadas, que já merece pouca atenção por parte dos deputados, a possibilidade de um novo referendo ao Brexit é incessantemente colocada por vários deputados. Theresa May, no entanto, rejeita essa hipótese — seja um referendo ao Brexit, repetindo os termos do de 2016; ou um referendo aos termos de um possível acordo de Theresa May com a Bruxelas.

Quanto a isso, Theresa May adverte para os riscos perante a opinião pública, que poderia ver na realização de um segundo referendo a desautorização de uma decisão tomada num primeiro referendo e posteriormente aprovada na Câmara dos Comuns.

“Ao longo da minha carreira política, vi outros países a fazer segundos referendos em questões relacionadas com a Europa porque [o primeiro] não resultou da maneira como os políticos de então queriam. É muito importante que as pessoas aceitem o resultado do primeiro referendo. Esta câmara votou esmagadoramente a favor do referendo. Esta câmara votou esmagadoramente para acionar o Artigo 50. Acredito que devemos dar seguimento a essas decisões e cumprir o voto das pessoas no referendo de 2016”, disse a primeira-ministra britânica. Mais à frente, ironizou: “Esta câmara não disse ao povo britânico: ‘Votem agora e depois logo vemos se concordamos convosco e se cumprimos o resultado'”. Portanto, a mensagem é clara e Theresa May é irredutível: não haverá um segundo referendo.

O que May não diz — e não quer dizer

Estender o Artigo 50 

À medida que o dia 29 de março se aproxima no calendário, este é um cenário cada vez mais possível — e, por isso, Theresa May não é clara nem definitiva quanto à sua posição. Para estender o Artigo 50 — o que, na prática, daria ao Reino Unido mais tempo para chegar a um acordo com a UE —, Londres precisa do consentimento de Bruxelas nesse sentido.

“Há quem pense que precisamos de mais tempo e, por isso, querem estender o Artigo 50 para dar ao parlamento mais tempo para debater como devemos sair e como é que deve ser o nosso acordo. Isto não afasta o cenário de uma saída sem acordo, mas simplesmente atrasa o momento da decisão”, disse Theresa May, durante o seu discurso, acabando por não expressar se esse é um caminho que vê como desejado. Porém, vê-o como improvável, como explicou numa resposta a um deputado: “É muito claro que eles [UE] não vão aceitar essa opção a não ser que haja um acordo que possa avançar como resultado disso”. Ou seja, Theresa May coloca o ónus na Câmara dos Comuns.