“Foi o grau mais baixo do oportunismo, o grau zero, o bater no fundo. Sobretudo vindo de quem vem, vindo de um privilegiado durante toda a vida. Vítima o primeiro-ministro? Vítimas são os portugueses”. Foi a primeira vez que se ouviu uma resposta do CDS à tirada do primeiro-ministro no debate quinzenal de sexta-feira, onde procurou acusar a líder centrista de racismo referindo-se à sua própria “cor de pele”. Até aqui só tinha havido incredulidade.

Foi o deputado Telmo Correia que abriu as hostilidades, num discurso em Famalicão no âmbito das jornadas parlamentares do CDS, onde fez a sala rebentar em aplausos ao considerar o primeiro-ministro “um privilegiado” independentemente da cor da sua pele. Seguiu-se Nuno Melo, o eurodeputado que estava a jogar em casa e que também não deixou o tema de fora: “Assunção, lavas-me a alma quando vejo o primeiro-ministro irritar-se daquela maneira quando se dirige a ti”, disse, acrescentando que uma provocação daquelas do primeiro-ministro seria o equivalente à presidente do CDS responder algo como “só me diz isso a mim porque sou mulher”.

O racismo está na ordem do dia e não saiu do menu dos centristas no primeiro dia de trabalhos das jornadas parlamentares, que decorrem esta segunda e terça-feira em Braga. Foi o que fez Nuno Melo, num discurso longo e anotado, onde deixou duras críticas ao Bloco de Esquerda e ao PCP — “que dão lições de democracia a todos, mas que defendem a ditadura em vez da democracia quando defendem o regime de Nicolas Maduro” –, que diz estarem a executar em 2018 o PREC que não conseguiram em 1974. Daí até comentar as declarações do assessor bloquista Mamadou Ba a propósito dos confrontos com a polícia no bairro da Jamaica, foi um salto. E fê-lo referindo que se trata de um cidadão “senegalês” que, não sendo português, deve “respeitar para ser respeitado” no país “que o acolheu”.

“É um cidadão senegalês que está cá com o acolhimento devido, e bem, mas a quem só exigimos que nos respeite, respeite as nossas leis e os nossos valores. E quando as forças de segurança do meu país são chamadas de ‘bosta da bófia’, eu sinto-me ofendido”, disse o eurodeputado. Melo esclareceu de seguida que a ofensa não é por se tratar de um cidadão senegalês, mas sim por trabalhar na Assembleia da República e, como tal, dever, mais do que os outros, “respeitar as instituições”.

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Depois de muitas críticas ao governo socialista, que Nuno Melo teme que volte a fazer “a muito curto prazo” aquilo que “todos os governos socialistas têm feito”, que é deixar o país em “bancarrota”, Assunção Cristas (a última oradora da noite) reservaria muito do seu já curto tempo para deixar duras alfinetadas ao PSD. Ou pelo menos àqueles partidos com quem disputa parte do eleitorado (onde também se pode incluir, por exemplo, a Aliança). Não lhe chamou nomes próprios, nem PSD, nem Aliança. Chamou-lhe “outros”, mas referências não faltaram (contámos pelo menos cinco).

A primeira vez surgiu quando a presidente do CDS, depois de ter prometido à plateia que este ano iria ser “um ano histórico para o CDS”, disse que isso só iria acontecer porque, “ao contrário de outros“, o CDS tem criticado, por um lado, mas apresentado alternativas nas várias áreas temáticas, por outro. “Ao contrário de outros, nós não nos satisfazemos com uma economia que cresce poucochinho, nem achamos que faça sentido ter uma carga fiscal máxima para serviços públicos mínimos”, disse, explicando que o CDS tem trabalhado, em todas as áreas, para ser “a alternativa”.

A segunda viria quando, olhando para o eurodeputado Nuno Melo, Cristas se orgulhou de olhar para as eleições de maio e ver que a lista do CDS já está escolhida e já anda na estrada — “ao contrário de outros que ainda estão a tentar decidir quem vai e não vai na lista”. Seguir-se-ia uma outra referência aos tais “outros”: “Os portugueses sabem que não é noutros, é neste partido que se está a prepara o futuro”, disse, mostrando-se confiante e otimista num resultado eleitoral.

Garantindo que o CDS é europeísta convicto e que escolhe “mandar os seus melhores para Bruxelas” porque não vê aquele posto como um “exílio dourado” ou uma “prateleira simpática”, Assunção Cristas lembrou ainda que, por o CDS já estar mais adiantado, vai apresentar já no próximo dia 10 de fevereiro uma Convenção Europeia, onde serão apresentadas as primeiras ideias e propostas. o CDS já está em campanha e, diz Cristas, “também nisso estamos um passo à frente daquilo que muitos outros ainda não conseguem fazer”.

Por último, o mais importante: as legislativas. Pegando naquilo que tem sido sempre o fio condutor dos seus discursos, Cristas voltou a insistir que o CDS “é a únida alternativa” ao governo socialista e das esquerdas, porque é “o único partido que não quer fazer nenhum acordo pós-eleitoral, e que acha que isso não faz sentido”. “Para isso há outros, que estão dispostos a fazer isso, e de cores muito variadas”, disse. Era a alfinetada final. O CDS, insistiu, quer contribuir o mais possível para a maioria de 116 deputados de centro-direita e, se não for pedir muito, quer ficar com a maior fatia. Sim, o CDS não tem “medo do complexo do Peter Pan”: “Não há partidos grandes à partida, nem partidos pequenos à partida, há partidos que acreditam que podem crescer à custa do seu trabalho e não confiando em heranças de famílias”. Agora sim, a alfinetada final.