Filme, fotografia, desenho e pintura. Na obra de Tacita Dean cabe tudo isto e muita imaginação. Estudar belas artes não foi uma opção, mas sim uma consequência. “Tive sorte porque em criança sempre tive acesso a tintas e a paletas. Estudar artes foi algo natural, não foi uma decisão tardia”, explica em entrevista ao Observador na véspera de inaugurar a sua terceira exposição no Museu de Serralves.

A artista de 53 anos encontrou no cinema a sua principal forma de expressão, desenhando storyboards para planear narrativas. Começou a gravar com uma câmara super 8, hoje é com os modelos de 16 mm e 35 mm que faz os seus filmes, numa luta permanente pela sobrevivência do analógico. “O meu trabalho é em película e não em digital. Quando comecei, há cerca de 30 anos, era a única forma de fazer filmes, o único material que tinha disponível. Depois saltei para um método com o qual gostasse de trabalhar e me identificasse.”

Abordando técnicas antigas, tão frágeis e praticamente em vias de extinção, Dean cria ilusões, narrativas e movimentos únicos, em imagens e sons que relacionam pessoas, coisas e lugares. A sua obra é um relato da consciência da passagem do tempo, da memória, da empatia e da história na compreensão da realidade, onde através do formato analógico explora as dimensões expressivas da luz, do tempo e da matéria. “De certa forma o meu trabalho não segue uma tendência em particular.”

É numa mesa de edição, entre bobines e negativos, que Tacita corta e compõe as suas histórias, cheias de minimalismo e mistério, num processo solitário, demorado, delicado e meticuloso, que, segundo a cineasta, “se tornou muito sério na campanha de sobrevivência do filme”. “Nós criámos um meio fantástico e agora estamos a perdê-lo”, sublinha acrescentando que por ser um método “maravilhoso” e “diferente” o devemos “manter e defender”. No entanto, a artista rejeita a nostalgias e saudosismos, afirmando que apenas gosta do antigo e só lhe “faz sentido trabalhar assim”. Sobre o olhar dos outros, Dean não sabe se tem um perfil mediático, “talvez sim, talvez não”, mas “não ser populista” é uma certeza.

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Uma viagem de 1992 a 2018

O trabalho de Tacita Dean confunde-se com a história de Serralves. No início da sua carreira, a reconhecida artista britânica, com vários prémios, nomeações e boas críticas no currículo, teve aqui uma exposição individual, em 2002, e mais tarde integrou uma mostra coletiva, em 2004. “Sou muito leal a este museu, adoro este museu e quero apoiá-lo neste momento deliciado, em que precisa de um grande diretor.” Visitou-o pela primeira vez em 2000 e hoje está “muito feliz” por apresentar as suas obras no 20º aniversário.

“Nesta exposição trago o meu segundo filme, gravado em 1992, pois de alguma maneira está relacionado com o meu trabalho mais recente”, explica ao Observador. “The Story of Beard” foi feito durante o último ano de Dean como aluna de pós-graduação na Slade School, sendo projetado aqui pela primeira vez. Segundo o roteiro da exposição, este “é um trabalho improvisado e exuberante que recorre a uma narrativa fictícia baseada em figuras históricas para jogar com a ideia da barba como um significante de sabedoria, o que tradicionalmente teve como óbvia consequência a exclusão da mulher.”

“Esta exposição é incomum porque faz ligações com vários trabalhos dessa época, relacionados por razões específicas”, como os desenhos antigos de 1991 que refletem filmes posteriores ou o trabalho que concebeu especificamente para esta exposição nos 12 postais da famosa mulher barbuda, Madame Delait.

Nas salas 4, 5 e 6 podemos ver “Boots”, de 2003, constituído por três filmes de 16 mm, cada um com 20 minutos de duração e numa língua diferente: inglês, francês e alemão. O filme foi gravado na Casa de Serralves, uma escolha feita pela artista após uma visita ao edifício em 2002, e posteriormente adquirido pela instituição para integrar a Coleção de Serralves. “Robert Steane, um amigo da sua família conhecido como Boots, devido a uma doença de infância que o tinha deixado com uma perna mais curta do que a outra, é a personagem principal. Em cada um dos filmes, Boots faz um percurso diferente pela Casa, mudando também de personalidade consoante a língua que fala. Quando o sol se põe em cada um dos entardeceres, o tom torna-se inevitavelmente de despedida”, lê-se no roteiro da mostra.

“Antígone” é o seu trabalho mais recente, estreado na primavera de 2018 na Royal Academy of Arts, em Londres. É uma dupla projeção de 35mm com a duração de 56 minutos, que devem ser vistos do início ao fim. “Uma exploração épica do nome da irmã mais velha da artista, Antígone, protagonizada pela poetiza e dramaturga Anne Carson e pelo ator Stephne Dillane. O filme evoca a figura homónima mitológica Antígona e o seu pai cego e coxo, Édipo, e a ideia da jornada de ambos através regiões inóspitas que decorre entre as duas peças de Sófocles, Édipo Rei e Édipo em Colono”, lê-se na sinopse. “É um filme que já estava na minha cabeça há vários anos”, confessa Dean, sendo um projeto sem guião e cujas ideias centrais têm sido abordadas nos seus trabalhos durante as ultimas três décadas.

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No corredor da exposição estão dezenas de peças da sua autoria, como fotografias, fotogravuras com vários elementos, apontamentos, pensamentos e memórias, que podem ser lidos como instruções para ver a obra, ou postais pintados que representam os vários tipos de nudez feminina. Nesta apresentação é ainda possível ver de perto dois dos seus mais recentes trabalhos de grande formato: “The Montafon Letter”, de 2017, onde usando giz branco sobre uma superfície negra Tacita desenhou uma paisagem de montanha “sublime e impressionante”, e “Chalk Fall”, de 2018, um retrato do colapso de uma falésia em calcário. “Não são desenhos, são uma espécie de esculturas feitas em giz.”

Sobre o futuro, Dean diz que 2019 é o ano em que terá que mudar-se de Los Angeles, onde vive atualmente, para Berlim “por causa do Brexit”. “Esta mudança vai dominar o meu ano, para ter nacionalidade europeia tenho que o fazer este verão.” “Desenhar um cenário e figurinos para ballet” será um dos seus próximos desafios profissionais.

A exposiçao de Tacita Dean é o primeiro momento da nova programação e está patente no Museu de Serralves até dia 5 de maio.