Abril. Mês de chuvas, de mentiras, da liberdade. Mês de uma liberdade mitológica que nos propõem comemorar este ano com júbilo, mas esbarra de modo contraditório em episódios de intolerância dos que com zelo defendem o status quo da sua própria liberdade de oprimir, conquistada na consolidação constitucional de uma democracia inclinada desde 1976, onde a esquerda se constituiu como a estrela da festa e a direita se resignou ao papel de contabilista de serviço. Assim, Abril de 2024, é definitivamente o mês que a sua primeira alvorada sempre saúda, o das mentiras.

Vamos perscrutar três episódios-chave, que geraram forte reacção, e, nos permitirão concluir, que a liberdade é um direito que afunila em certas elites, marxistas e bem-falantes, não passando os bons resultados partidários à direita do dia 10 de Março, de fogo-fátuo, se não acompanhados de uma exitosa guerra cultural, que está hoje apenas nas batalhas inaugurais. Tal como no filme de Peter Weir, Rumo à Liberdade (2010), que descreve uma fuga de um Gulag siberiano na URSS e subsequente caminhada de mais de 6000 km para a liberdade no Nepal, a libertação do Gulag mental/cultural luso, é uma longa e espinhosa aventura, que só com perserverança e coragem alcançará bom porto.

1 A reposição do logótipo institucional da República Portuguesa, ao qual tinham sido removidos os sete castelos, as cinco quinas, as chagas de Jesus Cristo e a esfera armilar, para substituir tudo isso por um círculo, um rectângulo e um quadrado, às cores, sem qualquer simbologia de conexão histórica à identidade portuguesa, provocou violenta chiadeira nos zelotas do regime, como artistas, jornalistas ou comentadores autorizados. Acusavam a direita política de “mania da perseguição”, invocando meras razões de ordem técnica para o refresh (ou reset…) simbólico. Esqueceram-se de recordar, que a nova imagem foi promovida pelo antigo governo PS como “inclusiva, plural e laica.” Será isto também uma meta de ordem técnico-funcional?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A esquerda mandou também a direita “preocupar-se com coisas sérias e que interessem aos portugueses”. Infelizmente, não pensaram do mesmo modo, quando o anterior executivo decidiu implementar o inofensivo rebranding em cima das eleições legislativas. Os designers tomaram posição corporativa e compadeceram-se com as dores de Eduardo Aires, o tal artista traído pelo novo governo – não sem antes “meter a massa ao bolso” (€74.000). Afinal as três figuras geométricas com as cores republicanas não tinham saído do Microsoft Paint, e enformavam um sofisticado conceito. Temos pena. A nossa autenticidade e memória histórica, valem bem uns egos e uns arrufos.

2 No dia 8 de Abril foi apresentado por Pedro Passos Coelho, em Lisboa, o livro “Identidade e Família”, coordenado por António Bagão Félix, Victor Gil, Pedro Afonso e Paulo Otero, fundadores do Movimento Acção Ética. O trabalho conta com mais de duas dezenas contributos livres de portugueses ilustres, como Jaime Nogueira Pinto, José Ribeiro e Castro, D. Manuel Clemente, Manuela Ramalho Eanes ou José Carlos Seabra Pereira, e pretende, entre outros desígnios, (re) centrar o papel da Família na sociedade. Mais uma vez o puritanismo dos politicamente correctos, sancionou severamente os participantes e padrinhos da obra, desde o antigo primeiro-ministro, prontamente reconfigurado como “fascista”, a alguns dos autores, como Paulo Otero, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, troçado em praça pública, por propor, a título pessoal, um subsídio à mulher doméstica que não tenha rendimentos próprios – o que não se diz é que um dos objectivos da proposta é precisamente retirar estas mulheres e mães da dependência financeira de maridos agressores. Em suma, um livro que partindo de uma mundivisão conservadora, congrega toda uma pluralidade de perspectivas, independentes e até conflituantes, é apelidado de “obscurantista” e “coarctador da liberdade”. Convém lembrar, que, na verdade, muito poucos teriam na altura lido a colectânea, visto que à altura dos ataques esta estava ainda em pré-venda.

As críticas, com o tom e profundidade filosófica habituais, vieram dos mesmos do costume, dos Abrunhosas às Isabéis Moreiras, passando pela “rapper” Capicua, que assevera: “Uma vintena de beatos grisalhos fez um tratado pela família tradicional e o grande pai da austeridade, disciplinador do povo, foi apresentá-lo.” Estamos esclarecidos.

3 Chama-se “Abril pelas Direitas” e é uma antologia que reúne testemunhos e ensaios de 60 personalidades das várias direitas portuguesas, organizado por Rodrigo Pereira Coutinho e Paulo Jorge Teixeira, com prefácio de Alexandre Franco de Sá. Foi apresentado em Março e contou com várias sessões de divulgação por todo o território nacional, mas só em Abril passou pelo escrutínio do mainstream media, a nova STASI, que logo denunciou num dos seus jornais (ou sucursais…) o carácter subversivo da obra – logo secundado pelos comediantes Markl ou Marques Lopes nas redes sociais, como parte de um plano articulado de reescrita do putsch de 25 de Abril de 1974. Se confirmo a primeira acusação, pois o livro é de facto um instrumento dissidente (uma verdadeira lança em África!) na hegemonia cultural da esquerda em Portugal; como co-autor, refuto veementemente a segunda. Não existiu qualquer tentativa de uniformização nos textos publicados. Pelo contrário, as peças estão imbuídas de espíritos e estilos radicalmente diferentes. Aos autores foi somente solicitado que escrevessem em liberdade… e dentro dos prazos estabelecidos.

Todavia, o ataque à original publicação valeu, por exemplo, uma menção honrosa de José Miguel Júdice na sua rubrica “Ler É o Melhor Remédio”, no Jornal da Noite da SIC, e traduziu-se num pico de vendas, sem paralelo desde o seu lançamento. É o que se chama no marketing “transformar uma ameaça numa oportunidade”. E que oportunidade!

A Direita em Portugal tem de se preparar para uma longa e árdua marcha se almeja rasgar o crivo dos zelotas e contribuir para diminuição de episódios como os supramencionados, reveladores da soberba de quem está (bem) instalado e controla a superestrutura do poder. Como pensou e arquitectou Gramsci, um dos principais intelectuais marxistas: controlar a cultura e os valores dominantes numa sociedade é a condição prévia para o sucesso da sua revolução. Assim, se a Direita quer ser livre e (re) equilibrar a balança cultural, tem de continuar a lançar os seus livros e a discutir os seus símbolos, sob pena dos resultados eleitorais de Março, ao invés de revelarem uma tendência, não passarem de um efémero interregno.