A verdade vem sempre ao cima. A verdade, o azeite, mas também as perdas do Novo Banco que já estavam desde a sua criação em 2014. Foi assim que Mário Centeno respondeu às primeiras perguntas do PSD sobre as razões que levaram à necessidade de uma nova injeção de capital, mais 1.149 milhões de euros no capital do Novo Banco. O ministro das Finanças até admitiu partilhar a “perplexidade” dos deputados face à dimensão das perdas e dos pedidos de capital da instituição, mas recusou sempre a ideia de que foi “surpreendido”.

“A verdade vem sempre ao de cima” tal como as perdas que “se tentou esconder dentro do Novo Banco” e que, segundo o ministro das Finanças, são o “fardo” que o Novo Banco carrega. “Se quiséssemos outra evidência de que o banco não era bom é que não foi vendido em 2015″, destacou Centeno que recordou palavras ditas pelo ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, “à saída da praia”, segundo o qual esperava que houvesse vários interessados na compra do Novo Banco.  “No sistema financeiro não há azar, há inação, foi isso que recebemos em 2015.”

“Não enganamos ninguém porque havia um mecanismo contingente de capital e a palavra contingência diz tudo”, reforçou também Mário Centeno. Mas não respondeu de forma clara à pergunta deixada pelos deputados, à direita e à esquerda, do PS. “Por que só avançar agora com esta auditoria?” que visa o processo de concessão dos créditos problemáticos herdados do BES e cujas perdas são cobertas pelo mecanismo de capital contingente suportado pelo Fundo de Resolução. Já na segunda ronda Duarte Pacheco propôs uma resposta: “Quer criar uma cortina de fumo” para esconder o que tem corrido mal na gestão dos créditos do Novo Banco.

Centeno acabou por dar uma resposta ao porquê do momento, que classificou como “cisma” da audição, mas não foi claro nas razões. 

Assinalou que o Novo Banco como um todo dá prejuízos há cinco anos, mas realçou igualmente que o banco corrente já apresentou lucros em 2018, ainda que residuais. E no passado “juntar um banco bom com o banco mau, não foi bom.” Mas se esse seria um motivo válido para só agora pedir a auditoria — antes da separação de contas entre o legado (a herança problemática do BES) e o banco corrente, feita pela primeira vez nas contas de 2018, seria mais fácil gerar a confusão entre a parte má e a parte boa do banco — Centeno não o usou de forma expressa. Limitou-se a afirmar que a auditoria acontece agora porque o “Governo entendeu que devia pedi-la agora”, em similitude com a auditoria que foi feita à concessão de créditos da Caixa Geral de Depósitos.

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Fora da resposta ficou também argumento usado pelo Ministério das Finanças na sexta-feira quando divulgou esta intenção. A auditoria foi justificada pelos “valores expressivos das chamadas de capital feitas em 2017 e 2018″, apesar de nem o primeiro-ministro, nem o ministro das Finanças terem ficado surpreendidos com as perdas, que afinal já estavam lá desde 2014.

João Paulo Correia do PS acabou por reconhecer que a auditoria deveria ter sido pedida no quadro da resolução do banco e lembra que a legislação aprovada no Parlamento obriga já o Banco de Portugal a realizar uma auditoria aos grandes devedores em incumprimento dos bancos que receberam ajuda pública.

As perguntas, as respostas e as não respostas

As perguntas começaram pelo deputado do PSD, partido que chamou Centeno com urgência ao Parlamento depois de ser conhecida a nova chamada de 1,149 milhões de euros em capital Duarte Pacheco recusa a manifestação de surpresa do Governo com as novas perdas do Novo Banco. “Quem decidiu vender o Novo Banco nestas condições foram os senhores e mais ninguém. Quem aceitou o mecanismo de capital foram vocês”.

  • Porque não pediu logo uma auditoria aos créditos sobre suspeita?
  • Porque escondeu a estimativa de perdas que recebeu quando foi vendido?
  • Não percebeu que o mecanismo de capitalização contingente era um mecanismo que podia ser explorado até ao tutano pela Lone Star em vez de rentabilizar os ativos?
  • Se os outros bancos têm lucros e a economia está a crescer, porque e é que o Novo Banco tem prejuízos?

Há muito a explicar, considerou Duarte Pacheco, sobre como têm sido gerido e fiscalizados estes ativos. “Ligar a auditoria — defendida pelo Ministério das Finanças — só aos créditos que provocaram as perdas é uma fuga. Se nada tem a esconder, aceite que a auditoria seja a tudo o que tem acontecido no Novo Banco, como defende o Presidente da República”.

O primeiro-ministro abriu a porta a uma nova comissão de inquérito ao que se passou no Novo Banco após a resolução do BES, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter defendido uma auditoria à instituição. No entanto, o PS já afastou esse cenário, pelo menos nesta legislatura. Mas se os socialistas não querem mais um inquérito parlamentar, não deixam de desviar as atenções para uma outra auditoria já feita há anos.

Costa: “Gostaria de conhecer as auditorias internas do Banco de Portugal que nunca foram publicadas nem transmitidas ao Governo”

Depois de o António Costa ter assumido a sua “curiosidade” em relação ao tema no debate quinzenal, o deputado do PS, João Paulo Correia, trouxe ao debate a auditoria interna feita à atuação do supervisor no processo que conduziu à resolução do BES. O documento “está trancado no cofre do Banco de Portugal, o governador nunca o entregou”. Quem decidiu que ativos ficavam no banco mau e os que ficavam no Novo Banco? O Banco de Portugal, sancionado pelo anterior Governo, lembra o deputado. Já Centeno evitou ao longo da audição referências diretas ao regulador financeiro no mesmo dia em que foi aprovada em Conselho de Ministros a reforma do modelo de supervisão financeira.

À esquerda dos socialistas, o Bloco traz mais perguntas. Depois de constatar que o PS só descobriu agora a auditoria interna “secreta” ao Banco de Portugal, um documento que o Bloco anda a pedir há muito tempo e que voltou a pedir agora no quadro da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos.

Banco de Portugal. Parecer de 15 páginas justifica recusa em divulgar auditoria

Mariana Mortágua considera que os problemas e riscos agora assumidos pelo Governo não foram tidos em consideração em 2017 quando aprovou a venda do Novo Banco à Lone Star e quando achava que estava tudo controlado. E faz questões concretas:

  • Porque foram já perdidas metade da garantias?
  • Não sabe se as contas estavam certas e se os ativos estavam bem valorizados?
  • Ou o governo sabia ou quis enganar o país? Só há estas duas possibilidades perante o que sabemos hoje e o que sabíamos em 2017.
  • O Fundo de Resolução tem dinheiro ou o Estado tem de emprestar outra vez e quanto?

Centeno reconhece que os 1900 milhões de euros pedidos pelo Novo Banco em dois anos, são muito dinheiro, mas correspondem a menos de metade do valor total previsto de 3.890 milhões de euros, ou seja, estão dentro do envelope financeiro previsto. Apesar de “partilhar com todos a perplexidade sobre o montante”, também acrescenta que ela é conhecida desde 2017, quando foi fixado o limite até ao qual o Fundo de Resolução seria chamado suportar as perdas com impacto nos rácios de capital. E a dimensão desse mecanismo resulta dos prejuízos e dos riscos que estavam no balanço.

O ministro das Finanças assinala ainda que só se falam em contingências quando há riscos e que estes só se materializam quando há perdas. Lembra que existem dois mecanismos de validação dessas materialização. O  Novo Banco não pode vender ativos a partes relacionadas e todas as transações têm de ser aprovadas pela comissão de acompanhamento.

Mário Centeno insistiu várias vezes na tese. A resolução feita em 2014 “deixou o banco mau dentro do Novo Banco. Foi por isso que não foi vendido em 2015 e foi por isso que foi necessário criar um mecanismo de capital contingente, um esquema de proteção” para acomodar as perdas que já se sabiam lá estar. Mas se já se sabia, porquê fazer a auditoria à concessão desses créditos agora? E não antes da venda, por exemplo. Mais uma pergunta feita por Cecília Meireles, a deputada do CDS que associou o timing ao período pré-eleitoral. O ministro das Finanças reconheceu o interesse em saber o que se passava na concessão de créditos, como eram concedidos, no BES depois de saber o que se passava na Caixa. Mas não justificou o calendário da iniciativa.

E a questão regressou em tom mais forte pela voz de Paulo Sá do PCP.

  • Porquê neste momento?
  • Porquê agora?
  • Porque não antes?

O deputado comunista defendeu também a ideia chave do Partido Comunista, considerando que não faz sentido o Estado injetar fundos nos bancos para depois os entregar aos privados.

Ainda sobre o banco mau e o banco “péssimo”, expressão usada pelo primeiro-ministro António Costa, o ministro das Finanças desvaloriza e lembra que foi o próprio presidente da instituição, António Ramalho, que apresentou resultados separados entre a atividade corrente, tradução de banco bom, e o banco legado, expressão usada para descrever o banco mau que ficou com os ativos com perdas ainda por reconhecer que foram herdados do Banco Espírito Santo quando foi feita a separação original de ativos e passivos em 2014.

Em menos de 24 horas foi a segunda vez que o ministro das Finanças presta esclarecimentos sobre a nova injeção de capital pedida pelo Novo Banco. Mário Centeno optou por dar as primeiras respostas sobre o tema numa entrevista à RTP, esta quarta-feira à noite, que só foi para o ar às 23.00 depois de terminar o Porto/Roma, antes de dar respostas aos deputados da comissão de orçamento e finanças.

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