Muitos deles ficaram compreensivelmente arrumados no baú das memórias, como se enterra um parceiro ou parceira que só deu ralações. Outros permanecem a pairar, quais almas penadas do panorama trash televisivo — são aqueles que reaparecem de quando em vez para testar a nossa determinação e compromisso com o futuro. Na televisão, como na vida, contam-se infindáveis ataques e contra-ataques, ou formatos e contra-formatos, apostados em seduzir espectadores e prolongar namoro com as audiências.

O duelo mais feroz no pequeno ecrã remonta ao arranque das TVs privadas mas ao longo dos últimos quase vinte anos não faltaram formatos no mínimo controversos com relações postas à prova, polígrafos, tentações ao virar da esquina, homens e mulheres acorrentados, noivos milionários, sedução e outros ingredientes de grandes caldeiradas do coração. A propósito dos novos programas “Quem quer casar com o meu filho”, da TVI, e “Quem quer casar com um agricultor”, da SIC, recordamos os episódios mais caricatos de uma história singular escrita sempre no plural:

“Acorrentados”

SIC, 2001, com Artur Albarran e José Figueiras

Foi a resposta da SIC ao estrondoso fenómeno Big Brother, o ponto de partida dos reality shows em Portugal, que a TVI lançara no ano anterior. Se o país parou para ver uma série de pessoas que não se conheciam enfiadas na mesma casa, a (ainda) estação de Carnaxide reforçou a dose de proximidade e acorrentou-os, para ter a certeza que não arredavam mesmo pé. “Chains of Love” à portuguesa estreava-se assim com uma dupla de anfitriões composta por Artur Albarran e José Figueiras, o que só por si contribuía para reforçar a comparação com uma pintura de Dali, esse, o mestre do surrealismo. Em traços gerais, falávamos de cinco pessoas que estavam acorrentadas e tinham de ir juntas para todo o lado. Quatro eram do mesmo sexo e a do oposto tinha de ir eliminando aqueles que não lhe interessavam até sobrar um que seria o ideal, ou “o mal menor”, como descreve a incansável Wikipedia. O grande destaque foi para Isabel Figueira, a apresentadora que ficou célebre depois de ter concorrido.

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“Confiança Cega”

SIC, 2001, com Felipa Garnel

Caso lhe interesse saber, pode passar férias num hotel onde há quase vinte anos foi rodado um reality show conduzido por Felipa Garnel. Em que é que isto pode melhorar a sua estadia? Provavelmente em nada, mas adiante. Em 2001, a SIC transmitia “Confiança Cega”, um formato que teve por cenário o La Réserve, em Santa Bárbara de Nexe, no Algarve. A fórmula era esta: três casais viviam dezasseis dias, sem contactarem, em casas separadas. Até aqui tudo bem, podia mesmo ter feito maravilhas pelas respetivas relações, o pior era o ataque dos tigres, que é como quem diz os amigos e amigas que estavam ali com a única missão de os seduzirem. Numa era prévia à invasão dos smartphones e redes sociais, eram bombardeados com imagens reais e manipuladas do comportamento dos companheiros, num visionário preâmbulo das fake news. 60 câmaras instaladas na unidade hoteleira garantiam a cobertura total destas andanças no sul do país. Os participantes tinham que confiar cegamente no seu parceiro, assediado por jogos com outras pessoas, massagens com outras pessoas, e outros fortes contributos para um divórcio da mesma pessoa.

“Ilha da Tentação”

TVI, 2002, com Fernanda Ribeiro

Inspirado num original norte-americano, “Temptation Island”, o concurso  alargou geografias. Quem precisa do Algarve quando temos as Honduras em vésperas de uma crise política? Foi ali que se reuniram quatro casais, “que, apesar de não estarem casados, são comprometidos”, o que quer que as definições da altura queiram dizer. O desafio era simples: descobrir se o amor que os unia era verdadeiro — e toda a gente sabe como as férias são um verdadeiro vai ou racha, sobretudo quando à nossa espera na América central estão 13 solteiros com que vamos passar as duas semanas seguintes, prontos para provocar mais turbulência que uma ligação para o Funchal a meio de um alerta laranja. O formato estreou-se num sábado, 29 de junho de 2001 e registou uma audiência média de 10.6% e um share de 39.1%.

“Masterplan”

SIC, 2002, com Herman José e Marisa Cruz

Foi o nosso Truman Show, que celebrizou a “mulher furacão” Gisela Serrano, pioneira nos vídeos virais do YouTube português, depois de uma épica cena de agressões com Sandra Leão. O programa acompanhava, durante 24 horas por dia, a vida de dois concorrentes (um homem e uma mulher), bem como de dois desafiadores (também um homem e uma mulher), que tentavam tomar o lugar dos primeiros. Os concorrentes tinham de executar as mais variadas tarefas. Gisela, a mais popular de todos, acabaria por desistir do programa, acusando cansaço. Para coroar, o genérico (“Sigo a Viagem”) estava a cargo do duo feminino Gémeas, ex-participantes do concurso de talentos Popstars.

“O meu Odioso e Inacreditável Noivo”

TVI, 2006, com Júlia Pinheiro

Diga-se que o nome, a dar para o comprido, era ótimo, porque com jeitinho parecia um título de um romance e é de senso comum que coisas baseadas em livros ganham logo uns pontos na escala da consideração. De resto, “inacreditável” é uma palavra que custa a pronunciar em televisão e um apresentador que supere isto merece louvor. Em maio de 2006, “O meu odioso e inacreditável noivo” arrancava a vencer a concorrência nas audiências, com quase 3 milhões de pessoas a assistir à estreia. Sucedia que uma jovem tinha que convencer a família que conhecera o homem dos seus sonhos — e que não só ficara noiva como ia casar-se num programa de televisão (é de notar que ao pé de “Casados à Primeira Vista” isto é um verdadeiro primor de conservadorismo e molenguice). Falta falar do elemento-chave: para receber o prémio de 100 mil euros, a noiva tinha que convencer a família a estar presente, e que noivo, enfim, é ver o vídeo para perceber melhor. Arranca com um lendário “que querido, que querido”.

“Pedro, o Milionário”

TVI, 2006, com Júlia Pinheiro e Leonor Poeiras

Em outubro, o horário nobre fazia um follow up do Odioso Noivo (escrever “inacreditável” custa-nos mesmo um bocado), mas agora um candidato com uma generosa conta bancária, o que torna sempre tudo menos odioso, como é óbvio. Baseado num formato internacional, originário da cadeia Fox, e testado em vários países, “vai surpreender não só os telespectadores, mas sobretudo os intervenientes”, que serão os últimos a descobrir que tudo não passa de um grande apanhado, explicava então Piet-Hein Bakker, diretor da Endemol. “Pedro, o Milionário” tinha em competição 14 mulheres a disputar a sua fortuna de 20 milhões de euros. Em novembro desse mesmo ano, o CM noticiava que Pedro Pinto, o ‘Milionário’ do novo ‘reality show’ da TVI que afinal de milionário tinha zero, já regressara ao trabalho de escriturário numa empresa da Azambuja e recebera os parabéns dos conterrâneos pela prestação no primeiro episódio. “As pessoas gostaram de me ver e do programa”, adiantou.

(lamentamos mas não encontrámos vídeos nem imagens apresentáveis)

“A Bela e o Mestre”

TVI, 2007, com José Pedro Vasconcelos e Iva Domingues

Quando eles se querem conquistar a eles próprios ainda vá, o problema é quando “o programa gira em torno da dinâmica de oito casais concorrentes, os quais têm de conquistar o público”. Cabia aos telespectadores decidir qual o par que venceria 100 mil euros. Recuperando a sinopse em 2019, é preferível deixar à sua consideração os juízos de valor. Vamos por tópicos:

– “O formato televisivo juntava oito mulheres supostamente lindíssimas e cheias de confiança e outros tantos homens, inteligentes, mas com muito pouco jeito para lidar com o sexo oposto”(o genérico cultivava o estereótipo do mulherão e de Einstein)

– “Em cada programa os casais presentes começam por jogar um conjunto de provas. Os homens têm “Provas Físicas” e as mulheres “provas Culturais” (Einstein, é conhecido, como todos sabemos, por ter ganho provas de halterofilismo e outros testes físicos)

– “Eles vão ter que as educar e Elas vão ter que os treinar” (é oficial, estamos no chão depois desta)

– “O insucesso de um será o insucesso do outro. Para isso vão viver juntos durante 9 semanas numa casa.” (o período de gestação de um cataclismo)

Quando recuperar, avise-nos.

“Casamento de Sonho”

TVI, 2007, com Júlia Pinheiro

Por comparação com o resto, quando em 2007 nos aparecem 14 casais cujo único desejo é ganhar 100 mil euros para se poderem casar e ir de lua-de-mel, isto quase parece um bálsamo. Júlia Pinheiro apresentou “Casamento de Sonho”, Bruno e Magali foram os grandes vencedores, e por nós até está tudo bem.

“O Momento da Verdade”

SIC, 2008, com Teresa Guilherme

Ironias do destino, no dia da estreia, nesse 9 de setembro de 2008, o canal concorrente transmitia a novela “A Outra”. E “A Outra”, da TVI, venceu nesse horário. Isto é tão ou mais divertido se pensarmos que “O Momento da Verdade” desafiava o participante a responder a perguntas relacionadas com a sua vida pessoal, sendo apurada a verdade pelo recurso a um polígrafo. O primeiro a submeter-se ao detetor de mentiras foi Luís Miguel Carvalho, um militar de 27 anos que vivia em união de facto com Márcia, com quem tinha uma filha de oito anos. No programa, fez-se acompanhar pela mulher, pelo seu melhor amigo, Ricardo, e pelo irmão, João. Acontece que Luís Miguel não foi além da 18ª pergunta. E que pergunta era esta que acabou censurada por Ricardo, utilizando um recurso do concurso? “Desde que está com a Márcia já teve relações sexuais com mais de 15 mulheres?”. Foi aqui que Luís Miguel teve certamente vontade de também ele fazer zapping para “A Outra”. No programa eram propostas 50 questões previamente, e daí selecionadas 21 para novamente serem respondidas no estúdio. Aquele que conseguisse responder a todas as perguntas sem mentir uma única vez ganhava 250 mil euros. O jogador podia desistir antes de uma pergunta ser colocada por Teresa Guilherme, a apresentadora de serviço.

No vídeo em baixo, o momento em que um concorrente admite ter pago para ter sexo, perante a atual namorada, referindo que “há uma razão para isso”. É rever:

“O Poder do Amor”

SIC, 2014, com Bárbara Guimarães

“Isto é irónico… A SIC acertou em cheio na escolha da apresentadora, porque procurou uma pessoa totalmente disponível para ser imparcial neste caminho que vamos fazer ao longo destes meses”, comentava em 2014 uma recém-divorciada Bárbara Guimarães. À luz da atualidade, o conteúdo (no qual dez casais punham à prova o seu amor, mais uma vez) torna-se tanto ou mais recalcável se pensarmos que entre os concorrentes se incluíam: Cláudia Jacques e o noivo, Max Oliveira, Cátia Palhinha, ex-concorrente da “Casa dos Segredos” e o marido, Márcio, Quimbé e a mulher, Ana; e Gisela Serrano, ex-concorrente de “Masterplan”, e o namorado, Nuno.

“Love on Top”

TVI 2016, com Teresa Guilherme

As notícias mais recentes dão conta que há ex-concorrentes de “Love on Top” que reapareceram no ecrã no atual e polémico “Quem Quer Casar com o Meu Filho”, tendência que aliás se registou em outros formatos anteriores, com ex-participantes a ressuscitarem para mais uns quantos minutos de fama. É o caso de Vanessa, que não foi de modas quando se estreou no novíssimo programa da TVI: “Parece que o amor da tua vida chegou”, disse a Iuri.

“Casados à primeira vista”

SIC, 2018, Diana Chaves

Boa parte do país rendeu-se ao formato, recheado de personagens complexas, de quem se esperou que trocassem alianças e votos com perfeitos desconhecidos. Com “Casados à Primeira Vista”, o rótulo de “experiência social” venceu em definitivo o de “reality show”, qual upgrade civilizacional, ou crise de meia idade em que se troca o parceiro por alguém mais jovem e enérgico. Ninguém lhes pediu para procurar um ponto G, e ainda bem, porque já havia gente atarefada a localizar o Douro no mapa de Portugal, um dos mais excitantes momentos televisivos dos últimos anos.

“O Carro do Amor”

SIC, 2018, com Diana Chaves

Mais um tomo de “experiência social”, agora num formato que permite chalaças como “está a correr sobre rodas”. Duas pessoas que nunca se viram na vida tentam a sorte durante uma deslocação de carro. Enfrentam “uma viagem de algumas horas” e têm a oportunidade de perceber “se são compatíveis”. Pelo caminho, os desbloqueadores de conversa possíveis, como este:

– Estás sozinha desde quando?
– Eu não estou sozinha, estou aqui contigo no carro.

“First Dates”

TVI, 2019, com Fátima Lopes e Ruben Rua

Melhor que promover o amor é aproveitar para promover também o nosso mais recente disco. Luís Carlos, jardineiro de Castelo de Paiva, protagonizou um desses momentos em “First Dates” meets “The Voice” ou “Got Talent”, quando partilhou com Fátima Lopes, que entretanto pendurava casacos num armário (sabe-se lá porquê) que podia “cantar uma musiquinha porque eu editei um CD”. Tudo o que se segue é potencialmente confrangedor, mas nada como o leitor para avaliar. Só um cheirinho, vá: Luís  admite que “estava à espera de uma mulher africana” e saiu-lhe “uma loura de olhos azuis”.

https://www.youtube.com/watch?v=gGG34uYCXZs