Acenderam-se as luzes de alerta: o gabinete do primeiro-ministro comunicou esta quinta-feira que, “face ao resultado das votações e aliança entre PSD, PCP, BE e CDS, o primeiro-ministro convocou uma reunião extraordinária de coordenação política” para a manhã desta sexta-feira. À reunião do núcleo duro de Costa vai juntar-se também o ministro da Educação. E Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, abre a porta à possibilidade de demissão do Governo, em declarações ao jornal Público.

As reuniões de coordenação do Governo realizam-se normalmente à terça-feira e nunca são públicas, mas António Costa entendeu não só divulgar esta — o que nunca tinha feito antes –, como dizer que é extraordinária e também que se realiza por causa do que aconteceu esta tarde no Parlamento. A esquerda e a direita juntaram-se para repor a contagem integral do tempo de serviço dos professores — os nove anos, quatro meses e 18 dias reclamados pelos sindicatos. A votação na especialidade aconteceu na tarde de quinta-feira, ficando ainda a faltar a votação final global em plenário.

Professores: “Coligação negativa” aprova contagem integral do tempo de serviço congelado

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A  coordenação política é o núcleo duro de aconselhamento do primeiro-ministro e dele fazem parte o ministro das Finanças, Mário Centeno; o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos; o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva; o líder parlamentar e presidente do PS, Carlos César; a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes; o ministro do Trabalho, Vieira da Silva; o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira; a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva; e ainda o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro.

A reunião vai decorrer de manhã, mas não se sabe a hora certa e nem se haverá declarações aos jornalistas no final. A hipótese de demissão do Governo é falada entre membros do Executivo e alguns socialistas, mas sem certezas sobre o que poderá acontecer esta sexta-feira. Não é, de resto, a primeira vez que esta ameaça corre no PS por este mesmo motivo (ver mais abaixo neste texto), no entanto, a proximidade das eleições também está a ser vista como terreno fértil para alguma dramatização deste caso. Afinal, embora as coligações negativas não sejam propriamente uma novidade — já aconteceram, como por exemplo aqui (e até sobre a mesma matéria) — esta é inédita quanto aos grau de efeitos financeiros que provoca. Pelo menos é esta a ideia no Governo, com Costa a querer analisar em detalhe o que foi aprovado esta quinta-feira — até porque nos dois pontos mais relevantes houve propostas novas a surgirem durante os trabalhos da comissão parlamentar que estava a votar propostas de alteração ao decreto do Governo na especialidade.

A questão da contagem do tempo integral foi aliás negociada à vista de todos, com PCP e Bloco de Esquerda (Ana Mesquita e Joana Mortágua) à volta das deputadas do PSD e CDS (Margarida Mano e Ana Rita Bessa), como se pode ver nesta imagem captada pelo Observador, para acertar a proposta conjunta:

No final da reunião, que durou mais de quatro horas, o deputado socialista Profírio Silva fez referência a este ajuntamento como uma “aventura” com os “quatro partidos a desenharem a oito mãos o que foi aprovado”. O deputado dizia mesmo “estranhar” a coligação de forças.

No Governo foi também notado um tweet do CDS, quando decorriam as votações na especialidade, a sentir a necessidade de explicar que o que tinha sido aprovado não era o pagamento do tempo integral, mas “apenas o princípio de que os professores terão direito à contagem integral do tempo congelado mediante negociação com o Governo”. No Executivo isto foi visto como um sinal de desconforto com o que estava a passar sobre as votações na comissão parlamentar.

Governo tem de começar a pagar já

Na tarde desta quinta-feira, na comissão parlamentar de educação, PSD, CDS, PCP e BE uniram-se para aprovar “o modelo de recuperação integral do tempo de serviço, nomeadamente os termos e forma para efeitos de progressão na carreira e respetiva valorização remuneratória ou outros efeitos a serem considerados em processo negocial, prestado em funções docentes (…) num total de 3.411 dias, período de tempo em que se verificou o congelamento no qual não houve qualquer valorização remuneratória” — os tais nove anos, quatro meses e 18 dias reclamados pela oposição ao Governo socialista, incluindo os seus parceiros parlamentares desta legislatura. O PS ficou isolado.

Além disso, direita e esquerda voltaram a entender-se para conseguir que parte deste tempo (os dois anos, nove meses e dois dias prometidos pelo Governo) fosse devolvido por inteiro e já este ano. O Governo propunha que fossem devolvidos de forma faseada, e não na sua totalidade, até 2021 — mas a coligação negativa voltou a funcionar e a travar as intenções do Governo.

A primeira parte do tempo será, assim, recuperada já este ano — mas apenas se houver capacidade orçamental. Caso não exista o montante suficiente para fazer face a esta despesa, ela passa para o Orçamento de 2020 mas com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019. Esta foi a forma encontrada pelo PSD para contornar a chamada norma-travão, uma previsão da Constituição que proíbe a apresentação de projetos de lei ou propostas de alteração “que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”.

Há duas semanas, uma fonte próxima do primeiro-ministro já tinha dito à Rádio Renascença que o Governo estava a ponderar a demissão, no caso de ser aprovada a reposição integral do tempo de serviço dos professores, o que acabou mesmo por acontecer. Mas, pouco depois de a notícia ter saído, o gabinete do primeiro-ministro veio garantir que nada disso estaria em causa e que a estabilidade política estava garantida. Agora o assunto volta a ser falado, mas assumido oficialmente pelo próprio líder da bancada do PS. Ao Público, Carlos César afirma que “é legítimo pensar-se que o PS não pode assumir responsabilidades de governo quando entende que as políticas a que fica obrigado tornam essa gestão insustentável”. E indicia que o PS pode eventualmente recorrer ao Tribunal Constitucional para travar a decisão tomada esta quinta-feira no Parlamento, se chegar à conclusão que está perante uma inconstitucionalidade.

Professores. Gabinete do primeiro-ministro diz que demissão “não está em cima da mesa”